Os políticos que marcaram presença na Cimeira do Ensino admitiram não existir uma só solução para resolver a crise habitacional, que está a afetar, sobretudo, os mais jovens e os estudantes deslocados. Os intervenientes debateram ainda sobre propinas e a importância do investimento no ensino pré-escolar.

O evento decorreu no salão nobre da Faculdade de Economia do Porto Foto: Nádia Neto/JPN

Vários políticos, docentes e estudantes reuniram-se, esta quinta-feira (15), na segunda Cimeira do Ensino, organizada pela Associação de Estudantes da Faculdade de Economia do Porto (FEP), para debater sobre os principais desafios do ensino. A habitação esteve no centro do debate, numa altura em que o país enfrenta uma crise da habitação que está a afetar, sobretudo, os mais jovens e os estudantes deslocados.

O tema foi lançado logo no discurso de abertura da segunda Cimeira do Ensino, quando Pedro Teles, presidente da Associação de Estudantes da FEP, pediu aos participantes que se “abordasse o elefante na sala“. Os políticos presentes no evento admitiram, no entanto, não existir uma só solução para resolver esta crise.

Para João Ferreira, antigo eurodeputado do PCP, uma das causas da crise habitacional é o “ínfimo” parque habitacional público. Para explicar o seu ponto, falou sobre a realidade de Lisboa – que é a que melhor conhece: “De acordo com a Carta Municipal de Habitação, em Lisboa, há 321 mil casas, mais do que uma casa para duas pessoas, uma casa para cada 1,7 pessoas”. Neste sentido, o eurodeputado considera importante que cada família repense o seu agregado, no que toca ao número de elementos que vivem numa habitação.

Carlos Guimarães Pinto, deputado da Iniciativa Liberal, foi mais longe e apontou a limitação de aquisição em zonas declaradas de carência habitacional, o incentivo à construção (build-to-rent) e aumento do número de terrenos disponíveis para habitações como possíveis soluções. O deputado diz ainda que é preciso ter uma “conversa” com os portugueses, uma vez que considera que há uma “apreensão à construção em altura”. “As casas não precisam de ser todas rés-do-chão”, alertou o deputado. 

Durante o debate que pretendia responder à pergunta: “Problemas na oferta ou na procura?”, Carlos Guimarães Pinto disse que é necessário que os partidos cheguem a um acordo. “A certa altura, vamos todos ter de fazer cedências para que os senhorios, inquilinos e investidores tenham alguma estabilidade para investir”, explicou.

Programa Mais Habitação é “para deitar abaixo”

O secretário-geral da Juventude Socialista deixou claro que o partido quer continuar a aumentar a percentagem de proprietários, através dos apoios já em vigor no programa Mais Habitação, implementado em fevereiro de 2023. Miguel Costa Matos relembrou que “70% da população portuguesa é proprietária da própria habitação e 30% é arrendatária”.

Além disso, fez questão de referir que, com a limitação dos “vistos gold, medida que faz parte do programa Mais Habitação, houve uma diminuição de “10 a 15% da procura nas grandes cidades” e “um arrefecimento do ponto de vista do arrendamento”. Miguel Costa Matos deixou um aviso: “Quem quer eliminar o fim dos “vistos gold” faz muito mal, porque funcionou”, disse em alusão a uma das propostas eleitorais do Chega.

No entanto, os restantes participantes do debate não pouparam nas críticas ao programa Mais Habitação. Rita Alarcão Júdice, especialista em Direito do Imobiliário e Turismo e candidata pela Aliança Democrática (AD) pelo círculo eleitoral de Coimbra, refere que o programa é “para deitar abaixo”, caso o partido vença as eleições legislativas de 10 de março.

