Um estudo do British Medical Journal concluiu que os países da Europa de Leste são os mais solitários e que o sentimento de solidão não chega só aos idosos. Por cá, já se pensa numa Secretaria de Estado da Solidão, ainda que Portugal não seja dos países mais solitários.
Os investigadores da revista British Medical Journal (BMJ) concluíram que “níveis problemáticos de solidão” são experienciados por uma parte “substancial” da população em vários países, incluindo Portugal. Os dados recolhidos revelam disparidades a nível geográfico na prevalência da solidão e indicam que esta problemática atinge todos, desde jovens a idosos, e deve começar a ser tida em conta.
Nesta investigação, foram recolhidas bases de dados de investigação que resultaram em 57 estudos com estimativas nacionais da solidão de 113 países ou territórios entre os anos de 2000 e 2019. No total, foram incluídas na meta-análise 212 estimativas para 106 países, de 24 estudos. Os resultados do estudo do BMJ estão divididos por grupos etários, bem como por diferentes regiões.
Percebe-se que os países mais ricos, particularmente os europeus, tiveram uma cobertura de dados mais elevada que as regiões mais pobres. O próprio estudo menciona que houve limitações e que a evidência sobre as tendências temporais da solidão não é suficiente. Pôde-se aferir que “a solidão deve ser incorporada na vigilância geral da saúde com uma cobertura geográfica e etária mais ampla, utilizando instrumentos de medição normalizados e validados”.
Um Leste solitário e um Portugal pouco só
Os países do Leste europeu são os que sofrem uma maior prevalência de solidão: 7,5% para jovens adultos, 9,6% para adultos de meia idade e 21,3% para adultos mais velhos.
Em contrapartida, “foi consistentemente observada” uma menor prevalência de solidão nos países do norte da Europa: 2,9% para jovens adultos, 2,7% para adultos de meia idade e 5,2%, para adultos mais velhos.
Mas porque é que há esta discrepância entre os países do Norte da Europa e do Leste? O contexto económico, a qualidade dos serviços de saúde bem como as características demográficas que mostram que, nos países do Leste, as mulheres vivem mais tempo do que os homens; de acordo com os cientistas, isto levará a uma “maior proporção de viúvas”, assim como o aumento da “emigração na população mais jovem”, são apontadas como algumas razões. Outras mudanças, como a “redução das pensões, o aumento do custo de vida e uma redução da confiança social” são também motivos apontados.
No caso de Portugal, os dados publicados referem-se apenas a três grupos etários: jovens adultos (18-29 anos), meia-idade (30-59 anos) e adultos mais velhos (acima dos 60 anos). A prevalência da solidão é de 6,4% (com o intervalo de confiança a ir dos 4,3% a 9,1%) no grupo mais jovem, de 9% (dos 7,3% a 10,8%) no grupo do meio e de 14,9% (dos 12,3% a 17,7%) nos adultos mais velhos. Portugal revela-se pouco solitário, se comparado com os restantes países abrangidos pelo estudo.
Um sentimento que não olha às idades
Também se pensa normalmente que são os mais velhos os que mais sofrem de solidão. Os especialistas comprovaram que há mais dados reunidos sobre a solidão das camadas mais idosas, bem como dos adolescentes, possivelmente por serem considerados “particularmente vulneráveis devido às mudanças que experienciam durante estas fases da vida”.
Contudo, ainda que “a meta-análise com base em dados europeus sugira que os jovens adultos e os adultos de meia idade têm uma prevalência menor de solidão em comparação com os adultos mais velhos”, a equipa avisa que há trabalhos de investigação nos EUA e na Austrália que concluíram que os adultos entre os 36 e os 65 anos “reportam níveis mais elevados de solidão do que as pessoas mais novas, entre os 26 e 35 anos, ou mais velhas”.
Estas conclusões sugerem “que o padrão etário da solidão pode ser específico do contexto, embora sejam necessários mais dados entre a população adulta geral para compreender plenamente a suscetibilidade à solidão ao longo da vida”, afirmam.
Um problema que a pandemia veio agravar
O estudo aponta vários motivos que levam as pessoas a sentirem-se solitárias. Um dos apontados pelos autores é a cultura. “O individualismo e coletivismo foi durante muito tempo considerado um importante determinante cultural da solidão”, garantem. Esta questão também está associada a fatores de risco, como a idade, que interagem com eventos desencadeadores, tais como a reforma, “resultando em sentimentos de solidão”, dizem.
Os investigadores mencionam também que, tendo em conta o aumento de “alguns fatores de risco de solidão bem estabelecidos, como a depressão e as doenças crónicas, e que os eventos desencadeadores fazem parte da vida”, como a pandemia de Covid-19, é “provável que esses fatores de risco impactem a prevalência da solidão”. Olhando ao contexto atual, os cientistas, ainda que tenham baseado o estudo em dados antecedentes à pandemia, não negam que esta pode ter um impacto no predomínio da solidão.
De acordo com um estudo da Comissão Europeia, de julho de 2021, um em cada quatro cidadãos da União Europeia reportaram “sentirem-se solitários grande parte do tempo” durante os primeiros meses de pandemia. O mesmo estudo afirma, também, que são os jovens os “mais afetados pelas medidas de distanciamento social e quarentena”.
Também um estudo, que remonta a junho de 2021, da “Rep.Circle – The Reputation Platform” – que inquiriu 2273 pessoas no período de 3 a 5 de março de 2021 em Portugal Continental, Açores e Madeira -, conclui que são os jovens (16-25 anos) os que mais têm sofrido de solidão no período pandémico. Mais de metade dos inquiridos (57,7%) sentem falta de companhia, dizem sentir-se infelizes ao fazer coisas sozinhos (68,7%) e sentem-se incompreendidos (54,7%). Também 41,6% dos jovens sentem-se excluídos pelas outras pessoas.
E se houvesse uma Secretaria de Estado da Solidão? Combater esta “epidemia” com armas políticas
Comprova-se que não são só os idosos a sofrer de solidão, uma questão que é “cada vez mais reconhecida como um problema social e de saúde”. Alguns profissionais de saúde chegam a considerá-la uma “epidemia”, como afirmam os cientistas no estudo do British Medical Journal. Nesta linha, os investigadores abordam a existência, desde 2018, no Reino Unido, de um Ministério da Solidão. O mesmo também já existe no Japão. “Em todo o mundo foram lançadas iniciativas para enfrentar ‘a epidemia da solidão’”, referem.
Em Portugal, também já se sugere a possibilidade da existência de uma Secretaria de Estado da Solidão. A proposta é do diretor do Observatório da Solidão, Adalberto Dias de Carvalho, que, em entrevista à agência Lusa, afirma que “embora a solidão tenha deixado de ser um tabu, a verdade é que não veio para a ordem do dia nos debates políticos” que se viram na campanha eleitoral.
Para o também investigador do Instituto de Filosofia da Universidade do Porto, a solidão e a política estão mais relacionadas do que aquilo que aparentam. “Hoje em dia, há também o chamado PIB da felicidade e os países até são cotados numa hierarquia quanto ao grau de felicidade que é usufruído pelos seus habitantes. E a solidão não traz felicidade”, assevera.
Nesta linha de pensamento, Adalberto Dias de Carvalho assegura que “se os políticos tomarem consciência de que, a par do sentido económico do PIB, também deve haver um sentido vivencial que tem a ver com o tal PIB da felicidade”, é fundamental que a solidão se torne “uma questão para os políticos, um desafio, uma responsabilidade”, termina.
Artigo editado por Tiago Serra Cunha