“Eu não vou descansar quando se trata de construir uma União de Igualdade”. A promessa foi feita por Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, no Estado da União de 2020. Esta quinta-feira (12), foi anunciado mais um passo nessa direção.

A primeira estratégia sobre a igualdade de pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transsexuais, intersexo e queer (LGBTIQ) na UE assenta em quatro grandes pilares: combater a discriminação; garantir a segurança; construir sociedades inclusivas e liderar os esforços em prol da igualdade das pessoas LGBTI em todo o mundo. O plano assume-se como uma fonte de inspiração para os Estados-Membros desenvolverem “os seus próprios planos de ação em matéria de igualdade”.

No texto do documento, a Comissão Europeia considera, no que toca à discriminação contra pessoas LGBTIQ, que esta foi agravada pela crise de COVID-19, que confinou membros da comunidade em ambientes hostis, “onde podem estar em grande risco de violência ou grandes níveis de ansiedade ou depressão profunda”.

A estratégia passa por criar e reforçar a proteção legal contra a discriminação, promover a inclusão e a diversidade no ambiente laboral, enquanto se combatem as desigualdades em vários setores da sociedade, como a educação e a saúde.

No mesmo quadro estratégico, Bruxelas também pretende alargar a “lista de crimes reconhecidos pela UE”, de forma a contemplarem os crimes e discursos de ódio, tanto presencial como online, e apresentar “uma iniciativa legislativa sobre o reconhecimento mútuo da parentalidade” em questões transfronteiriças – muitas vezes, os laços familiares de pessoas LGBTIQ não são reconhecidos na passagem de um país para o outro, devido a diferentes legislações adotadas pelos Estados-Membros.

A Comissão compromete-se, ainda, a financiar iniciativas que visem o combate ao discurso de ódio e violência contra a comunidade, a apoiar ações “destinadas a garantir a igualdade das pessoas LGBTIQ”, em todas as partes do mundo, e aumentar a visibilidade e reconhecimento de pessoas transexuais, não-binárias e intersexo.

Na sua conta do Instagram, a ILGA Portugal saúda o documento e afirma que este “marca uma mudança qualitativa da Comissão Europeia no sentido de desempenhar plenamente o seu papel de proteção e promoção dos direitos das pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexo.” A organização, que o JPN tentou contactar, sem sucesso, relembra, ainda, que o Governo português tem “responsabilidade de marcar linhas claras por #MuitoMaisIgualdade”, agora que vai presidir o Conselho da União Europeia, no primeiro semestre de 2021.

Uma Europa a várias velocidades

Esta estratégia surge numa altura em que, apesar da aceitação social de pessoas gay, lésbicas e transexuais, na União Europeia, ter crescido entre 2015 e 2019, nove dos seus Estados-Membros viram esse nível retroceder. Segundo a Agência dLGBTQIos Direitos Fundamentais (FRA) da União Europeia, mais de 50% da população em sete países discorda de uma equivalência de direitos entre heterossexuais e pessoas LGBTIQ.

Para além disso, e não obstante os vários progressos no sentido da igualdade, 43% das pessoas inquiridas ainda se sentem discriminadas por causa da sua sexualidade, identidade ou expressão de género – um número mais preocupante do que o registado em 2012, onde apenas 37% dos inquiridos se sentia assim.

A comissária da Igualdade, Helena Dalli, admite que “ainda estamos bem longe da plena inclusão e integração que merecem as pessoas LGBTIQ”, mas está “convicta de que, juntamente com os Estados-Membros, podemos fazer da Europa um lugar melhor e mais seguro para todos.”

Esta estratégia permite mesmo afirmar a UE “como o exemplo a seguir na luta pela diversidade e pela inclusão”, afirma a comissária da Igualdade. Para a vice-presidente dos Valores e Transparência, Vera Jourová, “todos devemos ser livres de ser quem somos sem temermos a perseguição. É nisto que a Europa acredita e é isto que defendemos”.

Sendo assim, Helena Dalli apela aos Estados-Membros que não têm uma estratégia nacional “em favor da igualdade das pessoas LGBTIQ” para que criem uma, de forma a responder “às necessidades específicas dessas pessoas nos seus países” e tornar a Europa no lugar livre e seguro de que esta nova estratégia promete alcançar.

Em vários países do continente, a discriminação de pessoas LGBTIQ tem aumentado, com o registo de ataques em marchas Pride, intimidações homofóbicas em carnavais e criação de “zonas livres de ideologia LGBTIQ”, como aconteceu na Polónia.

Um pouco abaixo da média

Em Portugal, o Governo aprovou em 2018 uma Estratégia Nacional para a Igualdade e a Não Discriminação, “Portugal + Igual”, na qual estão definidos eixos e objetivos a cumprir até 2030 – com algumas medidas a terem de ser implementadas até ao final do próximo ano.

Foi a primeira vez que um plano de ação contra a discriminação em razão da orientação sexual, identidade, expressão de género e características sexuais foi criado em Portugal.

Um ano depois de ter sido implementado, 40% dos portugueses LGBT ainda se sentiam discriminados em alguma área da sua vida – um número não muito inferior aos 42% da União Europeia, segundo dados da FRA. A situação agrava-se quando olhamos para pessoas trans e intersexo. Uma em cada cinco revela que, nos últimos cinco anos, foi fisicamente ou sexualmente atacada – um valor que constitui o dobro dos outros integrantes da comunidade.

A estratégia nacional contempla ainda um plano de ação para a igualdade de género e outro para a prevenção e combate à violência contra mulheres (onde se inclui a violência doméstica).

A Comissão Europeia seguiu os mesmos moldes, tendo criado, ao longo deste ano, estratégias em matéria de direitos das vítimas, igualdade de género e combate ao racismo na UE.

Bruxelas acompanhará regularmente a execução das ações descritas na estratégia e promete uma revisão intercalar para 2023.

Artigo editado por Filipa Silva