Jean Sasson nasceu em 1947 nos Estados Unidos, mas viveu mais de dez anos na Arábia Saudita, onde chegou a trabalhar num hospital em Riade. O interesse e conhecimento pelo Médio Oriente levaram-na a escrever vários livros em que a resiliência das mulheres sauditas e a importância dos direitos humanos são personagens principais.
Foi na Arábia Saudita que conheceu a princesa Sultana, uma princesa da Casa de al-Sa’ud, a família real saudita, que a coberto de um pseudónimo aceitou contar a sua história a Jean Sasson. Desde 1992 já foram publicados seis livros, todos escritos pela voz da princesa Sultana.
Os romances expõem a vida luxuosa da família real, que está longe, ainda assim, de ser um conto de fadas. O leitor apercebe-se de que a violência machista não escolhe classes sociais, mas que a coragem e o sofrimento são intrínsecos ao povo saudita. Apesar de tudo isto, são contados inúmeros casos com final feliz em que a aposta na educação é um dos segredos para escapar às garras da tradição machista.
O mais recente livro “Luz e Sombra” (Edições ASA) pode, à primeira vista, parecer mais do mesmo. Mas é um erro pensar-se assim. Primeiro, porque já passaram 26 anos desde a publicação do primeiro livro e é natural que muito tenha mudado na Arábia Saudita. Em segundo lugar, este novo relato tem um tom bastante otimista.
Esta última publicação deixa bem claro que pairam na Península Arábica sementes de mudança, embora sejam contadas histórias de mulheres cujas vidas terminaram fruto da violência machista. O título da obra resume a história, na medida em que, toda a narrativa pende numa espécie de limbo − por um lado, já muito foi conquistado e as mulheres veem uma luz ao fundo do túnel, mas por outro o país está submerso num enorme sofrimento feminino e os avanços surgem muito lentamente.
O livro começa com uma viagem até os primórdios da Arábia Saudita. A analepse é perspicaz, pois é feito um relato quase pictórico dos desertos em que o leitor se submerge completamente, mas em simultâneo é confrontado com os factos cruéis do feminicídio.
Sultana conta que ela própria já sentiu o medo de poder ser enterrada viva. Desde criança que a princesa e o irmão, Ali, mantêm uma relação tensa pautada por inúmeras brigas. A princesa conta que após terem lutado fisicamente por um brinquedo, o irmão lhe atirou com areia e deixou implícito desejar que Sultana tivesse sido enterrada viva à nascença.
Neste ponto, é interessante perceber o posicionamento, por vezes incoerente, da princesa Sultana em relação ao Alcorão.
Após contar o incidente com o irmão, a princesa refere que o Alcorão, o livro sagrado do Islão, não faz qualquer distinção entre sexos. No apêndice do primeiro livro “A Vida Secreta das Princesas Árabes”, Sultana compilou traduções livres dos versículos do Alcorão em que é evidente esta distinção. Relativamente à herança para as crianças, o Alcorão diz que o rapaz deve receber o dobro das filhas. Há muitos outros versículos em que a desigualdade é notória. Apesar de tudo isto, Sultana, mulher bastante devota, não se cansa de lutar pelos direitos das mulheres sem nunca esquecer a religião. Esta posição pode parecer paradoxal e reforça as dúvidas sobre como poderá a Arábia Saudita chegar à igualdade de género. De facto, não há separação entre Estado e Igreja e as leis do país regem-se pela sharia, o código penal que dita a conduta dos Muçulmanos estabelecida por Maomé.
Apesar de muitos dos homens referidos neste livro serem machistas e violentos, é reconfortante saber que Sultana é casada com um homem que ao longo dos anos de matrimónio se apercebeu do comportamento tóxico de muitos pares. A princesa conta que a sua relação com Kareem amadureceu e que as crispações fruto da sua posição firme em relação à luta pela dignidade de todas as mulheres diminuíram – finalmente, Kareem reconheceu valor no propósito de vida de Sultana.
Mais uma vez, Sasson e Sultana conseguem envolver o leitor na luta das mulheres sauditas, oferecem um vasto conhecimento sobre a situação política e social do país e despertam o ímpeto ativista que existe em cada um dos leitores. Com uma escrita simples e cativante, Jean Sasson leva os leitores num viagem absorvente à Arábia Saudita. Com o mesmo estilo dos livros anteriores, “Luz e Sombra” tem suspense e provoca inquietação.
Artigo editado por Filipa Silva