Com votos favoráveis do movimento de Rui Moreira, do PSD e do Chega, os deputados municipais do Porto autorizaram o município a deixar a ANMP. “Não sabemos se vamos ganhar ou perder. Sabemos que vamos passar a ter poder negocial”, defendeu Rui Moreira.

Depois do Executivo, foi a vez da Assembleia Municipal dar ‘luz verde’ a Rui Moreira para deixar a ANMP. Foto: Gabriella Garrido

Ao cabo de mais de duas horas de discussão, a Assembleia Municipal do Porto aprovou, na noite desta segunda-feira (30), a desvinculação do Porto da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP).

Além do deputados do Movimento de Rui Moreira – Aqui Há Porto, aprovaram também a proposta os eleitos do PSD – desta feita, em bloco, aquando da votação em sede do Executivo, dividiram-se – e do Chega.

Contra a decisão, estiveram o Partido Socialista, o Bloco de Esquerda, a CDU e o PAN.

A decisão completa assim um processo iniciado a 19 de abril quando o Executivo camarário aprovou a saída da ANMP.

O “perdócio” da descentralização

Aos deputados municipais, Rui Moreira recordou o processo de descentralização iniciado em 2018 para lembrar que o município do Porto esteve desde o início envolvido, elogiando o que foi feito, por exemplo, na área dos transportes, com a municipalizarão da STCP e a aprovação do PART.

Coisa diferente, diz, é a que se verificou nos setores da Educação – cujas competências foram já transferidas para os municípios a 1 de abril -, da Saúde e da Coesão Social, campos em que as verbas a transferir para os municípios não acompanham o agravamento de despesa que as câmaras estimam vir a ter.

“Dou o exemplo da Coesão Social, porque nesse caso a transferência de competências passa apenas pela transferência de pessoal e aí, é fácil fazer a conta, sabemos exatamente a despesa. De acordo com o que a lei estipula que tem de ser pago à Função Pública, essa despesa será de 10 milhões de euros. O ministério previa transferir 2,9 milhões. Quando reclamámos e apresentámos o nosso estudo disseram: ‘não são 2,9, são 2,9 e 90 mil euros.”

Na área da Educação, o autarca diz não poder aceitar o acordo a que a ANMP chegou com o Governo, o qual previa a transferência de cerca de 20 mil euros por escola, para instalações e manutenção. De acordo com um estudo que o município pediu à Universidade do Minho, o valor necessário seria de 67 mil euros por estabelecimento escolar.

“Mais do que isso: fomos ver quanto é que o Estado paga às escolas cuja manutenção não transfere para as câmaras. Quais são? No caso do Porto, é simples, são as da Parque Escolar. E, quando fomos comparar, a verba a transferir para as escolas velhas que passaram para nós, com as novas que continuam no Estado, descobrimos que no contrato-programa a diferença é de 6,4 vezes. Com o Orçamento do Estado fez-se um ligeiro ajustamento de 10% [passou de 20 para cerca de 29 mil euros por escola], mas continua a verificar-se que a verba para a Parque Escolar é 3,4 vezes maior”.

Aludindo ao princípio de “neutralidade orçamental” que a lei da descentralização prevê, Rui Moreira diz que o município não pode aceitar um “perdócio” no lugar de um negócio. “Queremos que nos paguem aquilo que temos direito”, insistiu à frente.

Por não sentir que o Porto tenha sido “representado” nas negociações da ANMP, e por achar que o organismo agora liderado pela autarca de Matosinhos, Luísa Salgueiro, “não defende publicamente os interesses dos municípios”, o Porto decide abandonar a associação e recuperar o “poder negociar com o Estado”.

PSD ao lado de Moreira, oposição cética quanto à vantagem da saída

Miguel Corte-Real, do PSD, culpou “o PS e o Governo” pela forma como a descentralização está a ser conduzida e evocou o acordo de governação do partido com Rui Moreira depois das eleições autárquicas para argumentar que a baixa de impostos consensualizada entre as duas forças políticas pode estar em causa com o aumento da despesa decorrente da descentralização.

Miguel Seabra, presidente da Junta de Paranhos e líder concelhio do PSD, completou: “o Governo legisla mal e a ANMP não se bate pelos princípios que devia defender. Eu também me deixei de sentir representado e por isso o PSD vai votar a favor da saída da ANMP.”

As “verbas claramente suborçamentadas” pelo Governo neste processo também justificaram o voto favorável do Chega, nas palavras de Rui Afonso.

Pelo lado do Partido Socialista, Paula Roseira insistiu que o Porto devia permanecer na ANMP, mesmo admitindo que a descentralização tem de ser acompanhada de uma “justa compensação financeira”: “Não podemos desistir do diálogo. Este diálogo fica enfraquecido com a saída do Porto da ANMP, apenas vai levar ao isolacionismo do Porto e ao enfraquecimento da nossa posição negocial”, afirmou, manifestando ainda “estranheza pela posição do PSD”, com quem o PS acordou inicialmente o processo da descentralização.

Apesar de dar “razão” ao argumentaria da câmara, também a CDU defendeu que sair da ANMP não será a melhor solução: Saímos da ANMP e vai acontecer o quê? O Governo vai negociar diretamente com a CMP? Mesmo que haja negociação individual, o Porto vai ser beneficiado? Na nossa opinião, não fica melhor”, afirmou Rui Sá.

Susana Constante Pereira, do Bloco de Esquerda, também defendeu que “é dentro das instituições que lutamos pelas mudanças e não abandonando-as”, acusando o município de “falta de solidariedade” com os demais.

Paulo Vieira de Castro, do PAN, também recorreu à pergunta: “Se hoje decidirmos sair da ANMP, amanhã teremos portas abertas de um novo interlocutor? Apesar de entendermos como justa a reivindicação de maiores verbas, não podemos acompanhar a vontade de desvinculação da ANMP. Será como matar o mensageiro.”

“Não sabemos se vamos ganhar ou perder. Sabemos que vamos passar a ter poder negocial”, retorquiu Rui Moreira durante a sessão, mantendo que o Porto não ficará isolado. “Não é isolacionismo, é apenas sermos livres.”

Outros municípios ponderam saída

Para já, só o município do Porto aprovou a sua saída da ANMP, entidade onde estão representados os 308 municípios portugueses, mas outros podem vir a seguir-lhe o passo: na semana passada, no âmbito de um debate sobre descentralização, Aires Pereira, eleito pelo PSD para a Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, admitiu estar “a ponderar” fazer o mesmo que o homólogo do Porto.

Já esta terça-feira, Sérgio Humberto, da Trofa, e Rui Ventura, de Pinhel, admitiram os mesmo em declarações à Agência Lusa. Já Ricardo Rio, de Braga, também ele social-democrata, afirmou à Rádio Observador que, apesar de compreender e concordar com as razões apresentadas pelo município do Porto, considera que a saída “acaba por fragilizar” os municípios, ao ferir a sua unidade.