No ano em que a Fórmula 1 (F1) celebra o seu 70.º aniversário, Portugal foi convidado para a celebração. Passados 24 anos desde o último Grande Prémio (GP) sedeado no país, então no circuito do Estoril, a prova volta este ano a terras lusas, um pouco mais a sul, em Portimão, no Autódromo Internacional do Algarve.
O Grande Prémio de Portugal assenta num programa de três dias, que começa hoje, dia 23, com os treinos livres, com todas as equipas a poderem fazer os seus acertos para a qualificação, que terá lugar amanhã, dia 24. No dia seguinte, domingo, com a grelha de partida definida desde a véspera, os “supercarros” arrancarão em pista pelas 13h10. Pela frente, vinte pilotos têm 66 voltas para dar à pista.
Nas bancadas do circuito vão poder estar 27.500 espectadores, mas muitos mais poderão assistir em casa através do canal 3 da Eleven Sports. Há, contudo, uma terceira opção: o cinema, uma vez que a Eleven se juntou às salas da NOS para uma inédita transmissão em direto a que os fãs vão poder assistir no Centro Comercial NorteShopping, no Grande Porto, e Colombo, em Lisboa.
Antes de chegar a Portugal, realizaram-se já 11 provas, distribuídas por oito países (Áustria, Hungria, Grã-Bretanha, Espanha, Bélgica, Itália, Rússia e Alemanha, respetivamente). Na frente do campeonato, destaca-se Lewis Hamilton, piloto da Mercedes e campeão em título, com 230 pontos, mais 69 pontos que o seu companheiro de equipa, o finlandês Valtteri Bottas.
Num campeonato até agora dominado pelos pilotos supracitados, conseguiram evidenciar-se ligeiramente, com uma vitória cada, o piloto holandês Max Verstappen da Red Bull e Pierre Gasly, francês, da equipa AlphaTauri, que venceu de forma totalmente surpreendente em Monza.
Concluído este Grande Prémio (GP), ficarão a faltar cinco provas para o término do campeonato (San Marino, Turquia, Bahrein com jornada dupla e Abu Dhabi). Mas antes de pensarmos no futuro, recuemos ao passado para reavivar a memória das primeiras emoções da F1 em solo nacional.
O Grande Prémio de Portugal
O primeiro GP de Portugal ocorreu em 1958 e teve lugar na cidade do Porto, no Circuito da Boavista. No ano seguinte, 1959, o circo da F1 rumou a Lisboa, às ruas do Parque de Monsanto, regressando em 1960 ao Porto, novamente no circuito da Boavista. Estes grandes prémios tiveram a participação de um piloto português, Nicha Cabral, que se tornou o primeiro piloto luso a competir entre a nata dos pilotos mundiais da época, como Stirling Moss, Dan Gurney, Jack Brabham, Phil Hill, Bruce McLaren e Graham Hill, só para citar os mais conhecidos e vitoriosos.
Numa nação de grande paixão automobilística, e após um interregno de 24 anos, foi com enorme satisfação que os aficionados receberam a confirmação do retorno do mundo da F1 a Portugal, nomeadamente ao circuito do Estoril, em 1984. Foi, na altura, o último grande prémio da temporada e coroou Niki Lauda como tricampeão da prova, com meio ponto de vantagem sobre Alain Prost.
O último GP de Portugal teve lugar no emblemático Estoril, já batizado de Autódromo Fernanda Pires da Silva, em 1996, e foi vencido por Damon Hill, ao volante do então dominante Williams Renault.
Curiosamente, a Fórmula 1 volta a esperar 24 anos para regressar a Portugal, desta feita a um circuito que faz a sua estreia na modalidade. O Autódromo Internacional do Algarve será o quarto local a receber o Grande Prémio de Portugal. Inaugurado em 2008, é um dos circuitos mais acarinhados por muitos pilotos do mundo do automobilismo, sendo conhecido pela sua dificuldade técnica e mudanças drásticas de relevo – não é à toa que o apelidam de “montanha russa”.
