O Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESUP) promoveu, na quarta-feira (22), na FLUP, o debate “Ensino Superior e Ciência. Escolhas no Presente que Constroem o Futuro”. A revisão do RJIES, o financiamento e a precariedade no ensino superior dominaram o debate.

José Moreira, presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESUP) abriu o debate. Foto: Lara Castro/JPN

Num auditório nobre bem composto, durante cerca de três horas, representantes dos oito partidos com assento parlamentar – PS, AD, Chega, CDU, BE, IL, Livre e PAN – tiveram a oportunidade de debater ideias sobre o ensino superior na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP). José Moreira, presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESUP), promotor do evento, lamentou que o tema “nunca” tenha sido “abordado” nos debates televisivos.

O presidente do SNESUP, que abriu o debate, acredita que os dois grandes problemas do ensino superior são “a diminuição do financiamento público do ensino superior e da ciência” e “a questão do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES)”, que não é revisto desde que foi criado, em 2007.

Os candidatos de cada partido que partilharam, ao longo de três rondas do debate, as principais medidas dos programas políticos, relativamente ao ensino superior. 

Rui Lage, representante do Partido Socialista (PS), deu especial enfoque à importância de Mariano Gago na criação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES), afirmando que se sente orgulhoso por ter sido o PS a introduzir a Ciência e Tecnologia no plano ministerial. Admitiu também que “não está satisfeito” com o estado atual do setor. No que toca à precariedade, um dos temas com mais destaque no debate, o representante do partido garante que o partido está apostado em “retomar e concluir a revisão do RJIES”.

Numa fase final do debate, em resposta às perguntas colocadas pelo público, e questionado pelo facto de tanto o PS como o PSD terem “votado contra qualquer teto às propinas”, Rui Lage respondeu que o programa do PS prevê revisitar o modelo de comparticipação nos custos por parte dos estudantes, também no mestrado e douturamento e que apesar de “não ser um compromisso concreto”, o partido “quer caminhar paulatinamente para a gratuitidade” da frequência. Muito criticado pelo ritmo lento do aumento de oferta de alojamento estudantil, o partido compromete-se com o aumento para as 30 mil camas até 2028.

Na temática da precariedade, Rui Lage referiu que o partido propõe uma revisão das carreiras docentes e uma dotação permanente para a contratação de mil investigadores de carreira. Sobre a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), o representante do PS diz ser “uma fundação cheia de areia na engrenagem”, criticando as taxas de aprovação por parte da FCT. Uma das medidas do partido é “revistar e reorganizar” a fundação. 

Germana Rocha, pela Aliança Democrática (AD), afirmou que “o país não está onde devia encontrar-se”, e ainda que é importante “combater a degradação das carreiras” nas instituições de ensino superior. A representante da coligação que junta PSD, CDS e PPM falou também da falta de alojamento, do abandono escolar e de saúde mental. Neste tópico,frisou que a AD se compromete a “comparticipar a ajuda para os estudantes que dela [saúde mental] necessitam”.

Ao longo do debate, a representante falou em “retenção de talento” à saída da universidade, considerando a imigração como “prejudicial para o país e o desenvolvimento” e do abandono escolar dos estudantes do ensino superior por falta de capacidade financeira. A AD apresenta como meta atingir até 2030 o valor de 65% de estudantes e recém-diplomados a beneficiar da exposição à aprendizagem em contexto laboral.

Germana Rocha afirma que “tem havido um aumento da precariedade” e por isso têm de se encontrar soluções de forma “coerente e sustentada”. Fez ainda referência à “urgência na revisão do modelo de avaliação do desempenho”, uma vez que cria ao longo das carreiras algumas “injustiças” e também que há necessidade de “rever o estatuto da carreira docente e de investigação científica”, afirmou.

Questionada pela audiência se a AD iria manter o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, no caso de formar governo, Germana Rocha respondeu que não sabe se se “chamará exatamente assim”, mas que “estas áreas serão fundamentais para a governação da AD”.

A representar o Chega, José de Carvalho afirmou que a formação e o ensino “são o essencial em Portugal” e que a universidade “é um espaço de liberdade”. Relativamente aos problemas que o ensino superior enfrenta, o representante afirmou que o Chega está disposto “a ser parte da solução” através da aposta na qualidade do ensino e da proposta de criação “de um contrato social do ensino” que afirma ser uma necessidade.

Ao longo do debate, fez referência ao combate ao “subfinanciamento crónico” no Ensino Superior e à necessidade de alteração das formas de financiamento da investigação nas universidades e politécnicos, falou em “entregar o valor diretamente aos estabelecimentos de ensino” ao invés do recurso a organismos como a FCT. 

O cuidado na degradação de património edificado, a criação de canais de denúncia para a comunidade educativa e as medidas de combate ao assédio moral e sexual em contexto escolar universitário foram também evocados como prioridades do partido. O representante disse ainda que o ensino superior privado não pode “continuar a ser visto como o parente pobre do ensino”.

(Da esquerda para a direita) Matilde Rocha, José de Carvaho, Germana Rocha, Rui Lages, Ana Isabel Silva, Rui Pereira, Diamantino Raposinho, Miguel Queirós. Foto: Lara Castro/JPN Lara Castro

As propostas da Iniciativa Liberal para o ensino superior foram apresentadas por Matilde Rocha que afirma que “toda a educação está a atravessar um período de decadência”. 

