O economista voltou à política partidária para ser, pela segunda vez, o candidato da Iniciativa Liberal à Assembleia da República pelo círculo do Porto. Em entrevista ao JPN, o candidato que assume a promoção do liberalismo como uma "missão de vida" coloca a redução dos impostos no topo das prioridades da IL.

A “missão” de fazer chegar a Iniciativa Liberal (IL) ao Parlamento foi cumprida em 2019, mas a de “propagar o liberalismo” não se esgotou e, por isso, Carlos Guimarães Pinto, 38 anos, voltou à política partidária para ser, de novo, o cabeça de lista da IL pelo círculo do Porto.

Convicto de que será eleito desta vez, o economista coloca a redução fiscal como a prioridade cimeira de qualquer acordo que venha a ser negociado com o PSD, depois das eleições do próximo dia 30. Rever o sistema eleitoral e promover a liberdade de escolha na saúde vêm logo a seguir.

Em entrevista ao JPN – parte de uma série de entrevistas a candidatos pelo Porto que publicaremos esta semana -, Carlos Guimarães Pinto faz a defesa da taxa única de IRS, de salários mínimos municipais (no lugar de um Salário Mínimo Nacional) e de um novo modelo de acesso ao ensino superior.

Junto à praia do Senhor da Pedra, na frente marítima de Gaia, onde o candidato garante ir buscar inspiração, Carlos Guimarães Pinto assume ter uma posição diferente da do partido em matéria de regionalização e, com esforço, ainda conseguiu elogiar uma medida socialista.

JPN – Por que razão escolheu este lugar, junto à praia do Senhor da Pedra, para esta entrevista?

Carlos Guimarães Pinto (CGP) – Porque é um lugar onde passo muito tempo da minha vida. Não é longe de casa e tem um simbolismo especial. Tem uma vista fantástica, conheço aqui muita gente, é sempre um lugar onde me sinto confortável.

JPN – Foi presidente da IL. Deixou o partido depois das eleições de 2019. Disse na altura: “A minha missão no partido ficou hoje cumprida e termina aqui”. O que o fez mudar de ideias? Porque é que aceitou voltar a ser cabeça de lista pelo Porto?

CGP – Eu tinha uma missão quando entrei, que era levar o partido até à Assembleia da República, e isso foi cumprido. E não achava, naquela altura, que tinha o perfil ideal para o próximo passo. Porque é preciso um perfil para dar o salto, e é preciso um perfil para assegurar que o salto é mantido e crescer. Achei que a minha missão estava cumprida. 

Já a minha missão de vida, de propagar o liberalismo, essa não está cumprida, até porque ainda temos um país muito pouco liberal. Fundei o Instituto [+Liberdade] já depois de sair. Agora, não podia simplesmente dizer que não a um desafio como este. 

Gostava de ter ficado mais tempo no Instituto. Acho que é um pilar importante para a divulgação dos princípios liberais no país, mas não somos nós que escolhemos as circunstâncias. As coisas são o que são. 

JPN – Não conseguiram, na altura, eleger pelo Porto. O que o leva a acreditar que desta vez vai ser diferente?

CGP – O partido entretanto cresceu. Tenho alguma dificuldade em usar a frase “na altura não conseguiram eleger pelo Porto”, como se fosse algo que estivesse ao alcance. Achávamos que havia uma pequenina probabilidade de acontecer, mas nunca achamos que era algo muito provável. Porque o nosso sistema eleitoral é o que é. A pressão do voto útil é muito maior nos distritos fora de Lisboa. Tínhamos o sonho de eleger um deputado por Lisboa, que era onde era mais provável. 

JPN – E desta vez?

CGP – Desta vez, acho que é provável, sim. O partido cresceu bastante e parece-me bastante mais provável. Acho que há tantas probabilidades de ser eleito desta vez, como havia de não ser eleito da outra [risos]. Veremos.

JPN – Que diferença fez ter um deputado da IL no Parlamento nestes três anos?

CGP – Fez uma diferença enorme. Primeiro, para o país. Trouxemos um conjunto de ideias, concorde-se ou não com elas, que antes não eram discutidas. 

Hoje fala-se muito mais sobre IRS. No outro dia vi uma notícia que dizia que todos os partidos propõem uma redução do IRS. De uma forma ou de outra, todos propõem. Nenhum vai ao nosso ponto de redução, mas o facto de se ter introduzido aquela discussão fez com que os outros partidos se ajustassem. 

