Um dos grandes entraves ao jornalismo é a propagação de fake-news. Num mundo globalizado, a preponderância das redes sociais é cada vez mais significativa e tem contribuído para a degradação de uma boa prática jornalística. Foi este o mote do debate entre Adrienne LaFrance (The Atlantic) e Matthew Kaminski (Politico). Na opinião da jornalista, “o jornalismo está a perder a guerra com o Facebook”.

Por entre este cenário mais sombrio, encontram-se ainda alguns raios de luz e de otimismo. As novas tecnologias têm permitido uma “aproximação das histórias locais a todo o globo”, diz-nos Tony Karon (AJ+). A cada vez mais robusta panóplia de ferramentas de pesquisa permitiu também que o jornalismo de investigação seja mais acessível e sustentável, segundo Eliot Higgens (Bellingcat).

Dentro da discussão sobre a crise climática, há opiniões muito divergentes sobre as soluções a adotar. Ana Salcedo (Zero Waste Lab) acredita que “só com uma economia mais comunitária” é que se resolve as questões relacionadas com o consumismo. Já Bill Gross (Heliogen) tem mais fé no capitalismo, não por razões morais, mas pelo simples facto de uma economia verde ser mais lucrativa. Ainda assim, há algo que é consensual na luta contra as alterações climáticas: a tecnologia é fundamental.

A luta contra as fake news

A Web Summit 2020 voltou a abrir as suas portas virtuais, depois de um primeiro dia cheio de painéis, debates, Q&A, masterclasses e roundtables.

A luta contra as fakenews esteve na ordem do dia e foi um dos destaques no Canal 3 da plataforma, dedicado a temas sociais. James Ball, editor no Bureau of Investigative Journalism, mediou o debate entre Adrienne LaFrance e Matthew Kaminski, no qual os jornalistas abordaram a guerra que se tem desenrolado entre o bom jornalismo e a propagação de desinformação.

É verdade que não são temas novos no evento, mas a sua relevância é incomensurável e este ano há uma agravante – a pandemia de COVID-19 – que torna imprescindível a perceção sobre como é que os jornalistas podem continuar a fazer o seu trabalho, numa era em que todos podem ser editores na internet.

Baixa literacia

Adrienne LaFrance Foto: D.R.

Na opinião da editora executiva da revista “The Atlantic”, fundada em 1857, em Boston, nos Estados Unidos da América, o Facebook tem ganho uma notoriedade preocupante, contribuindo para que a desinformação cavalgue a um ritmo incontrolável. Adrienne LaFrance acrescenta que os jornalistas e os cidadãos estão a atravessar uma fase de necessidade de redefinição, pois “há quem viva numa bolha e considere que aquilo em que acredita é verdadeiro, mas é falso”.

Lembra, igualmente, a existência de canais online, nos quais não interessa a qualidade de informação que é difundida “seja sobre vacinas ou fraude eleitoral”. Este facto apresenta-se como um revés para o bom funcionamento do quarto poder, ainda mais quando se trata de assuntos relacionados com a saúde pública.

“Há uma enorme audiência que quer acreditar naquilo”, lamenta Adrienne LaFrance, dando o exemplo das múltiplas teorias da conspiração geradas em torno das vacinas contra a COVID-19. Neste espectro, diz ser “muito preocupante ver que as pessoas não acreditam na ciência e nas instituições”, tornando-se “uma questão de vida ou de morte”.

Matthew Kaminski

Já Matthew Kaminski, editor-chefe do site “Politico”, afirma que as teorias da conspiração existem desde sempre”, porém, como nos dias de hoje “qualquer pessoa com Internet pode ser um editor de notícias”, alcançando milhões de pessoas, instantaneamente, têm ganho cada vez mais expressão. A desinformação está cada vez mais acessível, a quem a produz, dissemina e consome.

Matthew afirma que este problema crescente tem feito do mundo um local “muito ruidoso, uma enorme praça pública cheia de ruído”, sendo difícil para os jornalistas alterarem este rumo. O jornalista norte-americano destacou, ainda que, é fundamental retornarmos “aos princípios base” do jornalismo, para caminharmos no sentido do sucesso democrático.

Local torna-se global

Nem tudo o que a tecnologia trouxe ao jornalismo é negativo. Possibilitou, igualmente, a difusão de histórias locais para todas as partes do globo. Eleanor Mills coordenou o painel sobre os desafios de uma informação cada vez mais internacional, que contou com a presença de Tony Karon (AJ+), Laura Lucchini (Ruptly) e Adriaan Basson (News24).

Laura Lucchini acredita que, apesar do domínio de tópicos quase omnipresentes como os relativos a “Trump” e à “COVID-19”, “foi possível explorar e contar histórias íntimas e locais de todo o mundo”. A jornalista que debateu a partir da capital alemã, Berlim, destacou a importância deste facto, uma vez que todos estavam a viver, e a atravessar a mesma situação, permitindo uma empatia sem fronteiras.

E mais do que o presidente norte-americano ou a pandemia do século, a verdade, notou, é que as histórias mais impactantes e que tiveram mais sucesso foram as relacionadas com a explosão de Beirut.

Adriaan Basson afirmou que o News24, um site sul-africano de notícias, aproveitou da melhor forma as capacidades da inovação tecnológica. No que diz respeito aos comentários referentes a cada notícia, criaram, em conjunto com outra empresa, um sistema de inteligência artificial, de forma a eliminarem automaticamente “comentários tóxicos, sexistas, etc.” Um novo paradigma que tem permitido uma evolução latente na difusão de conteúdos noticiosos.

