Os livros de poesia e de teatro que habitavam há 18 anos as estantes altas de um pequeno espaço nas Galerias Lumière têm uma nova casa. A Poetria, a única livraria dedicada em exclusivo a estes temas na Península Ibérica, mudou-se esta semana para uma nova loja no número 115 da Rua de Sá de Noronha, a 100 metros da anterior, num espaço cedido pela Câmara Municipal do Porto (CMP).

A mudança tornou-se inevitável quando os donos da livraria, Francisco Reis e Nuno Pereira, receberam mais uma notificação por parte da administração das Galerias, que os obrigava a sair em poucos dias. Desde o final de 2019, que a administração pressionava os lojistas para deixarem os espaços ainda em atividade, de forma a transformar o edifício num hotel. Os donos da Poetria recursaram sair em altura de pandemia. Diziam que era “impossível” fazê-lo com o dinheiro que tinham.

A preocupação de antes é agora substituída por sorrisos de satisfação nos rostos dos proprietários. As pessoas vão entrando e saindo, curiosas para conhecer o espaço depois do anúncio da abertura nas redes sociais. Quatro meses depois da nota sobre a mudança, esta é, para Francisco Reis, “uma nova fase na vida da livraria”.

Francisco Reis (à esquerda) e Nuno Pereira (à direita), proprietários da Poetria. Foto: Tiago Serra Cunha

Ao JPN, o casal de livreiros – que resgatou a Poetria da falência em 2017, quando a proprietária original, a ex-professora Dina Ferreira, não tinha meios para continuar de portas abertas – diz estar “muito entusiasmado” com esta mudança, que reflete “o melhor momento” da livraria. “Sentimos que este é um novo balão de oxigénio para este projeto”, refere Francisco Reis.

A nova loja, apenas a 100 metros do antigo espaço, é maior e mais iluminada. O corredor não é largo, mas o espaço é comprido, forrado de estantes onde “os livros conseguem respirar”, diz Nuno Pereira. Além de uma pequena varanda, tem um piso superior, que servirá para receber eventos e dar outras vidas à Poetria.

“Queremos, para a comunidade, tentar fazer eventos que possam chegar a um público maior. Queremos tirar partido disso, criar aqui uma comunidade, trabalharmos a Poetria da comunidade para a comunidade”, refere Francisco.

Sobreviver a uma mudança durante uma pandemia

Ao processo de mudança, que já teve as suas complicações, sobrepôs-se a pandemia, que veio dificultar ainda mais o trabalho dos livreiros. Em 2020, diziam ao JPN que o futuro era “incerto”, enquanto faziam envios ao domicílio, promoviam livros da forma que conseguiam e faziam serviços de estafeta para colmatar os fechos durante as épocas de confinamento.

Para promover os títulos, a página no Facebook e, mais recentemente, o Instagram, funcionam bem. Em 2020 criaram, também, uma nova loja online, com todos os títulos presentes no catálogo da Poetria. Apesar disto, confessam: “o online não é o nosso forte. Quando temos que competir com grandes jogadores que oferecem portes e descontos, não conseguimos”, referiu Francisco Reis.

É por isso que o apoio da Câmara Municipal do Porto (CMP) na cedência deste espaço se tornou tão “essencial” para a sobrevivência do projeto – para mais, no contexto atribulado da iminência de despejo. “O apoio da Câmara, não podemos negar isso – de outra forma não tínhamos para onde ir – era o que precisávamos, de um espaço que nos desse continuidade e estabilidade”, ressalta Nuno.

Rui Moreira, presidente da CMP, disse aos jornalistas, ao visitar a livraria esta sexta-feira (14), que ajudar um negócio como a Poetria, apesar desta não poder ser classificada como uma loja histórica, é “cumprir a missão” de um executivo municipal.

“A Poetria é uma livraria única na cidade, com uma história ligação ao meio cultural. Quando vieram falar connosco, disse logo que podiam contar, seguramente, com o apoio do município. Sabia que tínhamos esta loja disponível e criou-se, neste contexto, a possibilidade de cedência em condições especiais. Estamos a falar de várias coisas: de comércio tradicional, da alma da cidade e da cultura da cidade”, disse.

Rui Moreira, presidente da Câmara Municipal do porto, em visita à Livraria Poetria. Foto: Tiago Serra Cunha

“Para uma loja que é do município”, Rui Moreira considera que “não pode haver melhor uso” para o espaço. Quer “uma loja ocupada, com gente, com movimento”, para voltar a levar este negócio a dias felizes.

Sobre as Galerias Lumière, Rui Moreira voltou a garantir que vai ser mantida a galeria comercial e a passagem, condição imposta pela câmara ao projeto para instalação de um hotel nas Galerias Lumière. Depois de um parecer desfavorável ao Pedido de Informação Prévia (PIP) para a construção da unidade hoteleira em janeiro de 2020, a autarquia acabou por aceitar o PIP seguinte, que assegura que se vai manter a ligação entre a Rua José Falcão e a Rua das Oliveiras.

O que falta fazer para tornar a nova Poetria “casa”?

Francisco Reis vai direto ao assunto: “pouco”. Faltam apenas “detalhes” para finalizar o espaço, diz ao JPN, como “um reclame luminoso, iluminação” e, referem numa publicação nas redes sociais, “um novo vinil para escrevermos poemas” virados para a rua. Mas o essencial já chegou: “os livros já estão cá”.

Para os próximos tempos, o objetivo é dar fôlego a este novo espaço. Estão a ser pensadas apresentações de livros, saraus, sessões de leitura ou até a criação de podcasts. Em cima da mesa continuam, também, as edições da Fresca, chancela editorial criada pela Poetria em 2019, plataforma de lançamento para novas vozes da poesia portuguesa contemporânea, publicando jovens poetas nascidos a partir de 1980. A juntar ao catálogo com cerca de dez autores, este ano vai surgir uma coedição onde serão lançadas sete novas peças pela livraria.

Estas dinâmicas pretendem, além de continuar a missão de ter a poesia e o teatro a coabitar em simbiose num só espaço, reforçar a importância da literatura dentro de camadas mais jovens. “Queremos também que os jovens aprendam a gostar de ler, não uma leitura forçada, mas por gosto”, referem os livreiros. “Acreditamos que ao reunir uma gama de autores com uma linguagem mais fresca, mais comum, que conseguimos trazer mais leitores” para estes géneros.

Não menos importante é o pequeno projeto de Dina Ferreira, a ex-proprietária da livraria que nunca deixou de estar envolvida a apoiar Francisco e Nuno com tudo o que fosse necessário. Ainda sem data definida, vai iniciar a dinamização de um guia literário pelo Porto. Uma forma de devolver à cidade o contributo cultural que iniciou em 2003, ano em que se abriram as portas da Poetria pela primeira vez; e de continuar a respirar a alma de um projeto que, segundo os atuais proprietários, ainda terá muito para oferecer.

Artigo editado por Filipa Silva