A representante apresentou quatro medidas que considerou fundamentais para o ensino, sendo elas a “recuperação urgente do atraso das aprendizagens”, dar mais “autonomia às escolas e agrupamentos escolares”, e reforçar a ligação dos níveis de ensino não superiores com o ensino superior e o “aumento das oportunidades de formação”

A IL pretende ainda “dar autonomia às universidades e politécnicos na seleção dos seus alunos” propondo que as instituições de ensino superior tenham liberdade e responsabilidade para escolherem os métodos de admissão dos seus alunos e propôs também maior liberdade administrativa às universidades e politécnicos. 

Ao longo do debate, Matilde Rocha falou também no estímulo ao alojamento a preços acessíveis, na criação de acordos público-privados para alargar a oferta de alojamento, no desbloqueio da oferta educativa e na alteração das regras de acesso e candidatura à bolsa através da lógica de voucher para o estudante “utilizar onde quiser”

A representante afirmou ainda que a inovação e a ciência estão “muito dependentes do financiamento do estado” e por isso propõem a simplificação das burocracias. Relativamente ao RJIES, também acha necessária uma “revisão e reestruturação profunda”.

A representante do Bloco de Esquerda, Ana Isabel Silva começou a sua intervenção lamentando que a única vez que se falou de ciência e ensino superior nos debates televisivos tenha sido “para criticar os investigadores que vivem nos seus laboratórios alheios à realidade”, afirmando que isso “não tem qualquer sentido”. Acredita que é importante uma universidade e um ensino “autónomo”, algo que só pode ser alcançado através do financiamento público, estabilidade na carreira e gestão democrática

Relativamente ao financiamento, afirma que tem havido cortes constantes na ciência e acredita que tem de ser essencialmente público e “plurianual” para as instituições e projetos, mas que acima de tudo é preciso estabilidade ao nível das dotações. 

Ana Isabel Silva diz ainda que a ciência e o ensino superior são áreas em que os profissionais “mais perderam poder de compra”, propondo o combate à precariedade. Nesse sentido, acredita que é necessário terminar com a ideia da rotação elevada ao nível dos bolseiros de investigação, defendendo a criação de um novo Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários na Administração Pública (PREVPAP) no ensino superior. Admite ainda ser necessário “alterar o modelo de funcionamento da FCT”, “garantir um modelo de governança que garanta mais autonomia na decisão” e “melhor ligação com o sistema científico”. 

Ao longo do debate, assegurou ser preciso “revogar o estatuto de bolseiro de investigação científica” e rever os estatutos da carreira docente e de investigação científica. De modo a valorizar o ensino superior propôs “o fim das propinas”, o aumento da oferta de alojamento e a gratuitidade do Ensino Superior.

Rui Pereira, representante da CDU, diz haver “muito trabalho a ser feito” no ensino superior. Afirma que a CDU tem algumas propostas “que tem visto serem rejeitadas” por votações em bloco na Assembleia da República, sejam elas para combater o “subfinanciamento do ensino superior”, a eliminação de propinas, taxas e emolumentos em todos os graus académicos, o reforço a ação social escolar, ou “o aumento do valor das bolsas de estudo, e do número de estudantes elegíveis”, referiu.

Acerca do RJIES, o representante da CDU afirma que a revisão não só do regime jurídico, mas também do regime fundacional, é “imperativa”. Também sobre a precariedade, Rui Pereira diz ser necessário “combater todas as formas de precariedade e outros abusos”, valorizar carreiras do ensino superior, defender os direitos dos trabalhadores e substituir os contratos de bolsas de investigação. 

Diamantino Raposinho, a representar o Livre acredita que “Portugal precisa de um ensino superior forte”, propondo mais financiamento de modo a acabar com o subfinanciamento crónico através de uma proposta de um modelo de financiamento. Diz ser necessário “falar em menos precariedade e mais estabilidade” para quem faz Ciência e para as instituições onde se faz ciência e apostam na igualdade de direitos no ensino superior público. 

Ao longo da sua intervenção no debate, afirmou ser preciso mais democracia nas instituições de ensino superior, algo que diz que “tem faltado bastante” e que “implica uma revisão do RJIES”. O representante do Livre defende a criação de “um fundo de apoio ao estudante do ensino superior”, um “novo modelo de governação para a FCT” e a revisão do estatuto de bolseiro afirmando que é essencial que quem faz Ciência tenha um contrato de trabalho”. O Livre propõe também fomentar as parcerias entre universidades e outras entidades do setor público, “nomeadamente ao nível da administração pública”. 

Miguel Queirós, representante do PAN, disse que o ensino superior é um pilar essencial da democracia,  e que para que haja um ensino superior inclusivo “o estado tem que levar isto a sério”. Apresentou três aspetos fundamentais para “uma universidade inclusiva”, sendo eles a aposta na formação de todos os membros da comunidade escolar para receber estudantes migrantes e refugiados, apostar na pedagogia e num processo “colaborativo e mais democrático” entre todos os membros da comunidade escolar.

Ao longo do debate Miguel Queirós falou de outras propostas como a promoção da língua gestual portuguesa em contexto universitário e a criação de bolsas de apoio financeiro, “que ajudem à integração social e económica de estudantes mais vulneráveis ou com elevado potencial artístico”. 

No final do debate, Teresa Summavielle, a vice-presidente do SNESUP afirmou que “não há um verdadeiro investimento na ciência” e voltou a relembrar que faz falta a revisão do RJIES – processo que o último governo PS tinha em curso – e deixou críticas ao regime fundacional, que vigora em instituições como a Universidade do Porto. Para rematar, alertou que a FCT “carece de estabilidade” e apelou a um “compromisso continuado com reforço no setor e democracia no ensino superior”. 

Editado por Filipa Silva