O mero anúncio das medidas do Mais Habitação causaram o caos e o pânico“, em especial, aos senhorios que se apressaram nos “términos de contratos e negociações forçadas“, sublinhou, dizendo que o programa produziu um “efeito contrário ao que se pretendia”. Reconhecendo que a crise da habitação não se resolve de “um dia para o outro”, a social-democrata disse que a AD propõe acelerar os processos de licenciamento de imóveis devolutos e criar um subsídio de arrendamento para resolver o problema.

(Da esquerda para a direita) Carlos Guimarães Pinto, João Ferreira, Rita Alarcão Júdice e Miguel Costa Matos debateram a habitação na Cimeira do Ensino. Foto: Nádia Neto/JPN

“Antes da propina zero, vem o alojamento”

Durante a cimeira, foi ainda possível falar sobre a questão das propinas no debate “Propinas, Bolsas e Empréstimos: qual o mix desejável?”. Para o presidente da Federação Académica do Porto, o principal entrave ao acesso ao Ensino Superior é o valor médio cobrado por um quarto, no Porto, que já ultrapassa os 400 euros por mês. Neste sentido, Francisco Porto Fernandes deixou claro que não defende a “propina zero” como prioridade, assumindo que “antes da propina zero, vem o alojamento”.

No entanto, deixou claro que “a propina está bem como está, não deve subir”, referindo que “com dois anos de propinas, [é possível] fazer o total de investimentos públicos em residências que foi anunciado desde 2019”, garantiu o estudante. Francisco Porto Fernandes falou ainda sobre a falta de atenção dos partidos em relação a estes temas, dizendo que “pouco mais de meia dúzia de páginas abordam o ensino superior”.

Questionado sobre o financiamento da propina zero, Jorge Pinto, cabeça de lista do Livre pelo círculo eleitoral do Porto, aponta a contribuição das empresas e pede a quem beneficiou do ensino superior público que dê uma contribuição voluntária para financiar a medida. Maria Castello Branco, da IL, alertou que a medida da propina zero só beneficiaria os alunos com contextos socioeconómicos mais elevados, já que o “elevador social está estragado”.

Investir no pré-escolar

De uma forma mais geral, foi também abordado o ensino pré-escolar, que, para a maioria dos intervenientes, deve ser gratuito e universal. Susana Peralta, professora e especialista em Economia Pública e Política, apontou que o investimento no ensino deve ser promovido “desde que [as crianças] nascem”.

“Em Portugal, os alunos mais pobres quando chegam aos 15 anos já tem dois anos de atraso de aprendizagem, face aos alunos dos contextos económicos mais elevados”, afirma Cecília Meireles, Diretora Não-Executiva do Instituto + Liberdade. “Só 10% do contexto socioeconómico baixo conseguem chegar ao ensino superior”, concluiu.

Desta forma, o investimento no pré-escolar é apontado como solução para combater desigualdades no acesso ao ensino, mesmo sabendo que só vamos ver os efeitos quando a criança chegar à vida adulta, 20 anos depois”, assegura Cecília Meireles. 

Por outro lado, Pedro Freitas, especialista e autor de várias publicações nas áreas de Economia Pública, da Educação e do Trabalho, alerta que “só temos lugar para 50% das crianças” pela falta de mão de obra. No curto prazo, considera que vai ser um problema sério: “mesmo que queiramos formar mais pessoas hoje, só chegam à escola pública daqui a quatro anos”. 

Luís Aguiar-Conraria, presidente da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho, considera que há um problema e “falha na democracia” no acesso ao ensino superior: a limitação das “oportunidades a quem está no ensino público”. Apesar de o modelo de seleção não ter sido discutido, garante que “cada euro do dinheiro público, tirado do ensino superior e investido no pré-escolar, vai ter muito mais impacto”.

O evento contou ainda com a participação do ex-presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Rio, o presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz, Pedro Santana Lopes, a eurodeputada e cabeça de lista do Bloco de Esquerda, Marisa Matias e o ex-ministro Pedro Siza Vieira.

Editado por Inês Pinto Pereira