“Aqui, é o Teatro Experimental do Porto.” Gonçalo Amorim já ensaia a apresentação, depois de a Câmara Municipal do Porto ter aprovado, na segunda-feira, a cedência à companhia de um edifício de dois pisos no antigo CACE Cultural do Porto, em Campanhã. “Isso mesmo. Uma casa. E poder dar-lhe esse nome: ‘Aqui, é o Teatro Experimental do Porto’”. Ao cabo de muitos anos de errância, alguns deles fora do Porto, a companhia mais antiga do país volta a ter uma morada única na sua cidade.
“Esta decisão significa que vamos finalmente ter um espaço onde podemos reunir praticamente tudo. Passamos a ter uma sede que está em boas condições, que poderá ter sala de ensaios, e que poderá ter escritório, espaço para o arquivo, acervo, figurinos e material técnico… só não temos ainda capacidade de armazenagem das nossas cenografias”, explica o diretor artístico do TEP ao JPN.
De facto, dispersão é palavra que assenta bem no atual figurino da companhia: biblioteca, fonoteca e videoteca depositadas nos Fenianos Portuenses; as “obras de arte” do “muito valioso” acervo guardadas no Teatro do Campo Alegre; escritório e arquivo na Cooperativa do Povo Portuense; e os materiais de cenografia e luzes alojados num armazém da zona do Covelo.
Com a aprovação da cedência na reunião do Executivo de segunda-feira (12) e a assinatura do contrato esta quarta, as chaves devem ser entregues nos próximos dias. O antigo edifício administrativo inserido no complexo do CACE Cultural, onde até há bem pouco tempo funcionou o Instituto do Emprego e da Formação Profissional, poderá assim acolher o TEP nas próximas semanas.
“Como o edifício, de uma forma geral, está em boas condições, assim que tenhamos contrato de água e luz poderemos iniciar as limpezas e quando o espaço estiver limpo, iniciar as mudanças. Eu penso que em setembro podemos ter ali uma inauguração”, estima Gonçalo Amorim.
Além da logística, a mudança terá implicações mais vastas: “Permite-nos ensaios, a possibilidade de maiores interlocuções com outros artistas e companhias da cidade, maior facilidade de acesso ao nosso espólio e de o estudar também. (…) Mas é sobretudo esta possibilidade de ter uma sala de estar para reunir a nossa comunidade, porque somos uma associação que ainda conta com 250 sócios! Ainda não é um espaço de apresentação, aí continuamos a contar com o apoio do Teatro Municipal do Porto para as coproduções que temos feito com eles, não é um teatro, mas é uma casa e isso faz toda a diferença do ponto de vista da dignidade da estrutura e da relação comunitária que se pode estabelecer ali, naquele espaço”, reflete Amorim.
A procura de casa
O TEP completou 68 anos a 18 de junho último. Amorim vê-o como uma “visão” da cidade e dos seus intelectuais que, na segunda metade do século XX, montaram um teatro “contemporâneo, moderno e experimental”, em cujo espólio se inserem “obras de arte” de autores como António Pedro, Augusto Gomes, Ângelo de Sousa, José Rodrigues ou Júlio Resende.
Chama-lhe por isso “uma espécie de polo museológico do Teatro a Norte”, por onde passaram atores e autores de renome e obras de relevo nacionais e estrangeiras. Mas como em todas as histórias ricas, a do TEP também experimentou os seus reveses, e em 1994, a Sala Estúdio que a companhia ocupava na ex-Escola Académica esfumou-se num incêndio, condenando a companhia à itinerância. Sem poiso certo no Porto, o TEP acabou por mudar-se, na viragem do século, para Vila Nova de Gaia.
Amorim foi convidado a dirigir o teatro, pela primeira vez, em 2010. Recusou a direção na altura, mas aceitou encenar a “Morte de um Caixeiro Viajante”, de Arthur Miller, “a partir da visão que o [histórico diretor] António Pedro tinha tido do espetáculo”. Foi “uma homenagem a uma companhia de que o meu avô foi fundador”, conta-nos.
Depois, “o TEP vai-se entranhando, é um cliché, mas é verdade”, e em 2012, Gonçalo Amorim assume a direção artística da companhia que descreve como ventre de formação de outras companhias e atores, como um teatro “colaborativo” e “aberto a outros encenadores”, como uma organização que busca “os melhores” e que tem “bons parceiros”.
As “pazes” com o Porto começaram a fazer-se com a mudança política na autarquia em 2013. Começaram depois as coproduções com o Teatro Municipal do Porto e a transferência “dos cangalhos” da companhia, pouco a pouco, mas em definitivo, para o lado norte do rio. “Ao mesmo tempo, nunca se conseguiu encontrar uma solução consensual e política para a reunião deste valioso espólio”, recorda. Até agora.
“O gráfico de sensações é, por isso, imenso”, conclui Gonçalo Amorim. E nesse quadro, encontrar uma casa para mais num complexo que se prevê renovado em 2023, “é rejuvenescer, é descanso para a cabeça, para a criatividade.” “Apesar que fazer teatro”, como remata o encenador, “será sempre muito difícil. Confortável, nunca será. Se quiseres inquietar os outros, tens de estar de alguma forma inquieto. E é isso que nós tentamos manter, mesmo agora com este maior conforto”.