"Saúde em Mudança" foi o mote do debate que se realizou a 22 de fevereiro na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. O debate contou com a presença de representantes de todos os partidos políticos. Em entrevista ao JPN, os estudantes da FMUP expuseram a sua perspetiva em relação à saúde em Portugal.

O debate “Saúde em Mudança” contou com a presença de cerca de 500 pessoas. Foto: Margarida Rodrigues/JPN

O debate “Saúde em mudança” reuniu, na passada quinta-feira (22), na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), políticos de todos os partidos, estudantes e profissionais de saúde do SNS. Durante o evento que reuniu cerca de 500 pessoas, foram discutidos temas como o investimento no SNS, valorização dos profissionais e cooperação público-privada.

A discussão iniciou-se com uma pergunta da moderadora, Joana Ascensão, jornalista do “Expresso”: “O que fariam nos primeiros 100 dias de mandato relativamente à saúde?“. As respostas dos representantes políticos foram diversas, mas todas com foco nas propostas apresentadas nos programas eleitorais.

A jornalista começou por falar sobre a proposta do Partido Socialista (PS) que defende que os médicos recém-formados devem cumprir um tempo mínimo no Serviço Nacional de Saúde (SNS), sendo que a medida prevê a aplicação de multas, caso isso não aconteça. O ministro da Saúde, Manuel Pizarro, contradiz a proposta do partido, afirmando que “a medida não é muito lógica”. Os estudantes reagiram imediatamente com um uníssono “ah” em modo irónico.

A indignação de Cristiano Reis da CDU foi notória na expressão facial do político. Em resposta à reação do representante da CDU, Manuel Pizarro disse que o PS não se assemelha ao “Partido Comunista” e, por isso, não são “obrigados a pensar todos o mesmo”. Depois da revolta por parte do político, a CDU fez referência à remuneração baixa dos trabalhadores na área da saúde que “não corresponde às necessidades básicas“.

Durante o debate, a Iniciativa Liberal (IL) ironizou sobre um episódio ocorrido com Mariana Mortágua em debate televisivo afirmando: “Vou contar uma história que não envolve a minha avó”, o que arrancou alguns risos da plateia. Mário Lopes da IL afirmou querer “trazer incentivos ao [Serviço Nacional de Saúde]“, que, atualmente, “depende do brio dos trabalhadores”. Já a Aliança Democrática (AD), representada pelo cabeça de lista pelo círculo eleitoral do Porto, Miguel Guimarães, enfatizou a importância de um modelo de gestão eficaz.

Isabel Pires do Bloco de Esquerda (BE) mostrou-se preocupada com a possibilidade de privatização do SNS, assim como Anabela Castro do PAN que defendeu que “a solução não é matar o SNS, mas sim investir [nele]”, relembrando que “quem geriu o covid da melhor forma foi o Hospital de São João, que é público”. A prevenção deve, segundo o partido Livre, ser mais valorizada, com um maior investimento nessa questão pois “atualmente apenas 2% do orçamento vão para a prevenção“.

Algumas pessoas foram abandonando a sala à medida que o tempo avançava, mas as discussões continuaram intensas até o final.

“As perguntas foram mais interessantes do que algumas respostas

Já o debate seguia atrasado quando foi aberta a possibilidade de perguntas por parte dos presentes. Algumas dessas perguntas foram direcionadas, mas, a grande maioria, aplicou-se a todos os partidos políticos. “A saúde é um negócio como qualquer outro?”, foi a pergunta à qual todos responderam que não, sublinhando a importância da área.

Os argumentos apresentados durante o debate em relação aos setores público e privado indignaram um estudante de medicina que considerou que “devemos olhar para o setor privado e levar para o público e não acabar com o privado.”

Teve ainda a palavra um estudante de enfermagem que lamentou que não se tenha falado dos enfermeiros no debate. Nas intervenções feitas, falou-se ainda do problema de ingresso no curso de Medicina no ensino superior – haver poucas vagas e poucos médicos -, o que foi desvalorizado pelos políticos presentes. Ainda houve espaço para uma sugestão de uma médica do Sistema Nacional de Saúde que afirma que devia “facilitar-se a mobilidade dos médicos”.

