O primeiro número da “dose”, uma revista “de arte e não sobre arte”, foi apresentado ao público esta sexta-feira, no Porto.
O projeto nasceu por iniciativa de quatro jovens recém-licenciadas da Universidade do Porto: Maria Miguel Von Hafe, Mariana Rebola e Margarida Oliveira, todas licenciadas pela Faculdade de Belas Artes e Cristiana Oliveira, que terminou o curso de Ciências da Comunicação na Faculdade de Letras.
O desafio partiu do sentimento, partilhado pelo grupo, de alguma impotência para se afirmarem no mundo artístico, sentimento nutrido também por vários artistas da geração mais jovem. Foi por isso que decidiram fazer do evento de lançamento também uma exposição de trabalhos dos artistas convidados para as páginas interiores da revista.
“Sendo nós próprias artistas, sentimos as dificuldades que os artistas sentem. Acima de tudo, gostamos muito de arte, de ver trabalhos, exposições e do processo editorial. A ideia de criar uma revista que fosse também uma exposição pareceu-nos ideal”, conta ao JPN Margarida Oliveira.
Há uma grande lacuna entre a nossa realidade quando estamos a estudar e a realidade do mundo profissional. Muita gente não sabe dar o passo seguinte.
Assim, a “dose”, que tem formato impresso e digital, promete trazer ao público uma exposição a cada novo número. Em cada edição, são apresentados trabalhos inéditos de 12 artistas convidados, que desenvolvem a obra para formato físico e digital.
A revista, sem editorial nem outros apontamentos que não seja o trabalho dos artistas convidados, não tem restrições temáticas, abrange várias formas de expressão visual e é monocromática (cada edição terá uma cor diferente).
Da escola para o mercado: um salto difícil
Os artistas convidados para este número foram Sara Mealha, Alina Koshova, Mariya Nesvyetaylo, Nelson Duarte, Mauro Ventura, Maria João Ferreira, Joana Ribeiro, Manuel Tainha, Mariana Rocha, Manuel Queiró, Nuno Vieira e Rafael Silva.
Todos participaram de forma gratuita, agarrando o desafio à procura de divulgação e, principalmente, pelo prazer de colaborar na iniciativa.
O espírito de cooperação une as pessoas envolvidas no projeto. “Sozinho, não vais a lado nenhum”, afirma Nuno Vieira, que acrescenta: “é importante juntarmo-nos todos e criarmos uma força que nos leva para a frente. Há uma grande lacuna entre a nossa realidade quando estamos a estudar e a realidade do mundo profissional. Muita gente não sabe dar o passo seguinte. Projetos como este estão a tentar dar um palco a esses artistas”, explica.
Nelson Duarte expressa o seu descontentamento em relação ao mercado de arte local e não poupa nas palavras: “o meio artístico é uma merda. É preciso iniciativas como esta e sobretudo pessoas que as reconheçam. Há muita gente a fazer coisas boas, mas as pessoas conhecidas são as piores [no trabalho que apresentam]. O mercado artístico no Porto é fraquíssimo“, critica.
Para Mariya Nesvyetaylo, “é sempre bom participar em projetos a iniciar” e a arte é uma forma de diálogo. “Quando comecei a estudar pintura tinha um ideal muito básico do que é ser pintor. Achava que iria estar num sitio isolado, a pintar até ao fim da minha vida, mas apercebi-me que mesmo que esse isolamento fosse possível não me servia de nada. Para quê? Para mim a criação não pode ser isolada do contexto social, histórico ou político. O núcleo da criação é a comunicação”, afirma.
500 exemplares na primeira edição
As fundadoras da “dose” têm uma perspetiva otimista em relação ao futuro da revista e acreditam não ter concorrência direta ao nível nacional.
No entanto, como salienta Nuno Vieira, a cada edição, o valor do projeto é absoluto: “A ‘Orpheu’ só teve três números e mudou todo o paradigma, ‘Portugal Futurista’ teve um ou dois. Não sei se é necessário essa continuidade. Quando não há nada, qualquer coisa já é bom. É muito interessante fazer projeto a projeto e se forem bons acredito que se vão aguentar.”
Para a primeira edição foram impressos quinhentos exemplares. O lançamento no Porto decorreu na Galeria do Sol, na noite de sexta-feira. Sem discursos ou apresentações formais do projeto, a apresentação foi um sucesso, nas palavras de Cristana Oliveira.
Ao longo de toda a noite, convidados e curiosos atraídos pela instalação na galeria garantiram a animação permanente do evento. Foram vendidas cerca de cinquenta revistas. A apresentação em Lisboa terá lugar dia 13 de outubro, às 17 horas, no espaço Las Palmas.
O financiamento para esta primeira edição da “dose” foi assegurado com verbas pessoais. As fundadoras candidataram-se sem sucesso a algumas bolsas artísticas, daí que depois de fazerem uma avaliação dos custos, tenham avançado por sua conta e risco para a concretização do projeto. Esperam agora que a venda da primeira edição cubra os custos da primeira edição e da seguinte.
A revista impressa tem um custo unitário de dez euros. “As revistas de arte chegam até 50 euros, dentro das nossas possibilidades, tentámos definir um preço acessível”, explica Margarida.
As quatro jovens fundadoras prosseguem estudos, agora ao nível do mestrado, e mantêm-se ativas nas suas áreas profissionais. A comunicação, divulgação e distribuição da revista foi feita maioritariamente por contacto direto e através das redes sociais. Artistas como Manuel Tainha foram convidados depois das jovens conhecerem o seu trabalho pelo Instagram.
A “dose” é uma revista criada por pessoas que fazem “coisas” e querem continuar a fazê-las. “É importante perceber que os artistas não estão num pedestal, lá longe. São pessoas como nós, que fazem o que fazem para comunicar. Essa é razão de fazermos coisas, não é para entrar em galerias, ou circutos rocócó. Para mim não é esse o objetivo”, afirma Maria Nesvyetaylo.
Uma revista única, desenquadrada da cena artística dominante. Quem ainda não teve a oportunidade de adquirir um exemplar, pode encomendá-lo na internet e em várias associações culturais distribuídas a nível nacional. Agora é tempo de digerir esta primeira “dose” de arte. Daqui a seis meses haverá mais.
Artigo editado por Filipa Silva