A meta de Sílvia Castro Coelho e Manuel Coelho tem dois objetivos: diminuir a concentração das drogas anti-cancro no corpo dos pacientes – evitando assim uma vasta lista de efeitos secundários – e contornar o normal “tempo de vida” destas drogas no organismo, ou seja, evitar a “habituação”, que leva muitas vezes a que deixem de fazer efeito.

Para isso, recorrem a partículas de ouro (ver caixa 1) que medem cerca de 20 nanómetros – uma medida impossível de imaginar mas de facto muito pequena. Funcionalizam-nas de uma “determinada maneira, demasiado científica para ser explicada”, como diz Manuel, e juntam-lhes “umas moléculas especiais, anti-cancro”.

Estas nanopartículas de ouro são depois injetadas no organismo do paciente (por exemplo, já que ainda não foi testado em humanos) e a partir daí, fazem o seu trabalho, que é basicamente penetrar nas células tumorais. “Estas partículas têm a facilidade de se chegarem às células tumorais e entrarem com mais facilidade do que a droga sozinha”, explica Manuel. “As células tumorais ficam completamente cheias de partículas”, diz o professor.

1. Nanopartículas

Escolheu-se o ouro como material porque há evidências de que “eliminamos as partículas de ouro facilmente, ao contrário de partículas de outros metais, através dos rins”. Assim, não há risco de intoxicação. Estas nanopartículas em específico são produzidas pela equipa: uma forma de controlar o tamanho e a ‘qualidade’. São tão pequenas que, segundo Manuel, a espessura de um cabelo é 100 vezes maior.

A partir daí, o processo é igual: quimioterapia (com o químico acoplado às nanopartículas) e radioterapia. A questão é que as partículas de ouro têm uma densidade eletrónica muito alta – uma das razões por ter sido escolhido este material – e só serão radiadas as zonas onde existem células tumorais. O que vai acontecer é que só nesses locais é que as partículas de ouro, estimuladas pela radiação e consequentemente instáveis, libertarão as drogas.

“Ao baixarmos as concentrações de drogas para atingir as células tumorais, também atingimos muito menos as células normais, já que a droga é muito prejudicial para elas”, sublinha. É que muitas vezes, quando se verifica que o tumor já não está a reagir, por exemplo “têm de se aumentar as concentrações”, já que “estas drogas têm um tempo de vida e circulação no sangue muito baixo”. Isto “leva a efeitos secundários fortes e a uma ‘multi drug resistance’ [resistência a várias drogas], ou seja, aplica-se outra e mesmo essa já não funciona”, explica Manuel.

As nanopartículas de ouro “é o que sai mais barato”

A experiência, que já desperta a curiosidade da comunidade científica internacional, está, por enquanto, a ser levada a cabo com três linhas celulares – duas pancreáticas e uma prostática – e está a obter “bons resultados”. O próximo passo, segundo Manuel, é a experimentação animal.

2. Células tumorais

“As células tumorais são danadas”, diz Manuel. Sobrevivem a mudanças bruscas de temperatura e a quase tudo. “Há umas células de uma senhora inglesa, das mais terríveis que há, que a senhora já morreu há 35, 40 anos e as células dela ainda existem: ao cultivá-las, vamos conseguindo sempre duplicá-las facilmente”, diz. Também é isso que vai valendo: em Oslo ou nos Estados Unidos há muita gente em fase terminal que oferece as células para colheita e há células “de todo o tipo”. “Cá em Portugal isso não acontece”, afirma o investigador.

Sílvia termina, em setembro, a tese de doutoramento – “Partículas Inorgânicas/Orgânicas para tratamento de cancro” -, mas não quer abandonar o projeto. É que esta jovem de 29 anos sempre quis ir trabalhar na indústria, quando ingressou no curso de Engenharia Química, mas rapidamente se apercebeu que “a parte da investigação era interessante”. Agora acha a área “fascinante”.

Tanto, que passou seis meses em Oslo, na Noruega, (graças a duas bolsas – uma portuguesa e uma norueguesa) no “Institute for Cancer Research“, do “Radium Hospital” – onde inicialmente se trabalhou esta ideia – a trabalhar para o projeto.

É que a “equipa das nanopartículas” é multidisciplinar e está por todo o mundo: envolve a Universidade de Oslo (UiO), a Universidade do Nebraska (UNL), o Instituto de Biologia Molecular e Celular (IBMC), o Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (IPATIMUP), uma data de parcerias e o financiamento da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT).

Sem financiamento e apoios, o projeto também não tinha pernas para andar: “Usamos moléculas que custam 500 euros um miligrama”, diz Manuel. É que as nanopartículas de ouro são o que, afinal, sai mais barato.