A história do Grande Prémio de Portugal pode-se tornar ainda mais rica este fim de semana por dois motivos. Kimi Raikkonen (Alfa Romeo) ficará isolado como o piloto com mais participações de sempre em grandes prémios (327) e Lewis Hamilton (Mercedes), se vencer a corrida, separa-se de Michael Schumacher como o piloto com mais vitórias em grandes prémios da história da Fórmula 1 (93).
Portugueses na Fórmula 1
A existência do GP de Portugal alavancou também as categorias inferiores ou das câmaras de acesso a categorias internacionais, recebendo o Estoril finais de campeonatos do mundo doutras categorias. Obviamente, a paixão foi sendo passada a jovens pilotos que, fruto do seu esforço, chegaram à categoria rainha, a F1.
Além do saudoso Mário Araújo (Nicha) Cabral (1934-2020), que participou em cinco Grandes Prémios de F1 em 1958, 1959, 1960, 1963 e 1964, outros pilotos portugueses chegaram ao escalão máximo do desporto automóvel.
Pedro Matos Chaves nunca logrou pré-qualificar-se para nenhum dos 14 grandes prémios que tentou em 1990, devido à má qualidade do carro à sua disposição (Coloni).
Pedro Lamy, um dos mais vitoriosos pilotos da sua geração, esteve na F1 de 1993 (GP da Itália) a 1996 (GP do Japão), em equipas como a Minardi (24 GP) e a Lotus (8 GP). O seu melhor resultado foi um sexto lugar no GP da Austrália em 1995 ao volante de um Minardi. Esta classificação foi também a primeira vez que um piloto português conquistou pontos (um ponto) no circo da F1. Participou no último Grande Prémio de Portugal em 1996.
Tiago Monteiro, o único português que correu na Fórmula 1 após 1996, participou em 37 grandes prémios entre 2005 e 2006, em equipas como a Jordan (19 GP) e a Midland (18 GP). O seu melhor resultado foi um 3.º lugar no infame GP dos EUA, em Indianápolis, marcado pela não participação das equipas clientes da Michelin, cujos pneus não aguentavam o traçado, colocando em risco a integridade dos pilotos. Assim, arrancaram apenas seis carros de três equipas – Ferrari, Jordan e Minardi -, tendo Monteiro sido o melhor a seguir aos pilotos da Ferrari.
2020: Uma grelha renovada
Ao longo da sua história, a Fórmula 1 contou sempre com imensas mudanças de construtores e são poucas as equipas que se mantém de forma linear na modalidade.
Somente três das equipas que participaram no último Grande Prémio de Portugal, em 1996, permanecem intactas na grelha de partida em 2020.
A saber:
Scuderia Ferrari: fundada por Enzo Ferrari, a equipa italiana é a única que competiu em todos os Campeonatos de Fórmula 1 e é detentora de grande parte dos recordes da modalidade. Venceu 16 campeonatos de construtores e 15 campeonatos de pilotos.
Pilotos: Sebastian Vettel (Alemanha) / Charles Leclerc (Mónaco)
McLaren: criada pelo piloto neozelandês Bruce McLaren e com sede em Woking, Inglaterra. Tem no seu palmarés oito campeonatos de construtores e 12 campeonatos de pilotos.
Pilotos: Carlos Sainz (Espanha) / Lando Norris (Grã-Bretanha)
Williams: venceu nove campeonatos de construtores e sete campeonatos de pilotos. Equipa fundada por Frank Williams e Patrick Head.
Pilotos: George Russell (Grã-Bretanha) / Nicholas Latifi (Canadá)
O resto da grelha é composta, atualmente, por equipas que têm alguma ligação com o passado da modalidade ou que foram fundadas no novo milénio:
Mercedes: como equipa, a Mercedes participou em dois Campeonatos do Mundo (1954 e 1955), vencendo dois títulos com o lendário piloto argentino Juan Manuel Fangio. Regressou à Fórmula 1 como equipa em 2010, comprando a equipa Brawn GP. De 2014 a 2019, ganharam tudo o que havia para ganhar.
