É a primeira obra que reúne e ilustra personagens do nosso imaginário popular. O livro “Bestiário Tradicional Português” tem apresentação marcada na Biblioteca do Fundo Antigo da Reitoria, na próxima quarta-feira, às 18 horas. Conta com a apresentação de Armando Dourado, do Núcleo de Etnografia e Folclore da Universidade do Porto e a presença do autor, Nuno Matos Valente.
Partindo da temática do livro e em contexto de Carnaval, a Reitoria promove também um conjunto de oficinas destinadas a crianças dos seis aos dez anos, onde lendas e contos portugueses são destaque na expressão plástica, na ciência e nos jogos tradicionais. As atividades são sujeitas a inscrição e começam esta segunda-feira, dia 27, e estendem-se até ao dia da apresentação, 1 de março.
As criaturas tradicionais portuguesas não têm o seu espaço ganho no imaginário de muitas crianças e adultos. Com o objetivo de preencher esta lacuna, Nuno Matos Valente partiu para uma viagem até à literatura portuguesa do século XIX e afirma ter encontrado 120 referências a estas criaturas. Para além da bibliografia utilizada, da qual o autor destaca alguns nomes como José Leite Vasconcelos, Alexandre Herculano ou Teófilo Braga, também foi feita pesquisa no terreno, com contacto direto com pessoas que conhecem lendas, das quais surgiram algumas criaturas.
Enquanto figuras como vampiros ou zombies parecem ser consensuais e conhecidos junto dos mais novos, ficam para trás figuras que fazem parte da tradição oral portuguesa: “É um receio de que parte da nossa cultura fosse desaparecer com toda esta nova camada que estamos a receber”, confessa Nuno Valente ao JPN.
Os mais novos podem já não conhecer o “bicho papão” ou o “homem do saco”, mas contam agora com a ajuda do Bestiário para “cristalizar estas criaturas”, como pretende o autor. Muitas figuras foram novidade para o próprio Nuno Valente, que diz ser de uma “geração que não cresceu com isto”, que não foi educado para achar estas criaturas assustadoras.
“Ninguém se assustava com o homem do saco nem com o bicho papão. Mas conhecíamos, já ouvimos falar”, refere. A falta de contacto com estas personagens incentivou o escritor a não deixar que se percam estas memórias.
Um “livro familiar”
Das 120 referências encontradas, Nuno Valente conseguiu reduzir para 40 e entre elas estão figuras como o Homem do Chapéu de Ferro, Bisarma ou Maruxinho. Mas o escritor tem uma favorita – Maria Gancha – uma mulher que vive no fundo dos poços, tem ganchos em vez de dedos e é uma “criatura muito completa”, com personalidade “assustadora, que ataca as crianças que atiram pedras para o fundo do poço”.
Mas todas estas criaturas “não pertencem a ninguém, são de todos nós”, ficando o desafio a quem queira dar continuidade ao trabalho e interpretá-lo de uma outra perspetiva.
O objetivo é expor toda a pesquisa realizada, sem os moralismos que o escritor considera habituais nos textos para crianças, numa leitura dirigida aos mais pequenos, maiores de oito anos, mas acompanhada por adultos.
O escritor diz ter intenção de dar continuidade à obra, apesar de não saber ainda em que moldes. Fica a expectativa de vermos regressar um bestiário bem português, quem sabe em maior número de criaturas ou em novas formas.
Artigo editado por Rita Neves Costa