O mesmo com a liberdade de escolha na saúde e na educação, que já tinha sido, em parte, discutido antes, mas ninguém tinha colocado o empenho, os números, as propostas mais desenvolvidas, e isso agora está lá. 

E mudou para o partido. Lembro-me do partido quando não era representado na Assembleia da República e era extraordinariamente complicado ter a atenção da imprensa. Nos primeiros seis meses, festejávamos quando um colunista de um jornal qualquer mencionava a Iniciativa Liberal. Hoje é diferente e isso é importante, porque nos permite expor a perspetiva liberal sobre qualquer assunto.

A minha missão de vida, de propagar o liberalismo, essa não está cumprida, até porque ainda temos um país muito pouco liberal.

JPN – No caso de vitória com maioria relativa no dia 30, o PSD admite negociar com a IL uma solução de Governo, isto se, houver uma maioria de direita. Quais serão, nesse cenário, as prioridades da IL para viabilizar um governo social-democrata? E as linhas vermelhas?

CGP – Em termos de prioridades, temos a redução fiscal, nomeadamente dos rendimentos de trabalho. Isso é importantíssimo. É a questão da mobilidade social. Às vezes, temos aquela ideia de que o IRS é um imposto sobre os ricos, mas não é. É um imposto sobre quem quer subir na vida. 

Para quem não herda, não tem contactos sociais, não faz trafulhices, a única forma de subir na vida é como? Com o seu trabalho. É a única hipótese. Quando colocamos altos impostos sobre os rendimentos do trabalho, aquilo que estamos a dizer a essas pessoas é que não podem subir na vida. Ou que podem subir, mas com o triplo do trabalho.    

JPN – Mas admitindo que o PSD não vá tão longe quanto a flat-tax, de que falaremos mais à frente, a que compromisso se poderá chegar?

CGP – A prioridade da flat-tax é diminuir os impostos sobre a classe média. Normalmente, vêm com o exemplo dos milionários. Nunca percebi quanto é que acham que ganha um milionário. Mas se me disserem: um milionário ganha a partir ‘de X’. A partir desse valor, ponham a taxa que quiserem. 

Agora, não me venham dizer que um milionário é alguém que ganha 2.500 ou 3 mil euros por mês, valor que já está perto da taxa marginal máxima. Não é um milionário! Hoje paga impostos como se fosse e não devia. A nossa prioridade… não precisa de ser a flat-tax, nós temos é que ter no rendimento das pessoas que consideremos classe média, uma taxa baixa para que as pessoas possam subir na vida. 

JPN – Impostos como prioridade. E linhas vermelhas?

CGP – Antes delas, temos também como prioridade a questão do sistema eleitoral. Acho que é importante. Hoje, mesmo a IL já não sendo um partido pequeno, a verdade é que o sistema eleitoral pune bastante os partidos mais pequenos. Das mais diversas formas. Para a democracia é muito importante que isso se resolva. 

A reforma do sistema de saúde é importantíssima. Não terá de ser o modelo da IL, mas dar passos no sentido de mais liberdade de escolha e mais eficiência para acabar com as listas de espera que são uma vergonha nacional. Estas são claramente as prioridades. 

As linhas vermelhas são aquelas que marcam aquilo que é ser liberal: o respeito pelos Direitos Humanos, e por não irmos numa direção, em termos económicos, do socialismo, nos mais diversos temas – uma linha vermelha que acho que o é também para o PSD. E acredito que a questão dos Direitos Humanos – do racismo ou da xenofobia – sejam hoje também uma linha vermelha dentro do PSD, portanto, acho que partilhamos essas linhas vermelhas. 

JPN – Acabar com a governação socialista é um desígnio da IL. Se assim é, por que deve um eleitor votar IL e não PSD?

CGP – Porque, se calhar, o PSD, principalmente o PSD atual, está algo próximo daquilo que é o PS em muitas das suas ideias. Aliás, isso viu-se nos últimos anos: o PSD alinhou demasiadas vezes com o PS em coisas que hoje, se calhar, até os envergonham. 

Quando houve aquele cambalacho eleitoral nas CCDR, o fim dos debates quinzenais, a nomeação de Centeno para o Banco de Portugal, que viola uma instituição básica de uma democracia liberal, que é a independência dos reguladores. E muitas das medidas que o PS foi aprovando, o PSD estava lá ao lado. O PSD, obviamente, não é tão mau, senão não aceitaríamos apoiá-lo, mas acho que precisa, genuinamente, de uma ala reformista e liberal ao seu lado para ser suficientemente diferente do PS.