Pilotos: Lewis Hamilton (Grã-Bretanha) / Valtteri Bottas (Finlândia)
Red Bull: equipa fundada pela marca austríaca de bebidas energéticas em 2005, surgiu a partir da equipa Jaguar (2000-2004). Entre 2010 e 2013, venceram todos os campeonatos, tornando-se numa das equipas mais respeitadas em toda a grelha.
Pilotos: Max Verstappen (Holanda) / Alexander Albon (Tailândia)
Racing Point: entrou para a Fórmula 1 em 2019, após a compra da equipa Force India pelo bilionário Lawrence Stroll. Passará a chamar-se Aston Martin a partir de 2021.
Pilotos: Sérgio Perez (México) / Lance Stroll (Canadá)
Renault: a equipa francesa esteve inicialmente na F1 entre 1977 e 1985, voltou à competição entre 2002 e 2011, a partir da célebre equipa Benetton, onde venceu dois campeonatos de construtores e de pilotos (2005, 2006), e regressou em 2016. Alpine será o novo nome da equipa em 2021.
Pilotos: Daniel Ricciardo (Austrália) / Esteban Ocon (França)
AlphaTauri: anteriormente conhecida como Toro Rosso, após a compra da equipa Minardi, a AlphaTauri estreou-se em 2020 e já conseguiu uma vitória improvável “em casa”, no circuito de Monza, com o piloto francês Pierre Gasly a subir ao lugar mais alto do pódio.
Pilotos: Pierre Gasly (França) / Daniil Kvyat (Rússia)
Alfa Romeo: venceu os dois primeiros campeonatos do mundo da Fórmula (1950 e 1951), e só voltou como construtor em 1979, permanecendo na modalidade até 1985. Em 2019, regressa como equipa após a saída da Sauber.
Pilotos: Kimi Raikkonen (Finlàndia) / Antonio Giovinazzi (Itália)
Haas: fundada por Gene Haas, a equipa americana foi criada de raiz em 2016. Tem como melhor resultado num Grande Prémio um quarto lugar, alcançado pelo piloto francês Romain Grosjean, na Áustria.
Pilotos: Kevin Magnussen (Dinamarca) / Romain Grosjean (França)
Da era Schumacher à era Hamilton
Como em qualquer modalidade, também na Fórmula 1 a hegemonia vai mudando de mãos ao longo da história. Equipas que outrora dominavam as corridas passam a correr no meio do pelotão e vão surgindo novas equipas e pilotos que, juntos, conquistam o mundo.
Portugal foi um dos palcos de batalhas entre grandes pilotos e viu a passagem de testemunho entre vários de gerações diferentes, como em 1984, entre Niki Lauda e Alain Prost, Prost e Senna nos anos seguintes e o mundo pós-Senna, com o surgimento de Damon Hill, Jacques Villeneuve, Mika Hakkinen e, claro, Michael Schumacher.
Os anos seguintes ao último Grande Prémio de Portugal marcaram a entrada na história moderna da Fórmula 1.
No novo milénio, Michael Schumacher, após ter sido campeão do mundo por duas vezes ao serviço da Benetton, coloca a Ferrari no topo da modalidade, com cinco títulos seguidos, entre 2000 e 2004 e bate todo o tipo de recordes individuais. Tornou-se no piloto com mais pole positions, vitórias em grandes prémios e no único piloto da história da modalidade a vencer sete campeonatos.
O domínio tiffosi acabou em 2005, quando a equipa da Renault conseguiu, durante dois anos, construir um carro competitivo e dar a oportunidade ao piloto espanhol Fernando Alonso de se tornar bicampeão mundial (2005, 2006).
