A Segurança Social e a relação que mantém com o Terceiro Setor estiveram em destaque na reunião pública do Executivo da Câmara Municipal do Porto desta segunda-feira (12), com manifestações de preocupação da esquerda à direita, reptos de intervenção junto do Governo e a suspeita de que o somatório de encerramentos que têm vindo a público aponta para um problema maior do que a soma das partes.

Em causa, o anúncio de fecho de mais uma creche no centro histórico do Porto por problemas financeiros. Depois de o Centro Social e Paroquial de Cedofeita ter anunciado o encerramento da creche e do pré-escolar – que servia mais de 100 crianças – e da Obra Diocesana ter ameaçado fazer o mesmo com quatro ATL, agora é a vez da Associação Criança e Vida (CEV), localizada na Rua de Miguel Bombarda, informar os vereadores que vai fechar portas a 31 de agosto.

Luísa Magalhães, da Comissão de Gestão da CEV, inscreveu-se no tempo reservado aos munícipes para dar conta da situação aos vereadores, alertando para “o problema social que se vai levantar naquela zona”. A creche da instituição tem 35 crianças e a CEV presta apoio alimentar a 20 famílias carenciadas. À lista de lesados com o fecho, há que juntar 13 funcionários que ficam no desemprego.

A responsável assumiu que a situação financeira da instituição é difícil, mas garantiu que a Comissão de Gestão tinha um plano de recuperação: reativar o serviço de apoio ao domicílio que a CEV já teve e alargar o número de vagas da creche, a única valência que tem neste momento a funcionar. A ideia era acolher mais dez crianças, “que ocupariam a instituição a título particular. Há uma flexibilidade quanto a preços e quanto a mensalidades que estudamos. Estas dez crianças podiam fazer com que o défice não fosse tão grande”, explicou, na reunião de Câmara, Luísa Magalhães. Mas o alargamento da oferta ainda não passou na Segurança Social.

Uma questão de acessibilidades

Em 2018, a CEV entregou à Segurança Social um projeto de remodelação de instalações, projeto que já contemplava o aumento da capacidade da creche para mais dez crianças. O projeto mereceu pareceres favoráveis de todas as entidades competentes – Administração Regional de Saúde do Norte, Autoridade Nacional de Proteção Civil e Câmara Municipal do Porto -, mas não da Segurança Social. Em concreto, recebeu pareceres desfavoráveis da Unidade Técnica de Arquitetura e Engenharia (UTAE) da Segurança Social. Uma espécie de pelouro do urbanismo da Segurança Social, com decisão autónoma, como explicou o vereador Fernando Paulo, da Coesão Social, na reunião da autarquia.

Motivo do “chumbo”? “As acessibilidades. Os edifícios da instituição não cumprem todas as especificidades que a lei prevê nessa matéria. Este edifício está situado na Rua de Miguel Bombarda nº 57, é um edifício de interesse municipal e de interesse público, está numa zona protegida, na zona velha da cidade do Porto. A lei prevê exceções. Exceções em que o nosso edifício se enquadra. E é nessas que se baseiam os pareceres favoráveis das entidades”, explicou depois, com maior detalhe, Luísa Magalhães, ao JPN.

Esse não é, contudo, o entendimento do arquiteto da UTAE que analisou o projeto, pelo que a CEV insistiu, junto da Segurança Social, “para que temporariamente e excecionalmente, até que o projeto fosse aprovado, pudéssemos utilizar uma sala onde já estiveram 22 crianças [em 2018] com as dez que precisamos agora.”

Realizadas duas reuniões em maio, entregues requerimentos e documentos com o propósito de justificar essa “excecionalidade”, a 25 de junho, a CEV recebeu um ofício da UTAE: “voltam a pedir que enviemos os documentos todos que já enviamos e pretendem que a gente faça um novo projeto. Nós temos um projeto feito desde 2018. Não vamos fazer um novo projeto só porque precisamos de uma sala para dez crianças. Não faz sentido”, comenta Luísa Magalhães.