Carlos Guimarães Pinto junto à praia do Senhor da Pedra, em Vila Nova de Gaia, onde decorreu a entrevista. Foto: Ana Torres/JPN

JPN – É pelo Porto que se candidata. Se tivesse de escolher três medidas da IL que vão ter impacto particular sobre as pessoas do distrito, que medidas seriam essas? 

CGP – Os problemas do distrito do Porto têm muito que ver com os problemas do resto do país, tirando a Área Metropolitana de Lisboa (AML). A AML tem uma economia muito particular, focada no consumo interno. E o distrito do Porto é, tal como boa parte do resto do país, um pouco diferente. Está muito mais dependente das exportações. Todas aquelas políticas que levam a maior competitividade, nomeadamente a descida gradual do IRC, iria promover o desenvolvimento económico no distrito do Porto.

Também a questão da descentralização de organizações do Estado central, não beneficiaria só o distrito do Porto, mas também beneficiaria. 

E depois temos a questão da liberdade de escolha na Saúde que, mais uma vez, é muito importante para aqui. Por vários motivos: porque as pessoas no distrito do Porto, principalmente na parte interior, são muito mais pobres; têm menos acesso ao que a maior parte dos portugueses faz hoje, que é ter um seguro de saúde ao lado para quando não querem estar em filas de espera, e para essas pessoas é importantíssimo que o sistema de saúde público tenha uma resposta. Se custa o mesmo para o Estado, podem ir a outro lado qualquer.

JPN – A IL mostra-se favorável a uma descentralização político-administrativa do país, mas não a uma regionalização. Qual é a diferença?    

CGP – Eu sou a favor da regionalização. Já o era antes do partido. Já escrevo sobre isso há vários anos. Acho que o país precisa muito que exista regionalização. Estamos num país extraordinariamente desigual. Temos a Área Metropolitana de Lisboa (AML) que tem um PIB per capita ao nível de França e temos as regiões Norte e Centro, que hoje são as duas regiões mais pobres do país, isto incluindo as ilhas, que tem um PIB per capita ao nível da Bulgária. Portanto, estamos num país pequeno em que, em duas horas de carro, vamos da França à Bulgária. E há uma razão para isso: é termos um conjunto de políticas decididas centralmente, que têm a visão do mundo daquilo que é o que acontece na AML. Temos estruturas económicas muito diferentes que exigem abordagens diferentes e isso só se consegue com uma regionalização.

E, ao contrário do que dizem, não acho que isso vá aumentar custos. Porque estas organizações estão lá já: temos direções regionais para a cultura, a educação, a saúde, a agricultura… Não vamos inventar nada. Vamos é trazer maior escrutínio democrático a essas instituições. Há pouco falava daquele cambalacho das CCDR, acho que faz sentido que haja uma eleição democrática para isso e que lhes seja dado o poder de adaptarem as suas políticas fiscais e económicas à realidade de cada uma das regiões. 

Não é o modelo de regionalização do nosso programa. É algo que eu gostava que estivesse num programa futuro. Temos de encontrar um consenso internamente [na IL]. Acho que a regionalização é urgente para o país e principalmente para as regiões fora da AML.    

Trouxemos um conjunto de ideias, concorde-se ou não com elas, que antes não eram discutidas.

JPN – Uma das medidas emblemáticas do vosso programa diz respeito à flat-tax, à proposta de uma taxa única de IRS. Algumas perguntas concretas sobre a medida: quem mais beneficiaria não seriam as pessoas com mais rendimento?

CGP – Um imposto nem sempre recai sobre as pessoas que achamos que recai. No caso do IRS, o impacto do imposto em si depende muito da capacidade negocial que o trabalhador tem. E onde é que essa capacidade é superior: nos salários milionários. 

Um jogador estrangeiro que vem para Portugal, é-lhe indiferente se o imposto é de 10 ou de 90%. Ele vai dizer: “eu quero receber dois milhões por ano”. E o clube que se safe. Se o IRS fosse de 90%, tinha de lhe pagar 20 milhões, se fosse de 10%, tinha de lhe pagar 2.2 milhões. Não é o jogador, que vai receber esse salário milionário, que mais vai perder com uma taxa de IRS mais alta, porque ele tem capacidade negocial suficientemente grande para impor um salário líquido. Vai ser é a empresa que o contrata. 

