Mais de 1.470 pessoas já assinaram a petição criada há um mês por quatro associações ambientalistas com o objetivo de salvar da destruição o Jardim de Sophia, no Porto, bem como 503 sobreiros em Vila Nova de Gaia, ameaçados pelas obras de expansão da rede da Metro do Porto.

As associações denunciam que os projetos de execução da Linha Rosa (que vai ligar a Estação de São Bento à Casa da Música) e da extensão da Linha Amarela (Santo Ovídio-Vila d’Este) não cumprem com algumas das condições previstas pela Declaração de Impacte Ambiental (DIA), com que Agência Portuguesa do Ambiente (APA) deu o primeiro aval aos projetos.

As quatro organizações de defesa do ambiente – Associação Cultural e de Estudos Regionais (ACER), Campo Aberto, Clube Unesco da Cidade do Porto e Núcleo de Defesa do Meio Ambiente de Lordelo do Ouro – reclamam à Metro do Porto que corrija os projetos de execução das obras para evitar os “graves” impactos “ambientais e patrimoniais” previstos.

Bloco de Esquerda e Os Verdes já levaram o assunto ao Parlamento. A Metro do Porto aguarda pelo visto do Tribunal de Contas e pela Declaração de Conformidade Ambiental do Projeto de Execução (DECAPE) da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) para avançar com as obras.

Reunião infrutífera

Os ambientalistas foram ouvidos pela Metro do Porto numa reunião que decorreu a 1 de outubro, mas não saíram do encontro com garantias. No comunicado que se seguiu à reunião, as associações agradeceram as explicações, mas reiteraram que a Metro do Porto “limitou-se a reafirmar a sua posição”, procurando persuadir estas organizações “da inevitabilidade das soluções por ela já decididas”.

Ivone Santos, associada da Campo Aberto, uma das associações signatárias, considerou, em declarações ao JPN, que a Metro do Porto está com pressa: “o que nos parece é que há financiamento da União Europeia. Houve um concurso, o financiamento foi atribuído, tem um prazo de validade e há sobretudo pressa de usar o dinheiro, de fazer obras, de dar trabalho, de fazer negócios, mais do que propriamente de satisfazer uma necessidade da cidade”, declarou.

As associações consideram que, no caso da Linha Rosa, tendo em conta a extensão do percurso e “o volume de passageiros em questão – tanto um elétrico rápido de superfície como um metrobus (conhecido também como bus rapid transit)” seriam opções “muito mais coerentes” e baratas do que a atual solução.

Depois do encontro com a Metro do Porto, as associações reuniram também “com a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia e com o presidente da Agência Portuguesa do Ambiente”, refere Ivone Santos, acrescentando que a única entidade que nunca respondeu foi a Câmara Municipal do Porto: “o que nos surpreende particularmente”, afirmou. A Rui Moreira as entidades dirigiram a 17 de setembro uma carta aberta sobre o tema, aproveitando um artigo de opinião sobre os jardins da cidade escrito no passado pelo autarca. 

Sobreiros em Gaia

No caso da Linha Amarela, que será alvo de expansão desde a Rotunda de Santo Ovídio até Vila d’Este, “a DIA determina a preservação integral do habitat de sobreiros do Monte da Virgem e a ”revisão do projeto” – dizem os ambientalistas no comunicado de 26 de outubro -, porque se trata de um habitat “de inegável valor ecológico e acrescentado valor sociocultural, educacional e paisagístico”. A DIA recomenda ainda que sejam identificadas, citam os ambientalistas, “alternativas mais favoráveis para a localização do parque de materiais, que também afeta vários exemplares de sobreiro.

No Relatório de Conformidade Ambiental do Projeto de Execução (RECAPE), com que a Metro do Porto respondeu à APA, prevê-se agora “o abate de 139 sobreiros de um total de 468, redução que foi possível após uma recontagem do número de exemplares e com o abandono do projeto de ampliação do parque de estacionamento”, consideram as organizações. 

A Campo Aberto revelou ao JPN que na reunião com o presidente da Metro do Porto, Tiago Braga, este referiu que, em contexto de obra, seria possível tentar poupar mais sobreiros ao que a associação responde: “estamos a ver que esta necessidade absoluta e imperativa de abater sobreiros é tão imperativa que até é possível em contexto de obra mudar o local onde os trabalhadores estão a fazer o muro para poupar os sobreiros e, portanto, isto parece uma brincadeira”, afirma Ivone Santos.