A sala em questão tem cerca de 60 metros quadrados e, até 2018, acolheu 22 crianças do nível pré-escolar, valência que na CEV, entretanto, fechou.

A um mês e meio do anunciado fecho de portas, as esperanças de que o processo seja revertido são poucas. E Luísa Magalhães lamenta que a autarquia não tenha tomado para a CEV a decisão que tomou para a Obra Diocesana de Promoção Social: a de aprovar um apoio financeiro excecional que garantisse a manutenção das portas abertas até que a situação na Segurança Social fosse desbloqueada.

O problema, garante, vai alastrar: “A minha ida à reunião de câmara foi para ver se conseguíamos alguma ajuda, mas foi também no sentido de alertar para este problema social, porque isto não se passa só com a nossa instituição. Há outras que podem aguentar mais um ano ou dois, mas as instituições vão começar a fechar se nada for feito.”

Na reunião de câmara, o vereador Fernando Paulo informou o Executivo que, em conjunto com a Segurança Social do Porto, já terão sido encontradas alternativas “para todas as crianças com exceção de 13” – serão cerca de centena e meia as crianças afetadas pelo fecho das duas instituições de Cedofeita -, mas Luísa Magalhães acredita que serão mais as que não têm ainda uma solução. “Há muitas famílias que não sabem onde pôr os filhos”, assegura.

Moreira escreve a Ana Mendes Godinho

Ilda Figueiredo, da CDU, que lembrou a meia centena de postos de trabalho que resultarão destes dois encerramentos, considerou “inadmissível” o que se está a passar na cidade e por isso sugeriu a Rui Moreira que a Câmara do Porto “peça uma reunião à ministra da Segurança Social com urgência” para analisar a situação.

Rui Moreira concordou contactar a ministra Ana Mendes Godinho, por carta, com o conhecimento da vereação, mas antecipa a resposta: “Vai mostrar toda a simpatia e compreensão, mas vai dizer-me que não se vai sobrepor aos serviços”, comentou.

O autarca reclamou, por isso, que competências de “licenciamento”, como as que estão em causa na Criança e Vida, deviam passar para as autarquias, defendendo que essas sim são matérias que deviam ter sido previstas pela descentralização.

Álvaro Almeida, do PSD, responsabilizou diretamente a ministra pelo encerramento da CEV e considerou que há “uma decisão política” mais ampla que prejudica o Terceiro Setor: “Eu admitia que houvesse erros de gestão numa instituição. Agora, quando vejo três instituições ao mesmo tempo com problemas idênticos, eu começo a desconfiar que o problema não está nas instituições, mas na Segurança Social”.

A diminuição dos apoios dados por mecenas – “com a pandemia desapareceram”, conta Luísa Magalhães – e o desencontro entre as transferências da Segurança Social e os custos das instituições com os utentes são fatores apontados para a situação atravessada por muitas Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS): “O modelo de financiamento existente para os acordos de cooperação, basicamente, cobre 65% daquilo que são as despesas [com o utente]. E os restantes 35% têm que ser encontrados ou no financiamento das famílias ou no mecenato. E, de facto, ao serem encerradas estas respostas, o Estado não cria alternativas”, disse ainda a propósito o vereador da Coesão Social.

Das três situações conhecidas, a Câmara vai evitar, por um ano, o encerramento de uma: os quatro ATL da Obra Diocesana de Promoção Social, a maior IPSS da cidade, com “mais de dois mil utentes”, segundo Fernando Paulo. O Executivo aprovou, por unanimidade, a atribuição de um apoio à instituição para garantir o funcionamento dos centros de atividades, mas será só por mais um ano uma vez que a instituição informou a autarquia “que não tem interesse em continuar com esta resposta” nos anos seguintes.

“Parece-nos que estes quatro ATL são fundamentais nas zonas onde estão. Encontraremos respostas alternativas”, assegurou ainda o vereador da Coesão Social.