As bolsas de mérito do Ensino Superior estão a ser entregues com três anos de atraso. Em 2023, foram distribuídas 802 bolsas referentes ao ano letivo 2020/2021. O JPN falou com três alunos bolseiros para tentar compreender o processo de atribuição das bolsas.

Bolsas estão a ser entregues com três anos de atraso. Foto: Ângela Rodrigues Pereira

Os atrasos no pagamento das bolsas de mérito no Ensino Superior têm vindo a aumentar, sendo que, neste momento, são preciso três anos para que o dinheiro chegue efetivamente até aos alunos. O JPN falou com três estudantes bolseiros da Universidade do Porto para compreender o processo de atribuição das bolsas de mérito e os problemas associados.

“Recebi um e-mail da Direção Geral de Ensino Superior [a 10 de janeiro] a informar-me que iria receber uma bolsa de mérito relativa ao ano de 2021 e 2022, que lá está foi há três anos. […] Nem sequer achei que era verdade”, afirmou Mariana Coimbra, aluna da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. A estudante do 3.º ano de Línguas e Relações Internacionais diz ter enviado os documentos pedidos pela DGES para que pudesse ser feito o pagamento. “Já vêm com três anos de atraso. Mesmo depois de mandar os documentos, ainda nada”, conta.

Apesar do atual atraso no pagamento das bolsas de mérito, não é a primeira vez que existem problemas. Durante o mandato de Nuno Crato, antigo ministro da Educação, as bolsas de mérito deixaram de ser pagas na totalidade. Após este mandato, as bolsas chegaram mesmo a ter uma diferença de mais de quatro anos de atraso, como foi o caso dos alunos premiados no ano letivo 2014/2015 que apenas receberam o pagamento em 2019.

Pedro Correia, aluno da Faculdade de Engenharia do Porto, conta a sua experiência, enquanto bolseiro, durante os três primeiros anos da faculdade: “No primeiro ano, demorei 14 meses; no segundo ano, demorei 15 meses; no terceiro ano, já tinha perdido completamente a esperança que fosse receber alguma coisa, porque nem recebemos uma mensagem a dizer se recebemos ou não. Não notifica”, explica.

Para além dos atrasos, os estudantes queixam-se da falta de informação relativamente às bolsas de mérito, que visam estabelecer uma gratificação para estudantes com boas classificações.

“É quase um labirinto chegar à informação”

Mariana Coimbra aponta, como um dos principais problemas, o atraso na divulgação dos nomes dos alunos bolseiros. “Uma das coisas que está muito atrasada é a publicação das tabelas e listas, porque, normalmente, a Universidade do Porto, publica as listas das pessoas que receberam a bolsa de mérito, mesmo no site para todas as faculdades […] mas acho que a última que está lá, é de 2019/2020”, explica.

Referindo também o atraso que existe nas publicações da DGES, Duarte Nóbrega, da Faculdade de Ciências do Porto, refere que “é quase um labirinto chegar à informação e às listas” e admite já ter entrado em contacto com os serviços académicos acerca da listagem.

Quando questionado sobre se este incentivo monetário traz alguma motivação para continuar as boas classificações, o aluno da Faculdade de Ciências confessou: “Sinto que o modelo que está a ser utilizado vai um pouco contra isso. Se tive um bom desempenho no meu terceiro ano e recebo uma bolsa de mérito, mas só a recebo quando estou a trabalhar…”.  O estudante disse ainda que “muitos alunos acabam por não ser afetados pela situação de atrasos, porque nem sabem que vão receber as bolsas“.

“Tinha um vago conhecimento de que existiam bolsas de mérito, mas nem sabia muito bem como funcionava e nem sabia se me tinha de candidatar ou não. As coisas não estavam muito explícitas”, refere Pedro Correia, aluno do 2.º ano de mestrado em Engenharia Informática.

No entanto, mesmo para quem tinha conhecimento, como é o caso de Duarte Nóbrega, existiam dúvidas sobre se ainda havia ou não a atribuição destas bolsas. “Nunca ouvia ninguém a falar sobre isso, nunca via informação escrita em algum lado, nunca via assim grande divulgação por parte da Universidade do Porto. Portanto, não sabia muito bem se continuavam a existir ou não”, conta.

As bolsas de mérito do Ensino Superior são geradas pela própria instituição e, portanto, não existe qualquer processo de candidatura por parte dos alunos. Cada estabelecimento de ensino deve fazer a seleção dos alunos, tendo em conta uma média de base, que é de 16.0 valores, o número de alunos, respetivas médias e financiamento disponível.

Em 2023, foram atribuídas 61 bolsas a alunos da Universidade do Porto, valor que não tem assistido a grandes alterações ao longo dos anos, segundo fonte oficial da Reitoria. No que toca ao processo de despacho da lista de alunos concorrentes às bolsas, foi “espoletado” pela DGES a 5 de dezembro de 2023 com um prazo de entrega até 22 de dezembro.

“Há alunos com 20 valores que não recebem bolsa de mérito”

Quando dentro da mesma faculdade existem várias médias superiores à média de base (16.0 valores), a atribuição das bolsas é feita tendo por base as médias organizadas por ordem decrescente. Ainda assim, esta distribuição, pode, por vezes, resultar em casos insólitos, como relata Duarte Nóbrega, aluno de mestrado em Ciência de Computadores.

“Um colega meu que, no último ano de mestrado, tinha concluído com média de 20.0 valores, seria expectável que recebesse uma bolsa de mérito […] mas com mais alunos com 20.0 valores no último ano de mestrado do que o número de bolsas, acontece que há alunos com a média máxima que não recebem bolsa de mérito”, explica.

Para além destes casos, há também quem receba o pagamento das bolsas, quando já está inserido no mercado de trabalho. Nestas situações, existem algumas preocupações e questões que se colocam. “Não sei até que ponto poderia correr mal para os estudantes que estão a receber a bolsa e já estão a trabalhar – já não estão na faculdade – e não sei sinceramente. Para o ano, vai ser o meu caso”, reitera Pedro Correia, aluno da FEUP.

As bolsas de mérito distribuídas pelos estudantes do Ensino Superior correspondem a cinco vezes o valor do salário mínimo do ano letivo a que dizem respeito. As 802 bolsas distribuídas em 2023 são relativas ao ano letivo 2020/2021 e equivalem a 3.325 euros.

Editado por Inês Pinto Pereira