É verdade que, no curto prazo, imediatamente a seguir à implementação de uma flat-tax, eles sairiam beneficiados, porque têm um contrato que prevê um salário bruto que, de repente, ficaria maior. Mas a médio e longo prazo, quando o ajuste fosse feito, era irrelevante, para essa faixa, que isso aconteça.  

Mas dou isso de barato: se for esse o problema com a flat-tax, digam, então, um salário a partir do qual achem imoral pagar apenas 15% e deixa-se 45%, o que quer que seja. Importante mesmo é: não vamos assumir que uma pessoa que ganha 2 ou 3 mil euros por mês é milionária ou não merece aquilo que está a ganhar.         

JPN – Como esperam compensar a quebra de receita, que andará à volta dos 2 mil milhões de euros? 

CGP – Saúdo este tipo de perguntas por um motivo: cada vez que se fala numa despesa pública qualquer, nunca ninguém pergunta ‘mas onde é que vai cortar?’. É uma pergunta importante.

E hoje em dia tem uma resposta até mais fácil do que em 2019. Vamos investir quase 4 mil milhões na TAP. Esse custo de transição que teríamos com a taxa única de IRS seria absorvido imediatamente, durante dois anos, só com o dinheiro que vamos injetar na TAP. 

Mas o programa tem um outro conjunto de ganhos de eficiência, de organizações que seriam cortadas… É como eu dizia em 2019, é uma questão muito difícil de responder, porque não temos à frente o Excel do ministro das Finanças para dizer ‘vai-se cortar aqui ou ali’. 

E há outra coisa que é: nós olhamos para todos os países onde foram implementadas flat-taxes e aquilo que aconteceu é que os impactos nunca foram dessa dimensão, porque há efeitos secundários – há mais pessoas que reportam aquilo que ganham, há mais aumentos salariais porque se tornam mais baratos e o dinheiro não se evapora, as pessoas ficam com mais dinheiro no bolso, consomem.

JPN – Mas a maioria dos países da União Europeia não tem esse sistema, embora haja alguns. A maioria dos países são até do Leste. Porque é que é assim?

CGP – Há muitos exemplos de países que implementaram a taxa única. Nalguns casos, como na Eslováquia, depois acrescentaram uma outra taxa e hoje têm duas taxas. A Irlanda tem duas taxas, a Suécia tem uma taxa única ao nível municipal, e há um acrescento nacional para salários muito elevados. O que aconteceu em muitos casos, mas isso, dou de barato, foi acrescentarem uma segunda taxa depois para salários muito elevados.

Não faltam exemplos de países que fizeram isso e países que o fizeram quando estavam na fase de desenvolvimento em que Portugal está hoje. Países, como os que faziam parte do bloco soviético, que estavam estagnados há muito tempo e acharam que aquele era o choque ideal. 

A Irlanda tem duas taxas (20 e 40%), atualmente; a Estónia, a Roménia e a Hungria, países com os quais competimos, ainda têm uma taxa única, mas mesmo que venham a introduzir uma segunda taxa, como fizeram muitos países, é desmesuradamente melhor do que aquilo que temos hoje [em Portugal].  

JPN – Quem hoje está isento do pagamento de IRS continuaria isento? 

CGP – Sim. Há até uma calculadora online.

JPN – Rui Tavares [Livre] chamava ontem [véspera da entrevista] a atenção para a ausência de uma referência às famílias com pessoas deficientes a cargo das bonificações previstas. Elas estarão excluídas dessas bonificações?

CGP – As coisas que ficam iguais, não colocamos na proposta. Sim, é algo que faz sentido que fique igual.

JPN – Será precisa uma revisão constitucional dada a ausência de progressividade dos impostos?

CGP – Não. Porque havendo isenção ela faz com que haja uma progressividade nas taxas efetivas. Uma pessoa que ganhe 850 euros vai pagar uma taxa efetiva de 3 ou 4%. Não tenho os números na cabeça, mas será uma coisa desse género. Os 15% só serão atingidos para salários de 5 mil euros. Algo desse género. É progressivo. Mesmo que não fosse assim, a implementação que propomos fala em colocar primeiro duas taxas e só depois uma.

Devíamos substituir o salário mínimo nacional por um conjunto de salários mínimos municipais.

JPN – Em relação ao Salário Mínimo Nacional (SMN), o aumento de 665 euros para os atuais 705 é suportado, pelo menos em parte, via Orçamento do Estado. Se for governo, a IL vai querer baixar o SMN?

