A 28ª edição do festival internacional de cinema Curtas de Vila do Conde vai acontecer em outubro, três meses após a data tradicional. O JPN conversou com Nuno Rodrigues, um dos diretores do evento, para saber quais foram os maiores desafios deste ano.

“Um ano especial como este” implica um Curtas diferente. Quem o diz é Nuno Rodrigues, membro da Direção Artística e Programação do festival que, este ano, como tantos outros eventos, se viu a braços com uma situação imprevista: a COVID-19. No entanto, uma coisa ficou certa para a direção logo nas primeiras semanas da pandemia: “tínhamos de alterar a data, porque queríamos privilegiar e defender a ideia de um festival que, acima de tudo, tinha de acontecer de forma presencial”.

No aguardado encontro do público com a sala de cinema, uma das prioridades foi cumprir todas as condições de segurança. “Estamos a viver tempos diferentes e temos de nos adaptar a essa realidade”, afirma o co-diretor do festival em entrevista ao JPN. A mudança adiou o festival de julho para outubro, entre os dias 3 e 11, o que deu à direção “mais cerca de dois meses para criar alternativas” que obedecessem às regras da DGS.

Esta edição do Curtas conta, assim, com várias estreias, para além das cinematográficas. A Competição Nacional do festival vai estender-se a mais cidades, de Norte a Sul. Para além de Vila do Conde, estão programadas sessões, no Porto, no Cinema Trindade, em Lisboa, no Cinema Ideal, e em Faro, no Auditório do IPDJ. A expansão “teve exclusivamente a ver com a pandemia”, segundo o codiretor, e a sua continuação em edições futuras ainda não está garantida. “Não estamos sequer a pensar nas questões do futuro”, avança, “iremos avaliar tudo isso”.

“Vamos conseguir estar próximos daquilo que são os nossos números”

Outra das grandes novidades deste ano é a adoção do formato Video On Demand (VoD). Segundo Nuno Rodrigues, o online permite “chegar mais longe e a vários públicos em Portugal inteiro”. Este acesso é especialmente relevante no contexto de isolamento ou distanciamento pedido pelas autoridades, mas, para o codiretor, não substitui o festival presencial, que diz ser “essencial”. Um dos aspetos mais contrastantes entre o presencial e o online é a quantidade de filmes disponíveis. “O Curtas em Vila do Conde vai ter 261 filmes e, na plataforma online, com a qual iremos trabalhar a partir do dia 3 de outubro, vamos ter um pouco mais de 150 filmes”, expõe o responsável.

Rodrigo Areias regressa ao Curtas com o seu mais recente filme, “Vencidos da Vida”. Na foto, “Surdina”, musicado ao vivo por Tó Trips, num evento pré-festival. Foto: João Brites

O adiamento para outubro trouxe, no entanto, vários benefícios para o festival. O maior período entre edições permitiu a estreia de mais filmes, o que “contribuiu para a melhoria da qualidade das seleções deste ano”, assinala o codiretor. Ainda assim, ressalva, para o ano, “será no mesmo período em julho”. “Não é nossa intenção alterar a lógica do período em que nos enquadramos e a forma como nos relacionamos com o público nacional e internacional”, afirmou.

Porém, nem tudo são boas notícias. A limitação dos lugares nas salas pode contribuir para “perder uma parte do público”, admite Nuno Rodrigues. Apesar disso, mostra-se confiante: “cremos que vamos conseguir, no mínimo, estar próximo daquilo que são os nossos números”. A segurança e a realização de “uma excelente edição neste contexto” são, acima dos números, as prioridades.

“O festival tem é que se pagar a si próprio”

Em termos financeiros, o responsável afirma que “dificilmente se pode pensar numa ideia de lucro”. Quando se trata de eventos como este, “o festival tem é que se pagar a si próprio”, situação que crê que vá acontecer este ano. “O lucro não é um cenário muito presente, desde o primeiro ano. Queremos dar passos, crescer, criar condições para ter o projeto e fazer com que ele exista ano após ano, de uma forma sólida e sustentável”, remata. A qualidade é a base sobre a qual pretendem crescer, gerando o “reconhecimento nacional e internacional” já existente.

Para esse percurso muito contribuirá o esforço do festival para dar a conhecer novos talentos. É nesse contexto que surge uma nova secção não competitiva na edição deste ano, a secção New Voices. Através dela vão chegar à tela portuguesa três caras frescas do cinema internacional – Elena López Riera, Ana Elena Tejera e Ana Maria Gomes – no que pretende ser um espaço para autores relativamente desconhecidos que apresentam já um corpo de trabalho consistente e diferenciador.

“Panquiaco” de Ana Elena Tejera foi rodado em Vila do Conde e no Panamá. Foto: D.R.

