Hyeonseo Lee – nome que adotou – desertou da Coreia do Norte aos 17 anos e esteve esta quarta-feira na National Geographic Summit, no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, para contar como “viver na Coreia do Norte não é como viver noutro país, é como viver noutro planeta”.
Assistiu à primeira execução pública com apenas sete anos. “Crianças pequenas são obrigadas a ver execuções públicas. As famílias dos executados têm de estar na primeira fila a assistir”, recordou. Hyeonseo Lee relatou na conferência que as pessoas eram “inundadas com propaganda anti-América desde o jardim de infância”. “Aprendíamos que as crianças britânicas eram educadas, mas que as americanas eram filhas da mãe“, contou.
A “rapariga dos sete nomes” começou a questionar o regime de Pyongyang durante a adolescência. Deixou Amrok Yalu River, perto da fronteira com a China, e durante 14 anos esteve separada da família. Hyeonseo Lee foi obrigada a “viver nas sombras” enquanto esteve na China – “porque os oficiais chineses enviam pessoas de volta para a Coreia do Norte” –, até o pedido de asilo para a Coreia do Sul ter sido aceite, em 2008.
“É ilegal ver qualquer conteúdo noticioso estrangeiro. Quem for apanhado é severamente castigado”
Depois de fugir do regime que transmitia “a confiança de que a Coreia do Norte era o país mais poderoso do mundo”, a refugiada foi capturada pelas autoridades chinesas, mas conseguiu escapar porque sabia falar mandarim. “Disseram que era falso alarme, que eu não era da Coreia [do Norte]”, explicou.
Hyeonseo Lee aprendeu mandarim através da televisão chinesa que apanhava no quarto, já que vivia perto da fronteira, mas contou ao público presente no Coliseu dos Recreios que via televisão tapada com cobertores “e com as janelas fechadas”. “É ilegal ver qualquer conteúdo noticioso estrangeiro. Quem for apanhado, é severamente castigado”, revelou.
Em 2010 e já na Coreia do Sul, a refugiada planeou levar a família para perto de si e confessou que o processo não foi fácil porque a família “tinha de deixar tudo”. “Liberdade ou família. Sempre pensei porque não podia ter ambos”, lamentou.
” (…) tive medo pela minha família, eles podiam ir para a prisão. Mas decidi escrever, e salvaguardar a identidade da minha família”
A reunião com a família teve um custo. Hyeonseo Lee e os familiares foram capturados pelas autoridades chinesas em Laos, depois de andarem escondidos durante uns tempos. Foi “um homem australiano” que os ajudou: levantou dinheiro, pagou a fiança de Hyeonseo e da família e de ainda mais dois desertores.
Quando regressaram à Coreia do Sul, propuseram à refugiada que escrevesse um livro a contar a sua história: “Primeiro não quis, porque tive medo pela minha família, eles podiam ir para a prisão. Mas decidi escrever, e salvaguardar a identidade da minha família”, salientou Hyeonseo.
O livro “A Rapariga dos Sete Nomes” é um alerta de Hyeonseo Lee “na tentativa de que a tirania que assola a Coreia do Norte acabe”. A refugiada não se considera, contudo, uma defensora dos direitos humanos: “Não sou uma ativista, sou apenas uma rapariga”.
“Eu dou muitos discursos, mas sinto que não chega. Por favor, partilhem esta história”
Aos presentes contou que só conheceu os direitos humanos quando saiu da Coreia do Norte e descreveu o que chamou de “esquadrão do prazer dos ditadores”, que segundo Hyeonseo é composto por crianças usadas como escravas sexuais, e do medo que a população tem de Kim Jong-un.
“As posses mais importantes [das famílias] eram os retratos dos ditadores. Houve um fogo e se o pai não salvasse os quadros era castigado. Não se importou com as crianças, se os próprios filhos estavam bem, mas sim com os retratos. Na altura não achávamos isso estranho”, confessou.
Hyeonseo Lee finalizou a intervenção com um pedido: “Eu dou muitos discursos, mas sinto que não chega. Por favor, partilhem esta história”.
Artigo editado por Filipa Silva