CGP – Não se deve fazer recuos desse tipo, porque estamos a brincar com as expectativas das pessoas que têm menos capacidade negocial no mercado de trabalho. O SMN existe porque afeta uma faixa da população que tem pouca margem negocial. E, como é assim, o Estado intervém para lhes garantir que pelo menos aquele valor mínimo acontece. Não podemos brincar com isso. 

Acho é que, como vem na nossa proposta, devíamos substituir o salário mínimo nacional por um conjunto de salários mínimos municipais, que se adaptem aos custos de vida de cada município e às condições do mercado de trabalho de cada município, porque são muito diferentes. O nível de custo de vida é muito diferente em Lisboa ou em Bragança, o tipo de mercado de trabalho também é diferente.

JPN – A IL também defende que o utente possa decidir onde receber cuidados médicos e às famílias em que escolas colocar os filhos. Há quem defenda que a liberdade de escolha que está subjacente a estas medidas é ilusória, porque, para usar uma expressão que é cara à economia, os agentes não têm todos a mesma informação. É sensível a esta argumentação?

CGP – É verdade. Acho que no caso da Saúde é preciso ter mais cuidado do que no caso da Educação. Alinhando com essa crítica, no caso da Saúde, há uma assimetria de informação muito grande e um risco de indução da procura em caso de liberdade de escolha. Qualquer um de nós vai ao hospital com uma dor de cabeça. Se nos mandarem tomar um comprimido, fazer uma TAC, ou uma cirurgia, para nós… não sabemos como discutir. Não sabemos que tratamentos de saúde é que vamos precisar e é bom não criar incentivos para que haja um excesso de tratamentos de saúde apenas para gerar mais dinheiro. 

O mesmo não acontece na Educação. Na Educação, é mais claro aquilo que o filho precisa. Não vai saber se o professor é bom ou mau, mas sabe melhor o que é preciso. No caso da saúde, é preciso ter mais cuidado, ter gatekeeping em relação aos cuidados e tratamentos. Hoje isso já existe, de alguma forma. E este modelo existe noutros países. Não estamos a inventar nada.

JPN – Como se faz a quadratura do círculo entre crescimento económico, justiça social e sustentabilidade ambiental?

CGP – A questão do ambiente acho que tem sido uma das grandes fragilidades do discurso não socialista. Eles apanharam esse discurso e têm proposto soluções que quanto a mim fazem muito pouco sentido. 

Nós temos hoje duas opções perante esta realidade dos danos ambientais. A do decrescimento, que muitas pessoas à esquerda propõem e que, temos de ser honestos, implica empobrecer. Se tivéssemos que voltar, como Mundo, ao nível da produção que tínhamos em meados dos anos 90, o mundo como um todo tem que reduzir 50%. Portugal, como está bem acima da média do mundo, teria de reduzir ainda mais. Agora, imagine o que é decrescermos mais de 50%. É de loucos! Ninguém acredita que isso seja sequer possível.

Há uma alternativa a isso. Que é sermos capazes de nos desenvolver economicamente de forma sustentável, termos capital para investir em tecnologia verde e só há um sistema que garante que se consegue acumular o capital que é necessário para apostar em tecnologia verde, que é o capitalismo. Não há outro sistema que seja tão eficaz na acumulação de capital e precisamos dele para apostar nessas tecnologias.

JPN – Consegue dar-nos um exemplo de uma medida socialista acertada na última legislatura?

CGP – Isso é uma pergunta muito difícil [risos]. Há-de haver alguma… Olhem, o RSI [Rendimento Social de Inserção]. Acho que é uma medida que se enquadra muito bem num princípio liberal, que é o da safety net. Sendo bem implementado, é importante, é uma medida de base social. Garantir que ninguém pode ir abaixo de certo nível. O que hoje não acontece, porque o RSI é baixíssimo.    

JPN – E um aspeto em que a proposta da IL precisa de melhorar?

CGP – Gostava que tivéssemos um projeto de regionalização, que houvesse um consenso num projeto muito específico – de mapas, de competências… Era importante termos isso.   

Candidato da IL foi líder do partido entre 2018 e 2019. Foto: Ana Torres/JPN

JPN – São várias as medidas que a IL propõe para o Ensino Superior. Propõem, entre outras coisas,  uma pequena revolução na ligação do atual 12.º ano ao Ensino Superior, e no modelo de acesso, que ficaria mais dependente das IES. O que é que há de errado com o modelo atual?