Ferramentas para o jornalismo de investigação

Eliot Higgins Foto: D.R.

Continuando com a onda daquilo que de bom a tecnologia trouxe ao jornalismo, Eliot Higgins, fundador da Bellingcat, site de jornalismo de investigação especializado em verificação de factos, falou um pouco sobre o tipo de jornalismo que pratica. Trabalha apenas com informação de fontes abertas ou “open source”, que acredita serem muito mais transparentes.

Tendo em conta que apenas usa informação que está disponível para o público geral, Eliot Higgins acredita que “consegue criar uma relação de confiança muito maior com os leitores”, porque as fontes estão identificadas e são públicas.

Aquilo que a tecnologia trouxe ao seu trabalho foi o facto de poder usar todas as ferramentas disponíveis. O jornalista recordou que “quando começou, não tinha dinheiro nenhum, e que por isso ferramentas básicas como o Google Search e as redes sociais foram cruciais”.

O caminho para o zero desperdício

Ana Salcedo Foto: D.R.

As gigantes quantidades de lixo que o ser humano produz todos os dias são uma das grandes ameaças à vida na Terra. Ana Salcedo é co-fundadora da Zero Waste Lab, associação sem fins lucrativos sedeada em Lisboa. O seu maior objetivo é consciencializar as pessoas para os problemas atuais do nosso sistema de consumo, para que estas se tornem “agentes da mudança” rumo ao desperdício nulo.

Numa mesa aberta virtual, com a possibilidade de participação do público mediante prévia inscrição, foi abordado o tema de “Como um futuro de zero desperdício pode-se tornar acessível. Mesmo com a abertura de muitas lojas “zero-waste”, existe ainda o problema da distribuição dos produtos. Ana Salcedo acredita que ainda faltam mecanismos estes espaços em contacto direto com os produtores.

Existem também muitas práticas que, tendo a aparência de ser sustentáveis, nunca podem ser o objetivo final, segundo Ana Salcedo. Deu, a título de exemplo, a substituição de materiais nas embalagens: “não é particularmente a melhor opção”, afirmou. Em vez de usarmos outras matérias-primas supostamente mais amigas do ambiente, devíamos “mudar completamente a forma como vemos a embalagem de produtos”, argumentou.

Ana Salcedo também não concorda que a transformação de lixo em energia seja uma solução para o desperdício. Mais uma vez, prefere focar-se no problema estrutural do consumo excessivo. Aqui, apresenta uma possível solução: o regresso a uma economia mais comunitária. Questiona a necessidade de toda a gente ter, por exemplo, uma máquina de lavar roupa em casa, e sugere o modelo norte-americano de “cada prédio ter uma máquina de lavar para ser partilhada por todos”.

Ana Salcedo realçou ainda a importância da educação social em relação ao zero desperdício. A grande maioria da população não sabe como fazê-lo, e o “ensino é fundamental”. Mas o ensino em si não chega, segundo a ativista. Mesmo para quem já sabe que práticas de consumo e de desperdício adotar, o seu “elevado custo afasta muitos daqueles que têm rendimentos mais baixos”.

Neste sentido, considera que é fundamental a intervenção do Estado. Incentivos fiscais, limitações à produção e mais regulamentação em geral são algumas das medidas necessárias, segundo Ana Salcedo.

A tecnologia para que grandes empresas diminuam o seu desperdício já existe, segundo uma das pessoas que se juntou à conversa, e estas sabem da sua existência. Contudo, mais uma vez, os entraves financeiros impedem ou pelo menos dificultam que seja de facto levada a cabo a mudança que é necessária.

Capitalismo verde?

Enquanto muitos, como a própria Ana Salcedo, têm muitas dúvidas que o capitalismo possa ser a solução para a crise climática, Bill Gross, empresário norte-americano, não podia discordar mais.

Em conversa com David Morris, da “Fortune”, o CEO da Heliogen contou como foi enriquecendo ao longo dos anos com uma série de start-ups viradas para tornar a economia mais verde, e acredita veementemente que este é o caminho mais acertado.

A primeira empresa que criou dedicava-se a energias renováveis, numa altura em que o setor do petróleo estava em crise. Aquilo que reparou foi que, para além dos benefícios ambientais, teve grande sucesso ao nível financeiro. Afirma com toda a confiança que, hoje, a “energia renovável mais barata tem um custo muito mais reduzido do que qualquer combustível fóssil”.

As suas empresas sempre tiveram uma forte ligação à tecnologia. Bill Gross afirma que “procura sempre uma solução dentro do mundo da tecnologia para um grande problema do mundo”, e que o grande papel da inovação tecnológica é reduzir o custo de entrada no mercado.

Cada vez mais investidores estão a apostar em energias renováveis, explica o empresário. “Não pelos valores morais, mas sim porque os retornos financeiros estão a ganhar uma expressão crescente”, tanto a longo como a curto-prazo.

Questionado sobre o Green New Deal, legislação proposta por uma série de agentes políticos progressistas norte-americanos, Bill Gross afirma que a energia verde é, neste momento, a “maior oportunidade de criação de emprego” nos EUA. Enquanto que muitos acham que o investimento necessário para esse Pacto não vai ter retorno, o empresário acredita que essa conceção está completamente errada, e que não só vai trazer milhões de novos postos de trabalho, como também “irá gerar o dinheiro que nele foi investido”.

A Web Summit 2020 termina esta sexta-feira.

Artigo editado por Filipa Silva