A primeira conferência do ciclo "Crise e Alternativas" foi dedicada ao papel das associações de estudantes, na história. O encontro contou com a participação de João Veloso e José Pacheco Pereira e debateu formas de intervenção estudantil em diferentes contextos políticos.

“Se vivemos um presente liberto de censura e cujo fluxo de informação é superior a outros contextos históricos, porque é que a intervenção estudantil é menor?” Esta foi uma das questões colocadas por uma estudante, na conferência sobre o papel das Associações de Estudantes na história, realizada esta sexta-feira na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP).

José Pacheco Pereira, atualmente professor no Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE) respondeu à pergunta contrapondo a sua experiência como ex-dirigente de uma associação de estudantes na FLUP, ilegal na altura do Estado Novo. “A comparação de tempos históricos muito diferentes às vezes é enganadora”, explicou. Nessa época, e apesar de não ser o seu caso, nem todos os estudantes estavam dispostos a intervir na esfera política, tendo em conta os vários mecanismos de censura e de coação instituídos pelo Governo.

José Pacheco Pereira, ex-dirigente associativo

José Pacheco Pereira falou da sua experiência na associação de estudantes na FLUP durante o regime Salazarista. Na altura, a AE não era reconhecida oficialmente e a açao militante estudantil era fortemente restringida. Pacheco Pereira contou o episódio em que a PIDE lhe assaltou a casa, levando a sua tese de licenciatura.

Por outro lado, Pacheco Pereira é da opinião de que, apesar de vivermos a era de informação, as novas tecnologias nem sempre favorecem a mobilização das pessoas: “Ter as novas tecnologias e a Internet é muito positivo mas estes meios também induzem a uma certa preguiça coletiva. Uma coisa muito interessante é a convicção que as pessoas têm de que basta pôr meia dúzia de coisas no Facebook para garantirem uma manifestação. Não bastam slogans”, afirmou.

José Pacheco Pereira relembrou, ainda, o significado intemporal do associativismo estudantil: “A essência do trabalho associativo é a representação dos interesses dos estudantes e a luta contra a violência inscrita nas coisas. E isso tanto é válido para o período em que não havia democracia como para o período em que há democracia. As associações de estudantes não são para publicar sebentas como se fossem um acrescento de alguma associação recreativa. São mais do que isso”, conclui.

As associações de estudantes devem, por isso, ser capazes de expressar a “perturbação social” que carateriza a conjuntura atual. E não estão a cumprir o seu papel se não o fizerem, afirmou o ex-deputado do PSD.

“O dinheiro estragou o associativismo”

João Veloso, atual professor de Linguística na FLUP, à semelhança de Pacheco Pereira, foi dirigente associativo da instituição entre 1988 e 1990, durante a conturbada fase do cavaquismo que coincide “com um clima social e político muito específico”.

João Veloso falou da importância das associações de estudantes no seio estudantil, referindo que estas devem possuir três objetivos primordiais: “A sindicalização dos estudantes, a dinamização de eventos e a prestação de serviços”. O professor de Linguística referiu a sindicalização e o apoio às causas dos estudantes como a causa principal de qualquer associação, partilhando, na sua visão, que estas têm vindo a perder a componente sindicalista.

A partir de episódios reais, ocorridos durante a fase em que foi dirigente associativo, João Veloso explicou que, durante a fase cavaquista, com a entrada de Portugal na União Europeia e o desenvolvimento social e económico que se seguiu, as associações de estudantes passaram a usufruir de boas condições monetárias o que levou a que estas tenham caído “muito rapidamente na tentação de se confundirem com pequenas empresas”, afirmando que “o dinheiro estragou o associativismo”.