Morreu o antigo Presidente da República Jorge Sampaio. O antigo governante faleceu no Hospital de Santa Cruz, em Lisboa, onde estava internado desde o dia 27 de agosto com problemas respiratórios. Tinha 81 anos. A notícia foi avançada esta sexta-feira (9) à Agência Lusa por fonte da família.

Jorge Fernando Branco de Sampaio, nascido em Lisboa a 18 de setembro de 1939 – estava a dias de completar os 82 anos – foi, no decurso de toda a sua vida, uma figura com forte intervenção política e cívica, tendo ocupado vários cargos de relevo no plano nacional e internacional. Era atualmente presidente da Plataforma Global de Assistência Académica de Emergência a Estudantes Sírios.

O advogado de formação iniciou a sua carreira política ainda na juventude, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL), onde se licenciou em 1961. Como presidente da Associação de Estudantes da FDUL e da RIA-Reunião Inter-Associações Académicas foi protagonista da Crise Académica de 1962 que ficou para a história como um primeiro forte abalo nas fundações do Estado Novo. A luta contra o regime salazarista marcou a sua juventude, tendo defendido vários presos políticos nos primeiros anos em que exerceu a advocacia.

Depois do 25 de Abril de 1974 manteve uma intensa atividade política. Foi fundador do Movimento de Esquerda Socialista e, mais tarde, do grupo de reflexão Intervenção Socialista. Em 1978, aderiu ao Partido Socialista, formação política a cuja história ficará ligado.

Estreou-se como deputado à Assembleia da República em 1979 e presidiu ao grupo parlamentar do PS entre 1986 e 1987. Dois anos depois, chegou à presidência da Câmara Municipal de Lisboa derrotando nas urnas, em histórica coligação com o PCP, o atual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. Em 1993 foi reeleito para o mesmo cargo.

Ainda em 1989 chegou a Secretário-Geral do PS, cargo em que se manteve até 1992.

Em 1995, deixou a presidência da autarquia lisboeta para se candidatar à Presidência da República. Venceu em 1996 o adversário, Aníbal Cavaco Silva, à primeira volta. Foi reeleito em janeiro de 2001, cumprindo dois mandatos no Palácio de Belém. Esteve no cargo até 2006.

O segundo mandato de Jorge Sampaio foi particularmente conturbado. Em 2001, convocou eleições legislativas antecipadas na sequência da demissão do então primeiro-ministro António Guterres, que saiu depois de uma derrota do PS nas eleições autárquicas desse ano. Três anos depois viu-se a braços com a saída de outro primeiro-ministro – Durão Barroso – que deixaria o país para presidir à Comissão Europeia. Apesar de num primeiro momento ter optado por autorizar o PSD a formar um novo governo, liderado por Santana Lopes, o então Presidente haveria de recuar na decisão e dissolver a Assembleia da República em finais de 2004. No ano seguinte, o Partido Socialista, já com José Sócrates ao leme, conquistaria a sua primeira maioria absoluta em democracia nas legislativas desse ano.

Os processo de independência de Timor Leste e de passagem da Região Autónoma de Macau para a China foram outros momentos de destaque na sua presidência, que contemplou também a realização da Expo 98 ou da polémica Cimeira das Lajes.

Democrata, humanista, “um homem bom”

A capacidade de se emocionar em público foi uma das marcas que o antigo Presidente da República deixou. Não raras vezes, os portugueses viram lágrimas assomar-lhe aos olhos. Essa sensibilidade que os mais próximos lhe reconhecem e destacam nunca secou, tendo Jorge Sampaio dedicado a sua vida pública, sobretudo despois de deixar a Presidência da República, a várias causas humanitárias.

Logo em 2006 foi nomeado como Enviado Especial do Secretário-Geral das Nações Unidas para a Luta Contra a Tuberculose. No ano seguinte, foi nomeado Alto Representante da ONU para a Aliança das Civilizações.

Em 2013, funda o projeto pelo qual deu a cara nos últimos anos: a Plataforma Global para os Estudantes Sírios, um mecanismo de apoio de emergência que providencia bolsas de estudo a estudantes oriundos da Síria – país em guerra civil desde 2011 – para que prossigam estudos superiores em Portugal.

Ex-Presidente da República é o rosto da Plataforma Global para Estudantes Sírios.

O antigo Presidente da República esteve em  2019 na UP como presidente da Plataforma Global de Assistência Académica de Emergência a Estudantes Sírios. Foto: Catarina Moscoso

Segundo um balanço que apresentou em dezembro de 2019 na Universidade do Porto – uma das entidades que acolhe estes estudantes e que lhe atribuiu o doutoramento honoris causa em 2015 – já passaram por este programa mais de 400 jovens que foram integrados na sociedade portuguesa sem grandes dificuldades e que concluíram os estudos.

Em agosto, num artigo que publicou no jornal “Pùblico” anunciava um novo passo neste projeto: a vontade de alargar estas bolsas de estudo de emergência a estudantes de outras geografias em crise, nomeadamente do Afeganistão, atualmente no centro do furacão mediático. Escreveu nesse artigo uma frase profusamente citada nessa semana: “A solidariedade não é facultativa, mas um dever que resulta do artigo 1.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos”.

Dezenas de personalidades e instituições deram já nota do seu pesar pelo falecimento do advogado, político e defensor dos Direitos Humanos. O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa fez esta manhã uma declaração em Belém e o primeiro-ministro António Costa também se pronunciou. A Universidade do Porto (de que o JPN faz parte) divulgou uma nota de homenagem, destacando o “papel relevantíssimo” de Jorge Sampaio “na integração de jovens refugiados nas universidades e politécnicos portugueses, uma missão a que se dedicou apaixonadamente”, recordando o honoris causa que lhe atribuiu em 2015 “pelo contributo social e exemplo cívico que Jorge Sampaio hoje nos deixou como legado.”

Numa frase, a arquiteta Helena Roseta resumiu, aos microfones da Antena 1, o espírito que tem presidido às dezenas de reações entretanto veiculadas: “Morreu um homem bom”.

O Governo decretou hoje três dias de luto nacional pela morte de Jorge Sampaio, que se cumprirão entre sábado e segunda-feira. Sobre as cerimónias fúnebres, devem ser conhecidas ao longo do dia mais informações.