Os motivos da escolha das realizadoras são curiosos: nenhuma é formada na área do cinema, mas todas trabalham exclusivamente na área. Em termos mais pessoais, todas estão deslocadas do país de origem, o que acaba por ser tema de trabalho – López Riera é uma espanhola a viver e a trabalhar na Suíça desde 2008, Elena Tejera é uma panamiana que vive e trabalha em França, e Ana Maria Gomes é uma franco-portuguesa radicada em Paris. Por fim, todas têm um elo de ligação ao festival. Elena López Riera foi a vencedora da última edição do festival, com o filme “Los que desean”; Maria Gomes venceu a competição nacional em 2016, com a obra “António, lindo António”, sendo o seu mais recente filme, “Bustarenga”, uma produção da Curtas CRL; e, por fim, Ana Elena Tejera acaba de realizar a sua primeira longa metragem, “Panquiaco”, estreada no festival de Roterdão, que é rodada entre Vila do Conde, as Caxinas e o Panamá.

Já o realizador espanhol Isaki Lacuesta será o realizador em foco nesta edição do festival e vai passar por Vila do Conde.

O Curtas apresenta ainda, e mais uma vez, a competição Take One! que, pelo segundo ano, terá três sessões destinadas aos públicos mais jovens. Nuno Rodrigues explica que, desde a sua origem, esta secção “foi revelando nomes que eram completamente desconhecidos e que hoje já são figuras com reconhecimento nacional e internacional”, exemplificando com os nomes de João Salaviza, Pedro Peralta e Leonor Teles.

“É, sobretudo, um espaço que visa dar a conhecer novos autores com trabalhos feitos ainda em contexto de escola”, contexto que o codiretor diz ter passado por uma “evolução” nos últimos anos. Segundo o responsável, têm havido “boas apostas” em várias regiões do país com escolas e faculdades a trabalharem em cursos ligados ao cinema e cuja qualidade “tem vindo a aumentar”. Para rematar, diz que esta competição do festival “acaba por ser um reflexo do bom trabalho que se faz por todo o país nesta área”. 

A curta “Nestor” de João Gonzalez é uma das 16 em competição na secção Take One! Foto: D.R.

Um olhar sobre o cinema português do século XXI

No ano passado, a Agência da Curta Metragem soprou as velas do seu 20º aniversário. Entre as iniciativas de celebração está um livro dedicado ao cinema português no séc. XXI que agora vai ser apresentado:  Reframing Portuguese Cinema in the 21st Century.

Nuno Rodrigues conta que, ao longo deste ano, foram convidados 20 nomes da área, entre os quais académicos, programadores e críticos de cinema, como Adrian Martin, Carmen Gray, Leo Goldsmith, Roger Koza, Cíntia Gil ou Haden Guest, para partilharem a sua visão crítica sobre o cinema português do início deste século, refletindo sobre a sua importância e visibilidade, nacional e internacional. Um livro com a coordenação editorial de Paulo Cunha e Manuel Ribas, que será apresentado em dois momentos distintos: o primeiro, durante o Curtas, dia 6, na Solar – Galeria de Arte Cinemática; e o segundo, numa parceria com a Cinemateca, na livraria Linha de Sombra, em Lisboa, dia 17, às 17h30.

A não perder

O Curtas destaca-se por ser um festival com uma programação muito diversificada e que vai ao encontro de públicos muito distintos. Nuno Rodrigues destaca, na edição deste ano, duas longas-metragens que vão ser exibidas em estreia nacional. A primeira é o filme de abertura, “Casa de Antiguidades”, do autor brasileiro João Paulo Miranda Maria, “grande sucesso do cinema brasileiro a nível internacional”, refere o codiretor. Por outro lado, e a receber rasgados elogios, temos o filme mais recente da cineasta norte-americana Kelly Reichardt, “First Cow”, que estreou em Berlim. A autora, “uma das grandes cineastas da atualidade”, afirma Nuno Rodrigues, e que foi alvo de uma retrospetiva no festival em 2014, regressa ao Curtas.

Para a Competição Nacional estão selecionados 17 filmes, de ficção, animação e documentário, enquanto 33 concorrem na Competição Internacional.

O festival tem também, como é hábito, programação para os mais novos, através da secção Curtinhas, e secções para os mais variados gostos, como a Stereo, que agrega música e cinema. Deste programa vão fazer parte, primeiro, na noite de sábado (3), três documentários – “Antena3Docs Apresenta Implantação da Rapúbica #2 – Pintar o Hip Hop”, de Catarina Peixoto; “A Vida Dura Muito Pouco”, de Dinis Leal Machado e “Ricardo”, de Luís Sobreiro. A 9 de outubro, sexta-feira, vai passar “Guanche” um cine-concerto que é o mais recente projeto de Paulo Furtado (The Legendary Tigerman), com o realizador Pedro Maia e a atriz Íris Cayatte.

Em Vila do Conde, as sessões acontecem na esmagadora maioria no Teatro Municipal, mas estendem-se também ao Auditório Municipal.

Artigo editado por Filipa Silva