Entramos na casa de Maria Fernanda Magalhães, um senhora de sorriso fácil que nos abre a porta e nos deixa entrar na sua salinha inundada de retratos. Perguntamos a idade. “Não se pergunta a idade a uma senhora”, responde ela, mas acaba por nos confidenciar que tem 83 feitos de fresco.

Maria Fernanda vive com a Alexandra, uma aluna de Canto Teatral no Conservatório de Música de Gaia. Com 33 anos e natural de Mondim de Basto, Alexandra está no segundo ano da licenciatura e, pelas palavras de D. Maria Fernanda, parece ser “boa rapariguinha”.

As duas conheceram-se através do programa Aconchego que junta idosos e jovens universitários na mesma casa. Se por um lado ajuda a combater a solidão dos mais velhos, por outro os jovens estudantes que acabam de chegar ao Porto ganham uma residência na cidade sem qualquer custo. Têm apenas de contribuir até 25 euros por mês em géneros para ajuda das despesas.

Programa Aconchego

O Programa Aconchego surgiu no ano lectivo 2003/2004 e resulta de uma parceria entre a Câmara Municipal do Porto e a Federação Académica do Porto. Durante 10 anos de existência, o projeto contou já com 264 adesões e foi distinguido com o prémio “This is European Social Innovation”.

Quando se conheceram, Alexandra admite que tremia que nem varas verdes: “É claro que fiquei nervosa, porque aí é que é importante, é a empatia que uma pessoa cria logo de início com alguém. Mas a tia começou logo a mostrar-me a casa por aí a cima”. Sim tia, isso mesmo. Parece estranho, mas a explicação que Maria Fernanda nos dá, entre gargalhadas contagiantes, parece suficiente para justificar a alcunha: “Ela perguntou-me como é que me chamava. E eu disse-lhe chamo-me Maria Fernanda. Fernanda só não gosto. Maria também não. Gosto de Maria Fernanda. Mas é muito grande. Por isso é melhor chamares-me tia”. Tia, como vemos, ficou até hoje.

Não fazem muita coisa juntas, porque como diz a dona da casa, a Alexandra “está sempre agarrada às claves de sol”, mas mesmo assim já foram as duas ao cinema e a D. Maria Fernanda até já foi ver a Alexandra cantar. Diz ela, com ar experiente na coisa, que a “Xaninha” é soprano.

Quando a Alexandra sai sozinha, a Tia só pede uma coisa: “O que eu quero é que ela me diga mais ou menos a hora que vem ou que me diga que vem mais tarde um bocadinho, para eu estar descansada. Porque eu não estou descansada. Não estava com as minhas filhas, não estou com ela. É igual”. Mas isso não incomoda a estudante universitária, que até hoje não tem razões de queixa: “É ótimo, é como viver com alguém da família. Eu sinto-me em casa, desde o princípio. Sempre respeitou a minha privacidade, sempre respeitou que tenho que estudar, preocupa-se quando estou doente, portanto é mesmo como uma relação de família, nós temos uma relação de família”, diz.

Maria Fernanda, que só preferia uma menina para ter o à vontade de andar de pijama pela casa, também parece contente: “É bom, é bom. Ela estuda e quando eu quero que ela fale vou para o pé dela e não a deixo estudar. Falo, falo, falo”. E acrescenta, em tom de brincadeira: “Dou-lhe umas sapatadas quando ela se porta mal, mas dou-me bem com ela”.

A solidão não é só para velhos

Deixamos a casa de Maria Fernanda Magalhães e a sua sempre sobrinha Alexandra e entramos de seguida na sala de Maria José Ferreira da Silva, a próxima anfitriã.

Com 90 anos, Maria José já albergou em sua casa cinco jovens. Cátia Ferreira é a atual. Depois de sete anos de exército e de ter servido no Kosovo, Cátia decidiu entrar em Psicologia na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação na Universidade do Porto. O programa Aconchego foi uma opção por causa da solidão e não por causa da facilidade de alojamento: “A solidão é muito complicada e eu morava sozinha. Ouvi falar do Programa Aconchego e decidi experimentar”.

Maria José afirma que não tem medo de estar sozinha, acha apenas desagradável: “O facto de saber que estou só… Isso é que me mexe cá. Então começo a pensar em coisas que não devo, nas saudades que tenho. Porque tive um belíssimo marido e uns belíssimos pais. Começo a pensar nisso e entristece-me”. Por isso decidiu seguir o conselho de uma amiga e entrar no programa: “Porque ter uma presença humana cá em casa já me dá muito aconchego”.

Natural de Lamego, Cátia diz que a adaptação à casa de Maria José foi fácil, porque saiu muito nova da casa dos pais para ir para o exército e, nessa altura, a mudança foi mais radical. Tanto Cátia como a Maria José admitem que não fazem muitas coisas juntas: “Temos a nossa liberdade. Ela tem tempo para estudar e eu cá me vou entretendo. Tenho o dom de me saber entreter”, conta a idosa.

Com 61 anos a separá-las, tanto Cátia como Maria José parecem precisar da companhia uma da outra por pouca que seja. Simpatizaram desde o início e são hoje uma das 28 adesões que existem neste momento no Programa Aconchego.