Autarquias aguardam pagamento de verba por parte da SGMAI. Freguesias adotam práticas de pagamento diferentes e algumas antecipam o pagamento para não deixar munícipes meses à espera. O JPN falou com os presidentes da junta do Bonfim e de Aldoar, Foz do Douro e Nevogilde sobre o assunto. Tiago Mayan considera que não é dever das freguesias "servirem de adiantamento de tesouraria ao Estado central".

Todas as mesas de voto têm cinco elementos. Foto: Alexandre Matos Foto: Alexandre Matos

As Eleições Legislativas ocorreram em janeiro, mas, quase quatro meses depois, muitos dos que ajudaram a que o processo eleitoral se concretizasse ainda não receberam a gratificação que a lei prevê que seja atribuída aos membros das mesas de voto.

Cabe à Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna (SGMAI) transferir para os municípios o valor que a cada um corresponde, mas, pelo que o JPN pôde confirmar junto dos municípios do Porto, de Gaia e de Matosinhos, esse valor ainda não foi transferido. O atraso na transferência é comum – nas Autárquicas de setembro a verba chegou às câmaras em dezembro -, mas estará a ser ainda mais demorado desta vez.

O JPN questionou a SGMAI sobre os motivos na base do atraso. A resposta chegou já depois da publicação deste artigo: “A Secretaria Geral do Ministério da Administração Interna está sujeita ao regime de duodécimos em vigor até à aprovação do Orçamento de Estado para 2022 [votação final global agendada para o dia 27 de maio]. Assim, ainda não foi possível proceder à transferência, para as Câmaras Municipais, das verbas relativas ao pagamento dos membros de mesa que participaram nas eleições legislativas de 2022.”

Em vésperas do ato eleitoral, o MAI estimava que o processo eleitoral ia envolver 82.135 agentes eleitorais (cinco membros por cada uma das 16.427 secções de voto), pelo que o valor total em causa ronda os 4 milhões de euros.

Mas nem todos estão ainda à espera dos 51,92 euros que a lei n.º 22/99 refere, isto porque algumas freguesias optam por se adiantar à SGMAI para não deixar os munícipes à espera.

O JPN encontrou dois exemplos de práticas distintas dentro do concelho do Porto. 

Duas freguesias, duas práticas, críticas comuns à SGMAI

Rita Paraty, de 27 anos, é uma das que ainda aguarda pela receção da gratificação. A sua primeira experiência numa mesa eleitoral foi nas eleições Autárquicas de setembro. “Decidi inscrever-me por curiosidade. Tinha recebido um e-mail de um partido a tentar angariar membros e pensei: ‘porque não?'”, conta ao JPN. 

Residente no Porto, na União de Freguesias de Aldoar, Foz do Douro e Nevogilde, a jovem só recebeu a gratificação em finais de dezembro, mas quis repetir a experiência por ter sentido que era “um serviço necessário” e voltou a inscrever-se nas Legislativas.

Até ao momento, continua a aguardar pelo pagamento do valor estipulado. “Não acho que alguém vá lá por causa da gratificação. Estás lá o dia inteiro, das 7 da manhã, se for preciso, até às 11 da noite, não é pelos 50 euros, de certeza. Demorarem tanto tempo a pagar, a mim, não me demove de participar numa mesa de voto, porque essa não é a minha motivação, mas acho que é um bocado desrespeitoso para quem despendeu todo o seu dia lá”, comenta ao JPN.

No Bonfim, Joana Ribeiro, também de 27 anos, tem uma experiência diferente: “Já não é a primeira vez que faço [parte das mesas eleitorais] e tem sido sempre muito rápido [o pagamento]“, afirma. A sua junta tem demorado “cerca de três semanas, no máximo” a fazer os pagamentos.

O que justifica a diferença? “É muito simples. É porque essa responsabilidade é da Secretaria-Geral da Administração Interna que, continuamente, se atrasa meses e meses no pagamento aos municípios que, por sua vez, transferem para as freguesias que depois, por sua vez, transferem para os membros de mesa. O procedimento das freguesias não é servir de adiantamento de tesouraria ao Estado central”, justifica Tiago Mayan, presidente da União de Freguesias de Aldoar, Foz do Douro e Nevogilde.

João Aguiar, eleito no Bonfim, também ele pelo Movimento de Rui Moreira, concorda com Tiago Mayan, mas diz que a freguesia tem uma prática diferente há vários anos: “Já pagámos, porque temos liquidez e pudemos fazê-lo. Consideramos que é uma forma de motivar as pessoas”, declarou ao JPN.

Contudo, o autarca “não” acha “justificável” um atraso desta natureza por parte da SGMAI: “Acredito que os dois primeiros meses até seria justificável com a instalação do novo Governo, mas já estamos quase a meio do ano, não se justifica.”

Tiago Mayan, que considera este um “mau exemplo” dado pelo Estado central, garante que o processo é célere depois de desbloqueado: “A partir do momento em que a União de Freguesias receber o dinheiro através do município – sendo que o município do Porto tipicamente transfere em um ou dois dias úteis o dinheiro para as freguesias –, a partir do momento em que a Secretaria-Geral da Administração Interna cumprir o seu dever e transferir estas verbas, a União de Freguesias é muito expedita a fazer o pagamento. Tipicamente, num dia útil”, refere.

Ao JPN, numa resposta enviada por escrito, a Câmara Municipal do Porto confirma que ainda “não” ressarciu os membros das mesas de voto das Legislativas – a autarquia tem essa responsabilidade com aqueles que participaram no dia do voto antecipado (23 de janeiro), sendo o pagamento efetuado pelas freguesias no caso dos membros de mesa do dia das eleições (30 de janeiro).

O motivo é o já referido: “Ainda não foi efetuada a transferência pela Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna.” A autarquia diz, contudo, ter “a expectativa de que, brevemente, seja dada ordem para a transferência”, por ter tido a indicação de que a verba “se encontra na área financeira do MAI para processamento do pagamento.”

No concelho do Porto, informa a autarquia, estiveram 375 pessoas nas mesas de voto antecipado, a que se somam mais 1.360 agentes eleitorais no dia das eleições. No total, o processo envolveu 1.735 pessoas.

As câmaras de Vila Nova de Gaia e de Matosinhos também confirmaram ao JPN estar ainda à espera da verba do MAI.

Mais de 80 mil estiveram nas mesas

Para garantir a “segurança sanitária do processo eleitoral”, a SGMAI, com o apoio dos municípios e das freguesias, decidiu alargar o número de secções de voto nas últimas Eleições Legislativas.

Além disso, o ato eleitoral teve dois momentos, com o dia do voto antecipado (23 de janeiro) e o dia das eleições (30 de janeiro), o que obriga a captação de mais agentes eleitorais. Objetivo: evitar uma grande concentração de pessoas no processo eleitoral, devido à pandemia de Covid-19.

De acordo com os dados que o MAI disponibilizou em janeiro, terão sido constituídas um total de 16.427 secções de voto. Como cada mesa tem que ter cinco membros, terão sido 82.135 os agentes eleitorais que ajudaram a que o processo eleitoral se concretizasse. A ser esse o número, o valor total a transferir para os municípios para esta rubrica das gratificações ultrapassará, no total, os 4 milhões de euros.

“A organização destas eleições foi complexa na angariação de pessoas para constituir as mesas”, conclui João Aguiar, presidente da Junta do Bonfim. “Estão a desincentivar as pessoas no cumprimento deste dever.”

Artigo atualizado a 20 de maio de 2022 com a resposta enviada ao JPN pela SGMAI.