No caso da Linha Rosa, os ambientalistas garantem que a DIA obrigava a Metro do Porto a “compatibilizar a conceção da estação da Galiza com a preservação integral do Jardim de Sophia”, jardim “de autor” e “único na cidade do Porto”, mas a empresa terá decidido “desrespeitar” essa indicação, “apresentando a sua solução como inevitável, e argumentando que não vai destruir o jardim, mas reconstruí-lo. Este sofisma esconde que o jardim será de facto destruído”, dizem.

Ao JPN, a Campo Aberto insiste ainda que a construção desta linha é evitável: “a ligação Casa da Música-S. Bento é uma linha de pouco mais de 2 quilómetros, é curta. A própria linha Casa da Música-Trindade, que também faz a ligação a S. Bento, fica bastante próxima com estações a curta distância da linha que se pretende construir agora. Há outros meios também pouco poluentes como os autocarros ou até uma eventual recuperação da antiga linha de elétrico”, diz Ivone Santos.

Arquiteta “indignada”

No projeto de construção desta linha está em causa também o envolvimento da arquiteta paisagista Marisa Lavrador, autora do Jardim de Sophia que, em declarações ao jornal “Público”, acusa a empresa Metro do Porto de desrespeitar o seu direito de autoria daquele espaço ao não lhe ter dado a oportunidade de intervir no projeto. 

Vista no interior do Jadim de Sophia. Foto: CM Porto

“Em junho do ano passado, o gabinete do arquiteto Souto de Moura contactou-me para uma reunião comigo e com a Metro. Serviu para me informar que o jardim ia ser destruído. Fiquei indignada”, afirmou Marisa Lavrador à edição impressa do “Jornal de Notícias”.

Esta injustiça levou a arquiteta a voltar-se para a Câmara do Porto, conseguindo uma reunião com o vice-presidente Filipe Araújo, na qual também esteve presente o representante da Metro, o diretor de obras da empresa e Eduardo Souto de Moura, arquiteto responsável pela construção das estações subterrâneas da nova linha Rosa. Marisa Lavrador garantiu ao JN que dali não saiu um convite por parte do arquiteto responsável pelo projeto. No entanto, a Metro do Porto e o próprio Souto de Moura referiram ao mesmo jornal ter existido, mas esta terá declinado por faltar “muito pouco tempo”.

Assunto no Parlamento

No Parlamento, quer o Bloco de Esquerda quer o partido Os Verdes dirigiram perguntas formais sobre o tema ao ministro do Ambiente e da Ação Climática, João Pedro Matos Fernandes. 

Os Verdes exigem que o Governo dê garantias que a Metro do Porto vai cumprir a DIA na execução da Linha Rosa. Já o Bloco de Esquerda procurou saber se, confirmando-se a perspetiva de destruição do Jardim de Sophia e o abate de centenas de sobreiros em Gaia, se a autoridade de avaliação ambiental admite recusar os dois projetos.

Neste momento, a Metro do Porto aguarda pelo visto do Tribunal de Contas para avançar com as obras, às quais faltava, também, a Declaração de Conformidade Ambiental do Projeto de Execução (DECAPE) – o veredicto da APA à RECAPE, o qual deverá ser conhecido nas próximas semanas. 

Ivone Santos espera que a DECAPE “responda às exigências que a própria APA colocou na DIA dado o enorme contraste entre aquilo que foi exigido e aquilo que é apresentado no Relatório de Conformidade Ambiental do Projeto de Execução (RECAPE)”, relatório este que a associação considera “não de conformidade, mas que mais parece de desconformidade ambiental”.

Duas linhas custam 288 milhões

A Linha Rosa vai ser constituída por quatro estações e cerca de três quilómetros de via, ligando S. Bento/Praça da Liberdade à Casa da Música, “servindo o Hospital de Santo António, o Pavilhão Rosa Mota, o Centro Materno-Infantil, a Praça de Galiza e as faculdades do polo do Campo Alegre”, refere a Metro do Porto.

Já a Linha Amarela será alvo de uma expansão que permitirá construir um novo troço com três estações e cerca de três quilómetros, que ligará Santo Ovídio a Vila d’Este, passando pelo Centro de Produção da RTP e pelo Hospital Santos Silva.

O valor total destas obras acende aos 288 milhões de euros, sendo 189 milhões relativos à construção da linha Rosa e 98,9 milhões relativos à extensão da linha Amarela. As obras irão decorrer entre 2020 – se arrancarem ainda este ano – e 2023, tendo sido entregues por concurso público internacional ao consórcio luso-espanhol formado pela ACA – Alberto Couto Alves, S.A. e pela Ferrovial Agroman, S.A..

Artigo editado por Filipa Silva