“Se não há informação, as pessoas divergem, através do pânico, para o excesso”, explica Filipe Grilo, professor na Faculdade de Economia da Universidade do Porto (FEP), ao JPN. O investigador criou um modelo estatístico para prever a evolução do novo coronavírus, responsável pela doença COVID-19, em Portugal.

“Decidi fazer isto porque já havia muito pânico. E então pensei: ‘olha, vamos pôr os dados a falar e ver o que é que conseguimos retirar dos dados’”, conta o também doutorando.

No Facebook, Filipe Grilo vai atualizando os dados, pondo-os em confronto com a realidade que a Direção-Geral da Saúde (DGS) descreve nos relatórios diários da situação, diariamente.

Ao JPN, o professor de Economia explica que o modelo é “uma espécie de âncora”. “A análise estatística é muito boa porque nos permite fazer uma análise fria aos números. E, portanto, dá-nos esta âncora. Mas não creio que este modelo explique tudo o que pode vir a acontecer: [com] mudanças de comportamento, ele vai-se dar mal e vai ter de atualizar todos os dias os parâmetros para acompanhar isto”, reconhece.

O modelo de Filipe Grilo só recebe os dados da DGS e faz a sua descrição. “Também acho que não vale a pena empolar a capacidade deste modelo porque, para já, ainda é muito cedo para perceber se, de facto, vai conseguir captar tudo”, completa o professor.

Os modelos estatísticos, como aquele que Filipe está a usar, não são, no entanto, os únicos que tentam adivinhar o caminho da COVID-19. “Por exemplo, um outro tipo de abordagem, e eu acho que é isso que os matemáticos tendem a fazer mais – e que me faz um bocadinho de confusão como economista -, é que eles tentam aplicar as curvas que estão a acontecer, por exemplo, em Itália e em Espanha, e tentam extrapolar a partir daí”.

Para o economista, esse cenário não faz sentido: “Não concordo”, afirma, “porque eu percebo que o contexto e a cultura são diferentes. E, portanto, o ritmo de doença será diferente por causa do nosso contexto cultural. Por exemplo, pelo facto de nós se calhar acatarmos melhor as ordens que os outros países, ou, se calhar, por não termos tanta densidade populacional.”

Segundo o especialista, “tudo isso vai influenciar o ritmo” e, assim, parece-lhe mais prudente olhar apenas para os casos registados em Portugal e, a partir deles, “retirar alguma coisa”.

Apesar disso, o modelo de Filipe Grilo revela algum “pessimismo”, prevendo números de casos confirmados acima dos que depois a DGS revela. “Para o comportamento atual das coisas, ele parece ser, de facto, pessimista. Ou seja, o que é que está a acontecer? Ele está sempre a dizer que está à espera de mais casos do que aqueles que existem. Se calhar, as entidades de saúde ainda não conseguem ter uma capacidade de testes que consiga acompanhar o número de pedidos. E isso pode estar a limitar o número de casos registados”, adianta o economista.

Contudo, pode não ser só a falta de testes a aplanar a curva mais depressa que as previsões do modelo. O facto de a maioria da população estar neste momento em isolamento social também constitui um indicador. “Isso pode estar, até, a reduzir um pouco a evolução da epidemia”, sustenta.

“Tudo isto são coisas que eu não consigo explicar porque o modelo é demasiado simplista. A partir daqui, só podemos especular. O modelo está a dar isto, está à espera de mais casos do que aqueles que se estão a registar. Eu acho que isso são boas notícias, mas – e essa é a mensagem que eu quero deixar – apesar de o modelo estar a parecer que é pessimista, também não convém relaxar”, alerta Filipe Grilo.

Todavia, esta segunda-feira, já depois da entrevista ao JPN, as previsões de Filipe Grilo foram pela primeira vez ultrapassadas pela realidade: o modelo do investigador previa entre 1.951 e 2.042 casos confirmados (nos diferentes cenários) e a Direção-Geral da Saúde revelou serem 2.060.

Para que serve tudo isto? Para olhar para a frente: “Quando começou toda esta brincadeira, eu por acaso estava cético em poder ajudar – porque pensava que era algo realmente muito difícil de estimar, e muito complicado, até, de se perceber todas as causas. Mas, quando comecei a pegar nos dados, percebi que isto até é capaz de ser mais fácil de prever do que muitos outros indicadores económicos”, confessa Filipe.

Ritmo de contágio é o problema

Filipe Grilo socorre-se de noções básicas de epidemiologia para explicar que o efeito do novo coronavírus, “a partir de certa altura, tende a esgotar-se porque não há mais pessoas para o transmitir. Uma pessoa infetada contagia as pessoas mais à volta – e, a partir do momento em que se começa a isolar, o vírus não tem por onde contagiar mais. E o efeito acaba por se esgotar”, conta o investigador.

“Isso permite, depois, aliviar um pouco o sistema de saúde – que é esse o problema. Este vírus até podia contagiar todos os dez milhões de portugueses mas, se contagiasse dez pessoas de cada vez, o Sistema Nacional de Saúde conseguia suportar estas pessoas. O problema é o ritmo. À medida que se vai aumentando o ritmo, a capacidade começa a ficar posta em causa.” Uma vez nesse limite, Filipe Grilo dá o exemplo de Itália, em que os médicos tiveram que decidir quem assistiam, “quem é que podiam pôr nos cuidados intensivos”. “As pessoas, depois, ficam sem a capacidade de serem tratadas devidamente”, remata.

Em Portugal, a região Norte continua a ser a mais afetada pela COVID-19, com 1.007 casos confirmados de infeção e nove óbitos, segundo os números da DGS, divulgados ao início da tarde desta segunda-feira.

No total, há 23 mortes e 2.060 infeções confirmadas, já com o país em estado de emergência até às 23:59 de 2 de abril.

Este novo coronavírus (SARS-CoV-2), responsável pela pandemia de COVID-19, já infetou mais de 308 mil pessoas em todo o mundo, das quais mais de 14 mil perderam a vida. Depois de surgir na China, em dezembro de 2019, o surto espalhou-se por todo o mundo, levando a Organização Mundial da Saúde a declarar uma situação de pandemia.

Artigo editado por Filipa Silva.