Na mesa mais tardia do Correntes d’Escrita, Afonso Cruz contou histórias e Ana Luísa Amaral atribuiu à leitura a fonte inesgotável de prazer, citando Emily Dickinson: “Não há fragata como um livro”. Manuel Moya descreveu a escrita como uma espécie de sacerdócio contra o desespero existencial. O escritor espanhol disse que a escrita leva, quem a faz, a “entrar e sair de si próprio” e que, ao contrario de outros prazeres, não se esgota na chegada, mas no percurso percorrido.
Durante o que garantiu serem dez minutos de sinceridade, Rui Zink afirmou que prazer é o oposto do trabalho que tem com a escrita (“prazer, tenha quem lê”) e completou: “Escrever serve para aprender o que não se viveu”. Valter Hugo Mãe erotizou a sua admiração por Rubem Fonseca, colocando, mais uma vez, a fonte de prazer na atividade da leitura. Na mesa moderada por Henrique Cayatte, também esteve presente Júlio Magalhães, que se afirmou estranho ao facto de ser convidado para uma mesa de escritores, mas confirmou que o seu prazer é o retorno que tem de quem lê os livros que foi convidado a publicar.
As palavras superiores das Correntes
O segundo dia começou com João Gobern a dar o mote para a terceira mesa: “O fim da arte superior é libertar”. Os escritores rejeitaram, em geral, o espartilho das definições para a escrita, a poesia ou a arte em geral. Luis Quintais aceitou a poesia ou a arte como algo que nos pode elevar, mesmo sendo resultado do acaso – lugar onde o poeta é um “recenseador de acidentes”. José Jorge Letria repetiu Fernando Pinto do Amaral, também presente na mesa, sobre a importância do tempo como maior juiz para nos dizer o que sobrará de nós e confirmar o que é, ou não, arte.
Depois do almoço, os poetas sentaram-se à mesa e discutiram se “a poesia é o resultado de uma perfeita economia de palavras”. Luis Barreto Guimarães falou da economia de palavras que existe nos silêncios de um poema, que também se quer pequeno para ser maior. Manuel António Pina identificou poesia como a “coisa que não sabemos bem o que seja”, na qual a economia maior é usar, não palavras mas as palavras. Quando a palavra é a certa, o poema tem o ritmo, tem som e projeta imagens na retina do leitor. Pina elogiou a linguagem poética como “uma língua dentro da própria língua” e secundarizou as respostas em detrimento das perguntas, o percurso que mais nos interessa nas Correntes d’Escrita.
“Toda a literatura é uma especulação” foi o tema à volta do qual se reuniu a última mesa da tarde. Depois de um conto de Eduardo Sacheti, Inês Pedrosa afirmou que “a literatura serve para nos elevarmos para dentro”. Pedro Rosa Mendes e Manuel Jorge Marmelo contaram histórias onde a especulação é sempre uma realidade e Rosa Montero lembrou a especulação que também está na base das nossas próprias memórias. “Escrevemos com uma memória embriagada”, disse. O escritor argentino Eduardo Sacheri lembrou, ainda, que cada leitor também cria o seu próprio universo de especulação quando lê um livro.