Entre 2007 e 2009, tivemos três campeões diferentes com três equipas distintas: Kimi Raikkonen (Ferrari, 2007), Lewis Hamilton (McLaren, 2008) e Jenson Button (Brawn GP, 2009).
Em 2010, entramos nos anos de domínio de duas equipas e de dois pilotos. De 2010 a 2013, a Red Bull controlou a modalidade e Sebastian Vettel tornou-se dono e senhor da Fórmula 1, com quatro títulos seguidos e o campeão mais jovem de sempre (recorde que se mantém nos dias de hoje).
A partir de 2014, com as mudanças no regulamento, a chamada era “híbrida” começou. Com a incorporação de sistemas de recuperação de energia (ERS), o investimento da marca alemã Mercedes foi notório e esta tem dominado a modalidade deste então. As batalhas pelo campeonato têm sido, maioritariamente, entre os dois pilotos da equipa, com a rivalidade Hamilton-Rosberg a ser o maior destaque da década. Para já, a vantagem (clara) é de Lewis Hamilton, vencedor de cinco campeonatos (2014, 2015, 2017, 2018, 2019), enquanto Nico Rosberg venceu apenas um (2016).
As principais alterações na Fórmula 1 em 24 anos
Várias mudanças ocorreram na Fórmula 1 desde a última vez que esta visitou o nosso país.
A preocupação crescente com a segurança e as questões ambientais provocaram alterações nos circuitos e nos carros.
Inevitavelmente, um acidente grave ou até a morte de um piloto, implica sérias reflexões sobre a forma como se deve melhorar o desporto, sem levar à perda da espetacularidade que o caracteriza.
O acidente de Jules Bianchi (1989-2015) no Japão, em Suzuka, que levou à sua morte meses depois, veio cimentar alterações no modo como os carros são removidos após um acidente. Hoje é impossível ver em pista uma viatura de remoção e quando as mesmas têm que entrar, a corrida é parada, iniciando-se da linha das boxes.
A segurança dos pilotos é ponto fulcral, tendo sido implementados sistemas para a sua proteção, como o HANS (suporte que protege o pescoço e a cabeça dos pilotos em caso de desacelerações fortes) e o HALO (uma proteção física contra embates na zona descoberta do carro, nomeadamente para a cabeça do piloto).
Numa tentativa de aumentar a atratividade da competição, foi introduzido na Fórmula 1 o DRS, que permite um ganho de velocidade em zonas retas do circuito, facilitando as ultrapassagens.
Outra das alterações mais significativas foi a mudança no sistema de pontuação, alargando os lugares pontuáveis dos seis primeiros (em 1996) para os atuais dez primeiros lugares. A qualificação sofreu também mudanças, passando de uma sessão única de uma hora para o actual sistema eliminatório com três sessões de qualificação (Q1, Q2, Q3).
As preocupações ambientais, assim como a inovação tecnológica, trouxeram inúmeras alterações aos carros, salientando-se o campo da motorização dos carros. Dos saudosos e barulhentos motores de geometria V8, V10 e V12 de 1996, para os mais silenciosos motores híbridos de configuração V6, denominados MPU (Motor Powered Unit), usados desde o ano de 2014.
Globalmente, os reabastecimentos vistos em 1996 já não existem, o que obriga a uma visão estratégica nas boxes, pois há um limite de combustível que deve ser gerido por toda a corrida.
Para ajudar a medir o tempo de ausência da Fórmula 1 em Portugal, temos este ano em pista um piloto, Max Verstappen, que é filho de um outro piloto presente no Grande Prémio de Portugal em 1996, Jos Verstappen.
A Fórmula 1 continua a ser o que sempre foi, o pináculo do automobilismo, com um constante desenvolvimento tecnológico. É, sem sombra de dúvidas, uma modalidade sem paralelo no nosso mundo e sempre à procura de nos surpreender.
Artigo editado por Filipa Silva