Em inglês, ao trabalho do duplo chama-se “stunt” – traduzido em “façanha”, “acrobacia” ou “pirueta”. Uma designação pertinente que remete para a singularidade da profissão. Embates de carro, atropelamentos ou quedas altas são algumas das proezas executadas pelos duplos, profissionais que não dão a cara – mas o corpo – pelos atores.

A profissão de duplo define-se pela exposição a situações limite e de ação extrema, exigindo, por isso, uma disciplina física diária, para além de um forte controlo emocional. Não é fácil e, talvez por essa razão, o mercado de duplos, em Portugal, ainda é pequeno.

Sérgio Grilo herdou a profissão do pai, Atílio Silva, o primeiro duplo português. “Confesso que não é uma história muito romântica, não quis ser duplo a vida toda. Mas, lentamente, apercebi-me que o fazia bem”, conta o responsável pela empresa Charlot Filmes.

João Gaspar, outro nome importante entre os duplos portugueses, também sentiu influências desde cedo: “Quando era miúdo via um programa chamado ‘O risco é a minha profissão’. A minha atividade desportiva também teve influência, embora tenha começado na área do cinema. Uma vez dentro do meio, tive oportunidade de juntar as duas coisas”, conta o dono da JG Duplos.

A Mad Stunts é outra empresa de relevo em Portugal. David Chan Cordeiro, coordenador da equipa, aliou a paixão pelas artes marciais ao curso de Produção de Cinema tirado nos Estados Unidos. De regresso a Portugal, “com 3 mil euros no bolso, uma mochila às costas e uma vontade enorme de mudar a realidade dos duplos em Portugal”, decidiu abrir a empresa com o grupo de amigos.

Uma profissão de risco, que exige disciplina

Ao descrever a profissão de duplo, João Gaspar relembra a expressão “carne para canhão”. Apesar de não ter tido acidentes ao longo da carreira, não nega a existência de “um exacerbar do risco”, em função das produções e das condições de rodagem: “Quando faço uma simulação de acidente em que voo de dentro de um carro para o rio, por muitas medidas de segurança que se tomem, pode sempre acontecer algo. Uma pessoa que enverede por esta profissão deve ter consciência disso”, afirma.

Sérgio Grilo concorda. Trata-se de uma profissão de risco, não pela “imprevisibilidade” das cenas, mas pela exposição dos duplos a “situações limite”. O ator e duplo acrescenta que “há uma relação amor-ódio na profissão” e que, por muito que se goste, “encarar a ideia de que se tem que pegar fogo a si próprio ou atirar-se de uma janela”, nem sempre é fácil.

Minimizar o perigo, garantindo a espetacularidade das cenas, é o principal objetivo destes profissionais. Para isso, é necessária disciplina, explica David Chan Cordeiro: “Um duplo está em constante formação e a sua ferramenta é o seu corpo. Não temos o estilo de vida de uma pessoa normal. Para além do corpo dorido e das lesões associadas ao trabalho, estamos dependentes das produtoras, que nos chamam em função das ações que escrevem. São ossos do ofício”, conclui.

Não dar a cara não é problema

Nem todos os atores têm um duplo, executando eles próprios as cenas mais perigosas – Jackie Chan é um dos exemplos mais famosos. Mas, na maioria dos casos, são os duplos que assumem o controlo da cena, ainda que não a mostrem a cara.

Apesar disso, não assumir o papel não é motivo de insatisfação. A relação dos duplos com os atores que substituem é “muito pacífica”, afirma Sérgio Grilo. “É melhor que o duplo esconda a sua identidade. Se uma pessoa reparar que foi o duplo X que substituiu o ator Y, isso não é positivo nem para um nem para outro”, esclarece.

David Chan Cordeiro partilha a mesma opinião: “A função do duplo é mesmo não aparecer, por definição. O nosso trabalho é estar por trás da câmara e, quanto mais invisíveis formos, melhor o trabalho é executado”, sublinha.

Não é a questão da visibilidade que se coloca, explica João Gaspar, mas a ausência de reconhecimento: “Em alguns filmes do Tom Cruise, por exemplo, dizem que é ele que faz tudo e é mentira. Depois vemos os créditos no fim do filme e há uma quantidade enorme de duplos que estão lá a fazer alguma coisa”.

O reconhecimento mais importante é obtido entre os próprios “colegas duplos”, esclarece David. Regra geral, os duplos “lidam muito bem” com o papel assumido nas produções.