O representante da CDU afirmou que “as perguntas foram mais interessantes do que algumas respostas” anteriormente dadas pelos políticos, o que gerou risos na sala. Em resposta ao futuro enfermeiro, Cristiano Reis disse, com ironia, conhecer enfermeiros que estão a receber um salário “bastante bom no Luxemburgo”, acrescentando que o país “valoriza muito os enfermeiros licenciados em Portugal”.

Jorge Pinto do Livre enfatizou que “não são necessárias novas escolas médicas” e incentivou a ida para o SNS, porque “ir para o público é beneficiar todos”. Por sua vez, o Bloco de Esquerda concentrou a sua preocupação na falta de candidatos para algumas especialidades médicas, declarando que “um dos grandes problemas é a especialização e não o ingresso”. O Partido Socialista sublinhou o papel do SNS comoum instrumento para conseguir que as pessoas tenham o melhor cuidado de saúde“.

Já a Aliança Democrática (AD) argumentou a favor da redução de horas de trabalho para profissionais de saúde em determinadas idades, destacando as condições de trabalho desgastantes e os baixos salários. A Iniciativa Liberal (IL) defendeu a cooperação entre os setores público, privado e social na prestação de serviços de saúde. Em contrapartida, Mariana Nina do Chega criticou as abordagens de outros partidos, afirmando que “a cegueira ideológica do Bloco não pode ser tão grande”.

“Obrigar as pessoas a ficar no SNS, não o vai salvar”

Momentos antes do início do debate, o JPN falou com estudantes da FMUP sobre a relevância do evento, a ligação a questões políticas e as perspetivas de cada um em relação à saúde em Portugal. Os estudantes, que tiveram conhecimento do debate através das histórias de Instagram da Associação de Estudantes da FMUP, admitiram ter assistido ao debate dada a proximidade das legislativas. “Se [o debate] fosse durante o ano, não estaríamos tão abertos a vir”, referiu um dos estudantes.

Para duas alunas da FMUP, a solução para o setor da saúde não passa apenas por “abrir novas vagas para os médicos, que é o que se tem falado muito”. Na verdade, “devemos especializar os médicos que já temos”, aproveitando assim os jovens que ainda continuam a exercer a profissão em Portugal: “Este país é muito bom para ser aproveitado”, concluiu.

Margarida Dias, que assistiu ao debate, acredita que a iniciativa é importante para “aprofundar mais os conhecimentos acerca das propostas de cada partido para a área da saúde”. Em declarações ao JPN, sublinhou ainda o descontentamento dos estudantes de medicina em relação às poucas condições de trabalho na profissão e aos salários que “não são suficientes”.

A estudante disse ainda não concordar com a proposta do PS de submeter os médicos recém-formados pelo Estado a cumprirem um tempo mínimo no Serviço Nacional de Saúde: “obrigar as pessoas a ficar no SNS, não o vai salvar”. Para a futura médica, não restam dúvidas sobre a decisão a ser tomada no dia 10 de março.

Alexandra Mendes e Clara Teixeira, em entrevista ao JPN, disseram que o debate foi “uma boa iniciativa”, revelando um crescente interesse em questões políticas, “muito por causa de como o país trata os jovens”. As estudantes acrescentam ainda que o SNS “podia valorizar muito mais os seus profissionais”. No que toca ao processo de decisão para as legislativas, os estudantes da FMUP ouvidos pelo JPN admitiram ter priorizado a visualização dos debates televisivos.

O debate sobre a saúde, desenvolvido por iniciativa da Associação de Estudantes da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (AEFMUP), começou perto das 18 horas, após a apresentação da presidente da Associação de Estudantes, Emília Pinho, e terminou às 20h30, com uma hora de atraso.

Editado por Inês Pinto Pereira