Os jovens até aos 35 anos residentes em Portugal e que declarem rendimentos no país são elegíveis para receber um prémio que pode variar entre os 697 e os 1.500 euros por cada ano de trabalho. Decreto-lei que rege a medida deixa ainda dúvidas. O "prémio" tem que ser requerido pelo jovem através de um formulário que ainda não está disponível. Presidente da FAP considera que a medida "vai reter zero jovens em Portugal".

Em 2022, cerca de 80 mil estudantes concluíram uma licenciatura, mestrado ou mestrado integrado em Portugal. Ainda não há dados relativos a 2023, mas o número deverá ser similar. Foto: Margarida Rodrigues/JPN

Os jovens até aos 35 anos que concluam uma licenciatura ou um mestrado e fiquem a trabalhar em território nacional vão receber um prémio salarial que pode oscilar entre os 697 euros (licenciatura) e os 1.500 euros (mestrado) por cada ano de trabalho declarado.

Os jovens que terminaram o ciclo de estudos antes de 2023 poderão também beneficiar desta medida prevista no Orçamento de Estado para 2024, desde que não tenham passado mais anos do que aqueles que corresponderam à duração da licenciatura ou do mestrado que concluíram.

A devolução das propinas pagas pelo estudante por cada ano de trabalho em território nacional já tinha sido anunciada em setembro pelo primeiro-ministro, António Costa, no âmbito da Academia Socialista, iniciativa que marcou a rentrée do partido.

A medida entrou em vigor a 29 de dezembro, no dia seguinte à publicação do Decreto-Lei 134/2023, com o objetivo de “recompensar o prosseguimento de estudos superiores” e “contribuir para a valorização dos rendimentos dos jovens qualificados que trabalham no País”.

Quem pode beneficiar do prémio salarial?

Segundo o decreto-lei, estão abrangidos por esta medida todos os jovens trabalhadores que residam em Portugal e que tenham obtido o grau de licenciado e/ou mestre nas instituições de ensino superior do país ou graus académicos estrangeiros reconhecidos “com data de atribuição no ano de 2023 ou seguintes, inclusive”.

Nos casos em que a obtenção do grau académico se verificou antes de 2023 – e essa é uma novidade trazida pelo decreto-lei – os jovens podem “beneficiar do prémio salarial desde que o número de anos subsequente à atribuição daquele grau académico seja inferior ao número de anos equivalentes ao ciclo de estudos respetivo“.

Depreende-se daqui, portanto, que qualquer jovem que tenha terminado uma licenciatura há menos de três anos, um mestrado há menos de dois ou um mestrado integrado há menos de cinco, partindo do ano de referência do diploma – 2023 -, terá direito ao prémio salarial. Menos claro resulta quantos anos de prémio salarial serão devidos a quem terminou estes ciclos antes de 2023. 

O decreto-lei refere que “nestes casos, os beneficiários têm direito a receber o valor do prémio pelo número de anos remanescente.” O JPN tentou perceber junto do Governo o que quer o texto dizer, em concreto. Quantos anos de prémio salarial terá direito um jovem que tenha terminado a licenciatura em 2021, por exemplo? O Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior remeteu esclarecimentos para o Ministério das Finanças, que, por sua vez, não deu resposta até ao momento de publicação do artigo.

Para ser elegível o recebimento do prémio, é ainda necessário ter até 35 anos de idade, inclusive, ter auferido rendimentos de categoria A (trabalhador dependente) ou B (trabalhadores independentes) do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (IRS) e apresentar uma situação tributária e contributiva regularizada.

Os jovens vão poder requisitar este apoio através de um formulário online, que ainda não foi publicado, após a conclusão dos ciclos de estudos e a obtenção do grau académico. Também a portaria onde serão detalhados os procedimentos e os critérios a cumprir para se ser elegível para este tipo de apoio, ainda não foi publicada. O pagamento, que será feito por transferência bancária em “abate à receita do IRS”, ficará ao encargo da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

O decreto explica ainda que o valor atribuído é livre de impostos, já que não surgem como rendimentos tributáveis em sede de IRS, “nem os mesmos constituem base de incidência de contribuições para a segurança social”.

O prémio no valor de 697 euros no caso da licenciatura e 1.500 euros no caso do mestrado será pago anualmente durante o número de anos correspondente ao período normal necessário para a conclusão do ciclo de estudos. Isto é, se alguém tiver levado quatro anos para concluir uma licenciatura de três, receberá o prémio durante três anos.

No caso dos jovens que tenham concluído em 2023 ou venham a concluir um mestrado integrado, vão receber 697 euros por cada ano de trabalho durante o período correspondente à licenciatura (três anos), a que se seguirá o pagamento de 1.500 euros durante mais dois anos, correspondente ao período de mestrado.

No decreto, pode ler-se que o prémio pode ser concedido “de forma consecutiva ou interpolada, desde que a idade máxima do beneficiário não ultrapasse os 35 anos, inclusive, e se verifiquem os restantes requisitos para a sua atribuição”.

Prémio salarial é um “presentinho”

O presidente da Federação Académica do Porto (FAP) considera que, embora seja “uma medida bem intencionada”, é um “exemplo de péssima política pública, porque vai reter zero jovens em Portugal”. Em declarações ao JPN, Francisco Porto Fernandes considera que o valor que será gasto na medida – o Governo aponta para 215 milhões este ano, um valor que deverá ser mais alto do que o de anos seguintes para contemplar diplomados anteriores a 2023 – deveria ser aplicado em ação social que proporcione mais resultados para os estudantes portugueses.

“Os 697 euros da propina não dão para pagar um mês de T1 no Porto. A diferença salarial real entre Portugal e, por exemplo, a Alemanha é superior a esse valor por mês”, comenta o estudante da Faculdade de Economia do Porto.

Para Francisco Porto Fernandes, a devolução de propinas é um “presentinho”. “Nós, jovens, temos de ser educados, agradecer, mas responder que não é isto que nos vai fazer ficar em Portugal”, afirmou. O recém-eleito presidente da FAP defende “uma política holística e transversal de juventude” que se foque nos jovens e na melhoria das suas condições de vida.

Quanto às dúvidas que ficam por responder no decreto, o presidente da FAP pede ainda uma “clarificação da lei que se espera que seja feita pela portaria”, já que “até agora, o decreto-lei pouco diz”.

“Foi anunciado em setembro, porque é o início do ano letivo e havia muito polémica em relação à emigração jovem, depois do Governo cair veio o decreto-lei. Imagino que antes das eleições venha a portaria para nos esclarecer a todos”, continuou, alertando para a necessidade de compreender se as posições dos atuais líderes dos principais partidos se mantêm em relação a esta proposta, prevista no Orçamento de Estado de 2024.

Editado por Filipa Silva