Ana Queirós é atriz, produtora e professora de teatro musical. Estudou na Academia Contemporânea do Espetáculo, uma escola profissional de teatro no Porto, onde concluiu o ensino secundário. No ensino superior, seguiu Ciências da Comunicação, curso em que se formou, mas a paixão era outra: “fiquei-me pelo teatro, sempre”, diz em entrevista ao JPN.

O teatro musical, explica-nos, é composto por três valências: o teatro, a dança e a música. “Só quando estas três se combinam é que falamos em teatro musical. Às vezes, há teatro musical sem dança, mas o movimento está sempre associado”, remata.

“O teatro musical exige trabalho em três áreas distintas e isso faz com que a formação tenha de ser maior e mais intensa. Costuma-se chamar às pessoas que têm formação nas três áreas triple threats [ameaças triplas]. [São profissionais que] juntam as três áreas de forma exímia”, prossegue.

Com 27 anos, Ana Queirós faz teatro há uma década. A parte da encenação e as aulas apareceram na sua vida contra a vontade, mas garantem-lhe, atualmente, a maior parte do seu trabalho. Dessa polivalência que foi construindo faz ainda parte a produção de espetáculos, como freelancer. “Eu sou uma ave sem poiso”, brinca. Hoje produz espetáculo para outros, “quase por encomenda”, no futuro, quem sabe, chegará o dia de escrever a sua peça original.

Ana Queirós em entrevista ao JPN.

Como atriz, já perdeu a conta aos espetáculos que fez. “Madagáscar”, “Grease – O Musical”, “A Missão de Natal”, “A ilha do Tesouro” são apenas alguns exemplos. Mas o papel que mais lhe deu prazer fazer foi de outro musical: “No ano passado, estive a fazer o ‘Peter Pan no Gelo’. Eu era um dos piratas e havia duas Wendys, para quando uma não pudesse, a outra vir. Acontece que, no mesmo dia, as duas Wendys ficaram doentes. Portanto, tínhamos duas salas cheias de mil e tal pessoas cada uma e, de repente, não tínhamos Wendy. Então, ligaram-me às seis e meia da manhã a perguntar, como tinha sido eu a escrever a peça, se poderia fazer o papel. Foi uma loucura, mas a verdade é que, passadas duas horas e meia ou três horas, eu estava em cima do palco vestida de Wendy com uma equipa incrível a apoiar-me de uma forma que eu nunca saberei agradecer e fiz de Wendy nesse dia. Ainda acabei por fazer mais alguns espetáculos [na personagem]. E, portanto, foi um papel que me marcou muito.”

Teatro musical no Porto e em Portugal

O curso de teatro musical não existe como curso de formação profissional em Portugal. Existem cursos certificados, como os que Ana leciona em academias do Grande Porto, mas estes não atribuem um “nível 4, 5 ou 6”. A alternativa, para muitos, está na capital britânica.

“Claro que há muita gente que foge daqui, porque tem possibilidades de ir estudar para Londres”, conta a portuense. Contudo, relembra: “Ir estudar para Londres não é uma decisão em que tu estalas um dedo e vais”. Os custos são muito avultados e a concorrência entre aspirantes e atores especializados é enorme, em matéria de teatro musical, em cidades como a capital britânica ou Nova Iorque, por exemplo.

A atriz conta que muitos vão estudar para o estrangeiro e ficam nesses destinos a trabalhar, mas muitos também regressam a Portugal. “Não te consigo dizer se há mais gente a voltar ou mais gente a ficar”, afirma, enquanto reflete sobre o maior mercado também exigir maior nível dos seus profissionais, pelo que “aquilo também está muito lotado”. Por outro lado, “há muita gente em Portugal a fazer teatro musical sem curso, e quem diz teatro musical diz teatro”.

A professora reconhece muito interesse nos seus alunos em ir estudar para o estrangeiro: “Sinto que se houvesse o curso cá, queriam todos e, como não há, querem todos ir para Londres”.

Apesar de inexistente como curso de formação profissional, existe como atividade extracurricular em muitas academias. “Escolas que tenham teatro musical uma vez por semana há muitas”, conta Ana Queirós que é diretora artística do curso de teatro musical numa delas – a Academia BeSmart em Vila Nova de Gaia – que tem a particularidade de ter aulas para crianças desde tenra idade três vezes por semana. Na perspetiva da professora, esta maior carga horária é benéfica: “em vez de começarem aos 15 anos a levar isto a sério, começam aos cinco”.

Sem querer desvalorizar quem se inicia na área aos 20 anos e, apesar de isso ser recorrente em Portugal, a atriz refere que essa é a principal diferença em relação ao estrangeiro, onde é mais frequente a formação desde cedo. Deste modo, é apologista desta intensificação da formação entre as crianças – dar-lhes todas as ferramentas para estarem completamente aptas a seguir o teatro musical se esse for o seu desejo.

A era Covid na Cultura

O vírus SARS-CoV-2 afetou a vida de toda a gente e, provavelmente, todas as áreas da economia, mas “afetou a cultura drasticamente”, afirma Ana Queirós. Esta conjuntura é especialmente triste para a profissional de teatro musical, porque, diz, após tempos em que se verificou perda de interesse do público pelo teatro em benefício do cinema, a situação parecia estar a reverter-se: “A malta estava a ir ao teatro”, enfatisa.

Relembrando o musical “Grease”, que esteve em 2018 no Casino Estoril “três meses [com] casa cheia” e, mais recentemente, “Chicago” que esteve vários meses no Teatro da Trindade, em Lisboa, sempre esgotado, considera que a situação para a qual o teatro estava a caminhar era “ótima”, de modo que a pandemia “veio abalar tudo”.

Por sua parte, Ana Queirós tem-se focado no trabalho como professora, até porque, desde o início da pandemia, o regresso ao palco ainda não aconteceu: “Eu sempre trabalhei em teatro o ano inteiro, e ainda não voltei”. Contudo, garante que as medidas de segurança estão a ser respeitadas: “as salas estão a 50%, às vezes, 30%”, há distância social e uso obrigatório de máscara. O maior problema é o medo por parte do público: “Contra o medo, é muito difícil lutar”, diz. Precisamente para se combater esse medo, a Associação Portuguesa de Promotores de Espetáculos, Festivais e Eventos criou a campanha “A Cultura é segura”.

Sobre o futuro, a profissional de teatro musical revela incerteza. “A COVID ensinou-nos a não fazer grandes planos sobre aquilo que desconhecemos e eu estou a começar a desconhecer os sítios onde eu piso”. A situação é preocupante para todo o setor da Cultura e a atriz, produtora e professora teme pelos colegas de profissão: “Eu não sei o que vai ser da cultura. Eu não sei o que vai ser do meu trabalho. Não sei o que vai ser dos artistas que não fazem outra coisa e não têm de o fazer, porque são formados para fazer uma”, rematou.

Artigo editado por Filipa Silva