CGP – Acho que o atual sistema leva a que haja uma inflação de notas internas, um excesso de preparação apenas para os exames – que pode não ser necessariamente mau -, e não permite, por outro lado, às universidades terem alguns critérios [de admissão], dependendo do curso, que vão para além dos exames e das notas. Estou a falar das faculdades de Medicina, por exemplo. 

E eu sei que isto pode ter problemas: o filho do diretor até tem más notas, mas depois tem 20 na entrevista e entra. Sei que pode ter este tipo de problemas, e que é difícil substituir os exames por outro método qualquer. Mas acho que deve haver forma de melhorar esse sistema, mais uma vez, na direção de mais meritocracia, para garantir que são os melhores alunos que entram nas universidades. 

JPN – E em relação a propinas. Como é que ficamos nesse plano?

CGP – Neste momento, as propinas não são o principal impedimento para um estudante entrar numa universidade. Eu trabalhei durante a universidade, não foi para pagar as propinas, trabalhei porque, como sabem, estudar tem outros custos de oportunidade de estar no ensino superior. Materiais, transportes… 

Acho que as propinas estão ao nível a que deviam estar. Gostava que a certa altura tivéssemos desenvolvimento económico para permitir que desaparecessem. Não estamos aí. E não podemos ser irresponsáveis e subtrair financiamento às universidades numa altura em que a propina não é o principal diferenciador de ir ou não para a universidade.

Porque é que nos temos de fechar nesta bolha do “tem que ser tudo público e só o Estado é que pode resolver”?

JPN – Para os estudantes deslocados do ensino superior, mais do que as propinas, é o alojamento que mais pesa no orçamento mensal. O parque público de residências universitárias é assumidamente escasso. A IL considera no seu programa que o “mercado está a resolver” o problema. Por que razão estão convictos que “com tempo, até os estudantes mais carenciados beneficiarão desta dinâmica de mercado”?

CGP – A questão da habitação, por vezes, é tratada com excessiva demagogia. A única forma de resolver este problema de habitação, de fazermos com que em vez de espaço para 10 mil haja espaço para 20 mil pessoas é construir mais. É matemático. Com as residências é a mesma coisa. Temos espaço para 5 mil estudantes. Esse espaço pode ser público ou privado, mas são 5 mil. Não se resolve nada por ser público ou privado. O que temos de pensar é como é que podemos transformar esses 5 mil em 10 mil e tem havido muitos investimentos em novas residências universitárias por privados. E o privado tem uma coisa: como não tem um público cativo, as residências têm de ter alguma qualidade, senão as pessoas não vão querer vir. 

O que eu não gosto é que, de cada vez que pensamos como vamos ajudar estas pessoas a terem acesso a um serviço, a única forma de pensar seja: “isto tem de ser público”, tem de ser o Estado a resolver. Porquê? Se dermos licenças de construção para que privados possam construir novas residências universitárias, vamos rejeitar isso, porquê? E depois trazem inovação. Porque é que nos temos de fechar nesta bolha do “tem que ser tudo público e só o Estado é que pode resolver”?

JPN – Mas essas residências não excluem pessoas que não podem pagar esse tipo de custos?

CGP – Há aqui duas dimensões. Quem constrói e quem gere é uma coisa; quem financia é outra. O que nós queremos é que as residências existam. Podemos discutir se é mais eficiente serem construídas pelo público ou pelo privado. Eu diria que é mais eficiente serem construídas por privados, porque o privado tem mais incentivos a reduzir custos, a gerir de forma eficiente.

Depois há o segundo passo. Quem é que financia o acesso dos alunos: os próprios alunos ou o Estado. E o Estado aí pode ter um papel no apoio aos alunos para o acesso dos mais carenciados. Se uma residência custa 400 euros [ao Estado] por pessoa por mês e isso vai custar quer ela seja pública, quer seja privada, depois é indiferente se o Estado paga esses 400 euros na sua própria residência ou se paga esses 400 euros a um aluno para ir para a residência privada. Desde que se garanta o acesso, qual é o problema?   

Para finalizar, e numa frase, o que nos tem a dizer sobre:

TAP
Desperdício.

Caixa Geral de Depósitos
Risco

Capitalismo
Bom

Eco-geringonça
Possível

Função Pública
Útil

Igualdade
Liberdade. Completam-se.