A 22 de agosto, o Clube Desportivo Trofense anunciou um acordo para adquirir a totalidade das ações do Clube Desportivo Trofense Futebol SAD, tomando de volta os destinos do futebol sénior. Quatro meses depois, e numa altura em que a direção do clube completa um ano em funções, o JPN falou com o presidente e o capitão do clube sobre as mudanças que ocorreram no emblema da Trofa.

Quando assumiu a presidência do Clube Desportivo Trofense, em dezembro de 2022, Paulo Monteiro não equacionava a hipótese de o clube recuperar o controlo da SAD. A sua intenção era retirar o emblema da “situação complicada em que se encontrava”, sem ter que se preocupar com o futebol sénior, entregue à sociedade anónima. O certo é que “a SAD mergulhou numa incerteza a vários níveis” e, oito meses passados desde o início do mandato, a direção diz ter sido obrigada a agir.

“A SAD decidiu sentar-se com o clube e demonstrou que não estava com capacidade para dar continuidade àquilo a que se tinha proposto, e o clube viu-se com a criança nas mãos, como se costuma dizer”, recorda Paulo Monteiro, em entrevista ao JPN, ao cabo de um ano de presidência.

Entre “deixar cair” e “recuperar o futebol”, a direção do Clube Desportivo Trofense optou por “arriscar” e trazer de volta para as suas mãos a equipa sénior do emblema da Trofa, que milita na Liga 3, o terceiro escalão do futebol nacional. Quase quatro meses depois de o clube ter tomado a decisão de resgatar o futebol profissional, Paulo Monteiro faz um balanço positivo acerca das mudanças implementadas na estrutura trofense.

“Emagrecemos o plantel, refizemos o orçamento e estamos a fazer aquilo que é possível. A equipa técnica também é diferente, quisemos dar um claro sinal, tanto para dentro como para fora, de que a nossa estratégia para o clube era outra. A equipa agora está mais equilibrada, mais competitiva”, afirma.

Apesar do foco em tornar a equipa mais competitiva, a direção do clube tem também na parte financeira um enorme desafio. As dívidas monetárias da SAD do Trofense ultrapassam os 3,4 milhões de euros, algo que coloca o emblema do distrito do Porto numa posição delicada. Face à realidade vivida, a nova direção diz ter procurado encontrar um equilíbrio que, por um lado, garantisse “bons espetáculos de futebol”, sem gastar para lá das suas capacidades, como assegura Paulo Monteiro: “O clube viveu durante muito tempo além daquilo que poderia viver. Tinha 200 e gastou 700 ou mil. Temos que ver a realidade do clube e, para que isso não aconteça mais, temos que ser equilibrados.”

Ao fim de um ano de mandato, a direção de Paulo Monteiro sente que devolveu a “credibilidade” ao emblema da Trofa e almeja conseguir estabilizar ao máximo o clube e impedir que situações como a vivida em agosto se voltem a repetir.

Jogadores “chegaram a passar fome”

Em dezembro de 2022, o central Ange Mutsinzi rescindiu o contrato com o Clube Desportivo Trofense Futebol SAD, devido à acumulação de salários em atraso. Oito meses depois, a 16 de agosto de 2023, o plantel do emblema do concelho da Trofa decidiu tomar uma posição de força e recusou-se a treinar como protesto contra a SAD e os salários em atraso.

Diogo Viana, chegado esta época ao emblema da Trofa e eleito capitão de equipa, recordou o clima vivido dentro do grupo antes da greve: “Era um clima muito tenso, difícil, porque passamos muitas dificuldades. Havia muitos jogadores que estavam mal, não conseguiam fazer o seu trabalho como deve ser, derivado aos problemas financeiros. Muitos deles chegaram, inclusive, a passar fome e não tinham o acompanhamento devido da parte da outra direção.”

A decisão de protestar contra a falta de pagamento de salários foi apoiada pela equipa técnica, algo que resultou no despedimento do treinador Rui Nascimento, por chamada telefónica. 

O número 77 do Trofense confessou que, apesar de unânime, não se tratou de uma decisão fácil, mas que se revelou essencial face ao cenário com que os jogadores se confrontavam: “Foi uma decisão difícil para nós, porque não queremos deixar de fazer o nosso trabalho, mas completamente necessária, porque começou a passar dos limites do que é humano”, afirmou Diogo Viana ao JPN. 

A entrada do Clube Desportivo Trofense na SAD foi aplaudida pelos jogadores. Diogo Viana refere ao JPN que a mudança deu segurança à equipa: “Sentimos que dali para a frente poderíamos ter as condições reunidas para realizar o nosso trabalho”. E realçou o impacto positivo que essas transformações tiveram: “Desde que entraram, as coisas mudaram a olhos vistos ao nível de resultados. Não nos deixam faltar nada, mesmo ao nível extra futebol e estamos-lhes muito agradecidos por tudo o que fizeram.”

Diogo Viana chegou esta época ao CD Trofense e é capitão da equipa principal. Foto: Maria Dias/JPN

As mudanças que ocorreram na direção trofense vieram dar uma nova esperança ao grupo de trabalho que sentiu, nas palavras de Viana, “mais profissionalismo” e “mais acompanhamento aos jogadores”. Com uma administração renovada, o plantel viu os salários serem regularizados e assistiram à implementação de iniciativas que visam garantir que a “situação pouco humana” que se viveu outrora não se volta a repetir, entre elas, almoço antes dos jogos, lanches, fruta após o treino, entre outras ações.

“O jogador de futebol tem que se preocupar em jogar futebol, tudo o que é extra futebol pode distrair-nos e afetar o nosso rendimento e foi basicamente isso que esta nova direção veio trazer: que os jogadores se focassem apenas em jogar futebol”, complementou o antigo jogador do SC Braga, hoje com 33 anos.

Boavista, Leixões e Länk Vilaverdense falham controlo salarial

Vários clubes têm estado na ordem do dia por problemas salarias e o problema está longe de afetar só pequenos emblemas. Em dezembro, foi noticiado que o Boavista, do primeiro escalão, tal como o Leixões e o Länk Vilaverdense da segunda divisão, falharam o controlo salarial da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, isto é, não cumpriram a obrigação de mostrar, até 15 de dezembro, a inexistência de dívidas salariais relativamente aos meses de setembro, outubro e novembro. Motivo para o presidente do Sindicato dos Jogadores, Joaquim Evangelista, afirmar que este é “um tema urgente” que “põe em causa a credibilidade das competições”. O Conselho de Disciplina da FPF instaurou um processo ao clube axadrezado esta quarta-feira (3), último dia para o clube provar que não tem salários em atraso.

Um processo em curso

O acordo entre a empresa Efusivignition e o CDT para que este último passasse a ser o único detentor das ações da SAD foi anunciado nas redes sociais em 22 de agosto de 2023.  Todavia, o clube ainda não possui a totalidade das ações. No presente, encontra-se a decorrer um Plano Económico de Recuperação (PER), o que inviabiliza a transferência formal das ações da empresa para o clube. O negócio apenas pode ser efetivado após a aprovação do PER, mas, até esse momento, o clube está encarregue de “administrar a SAD”.

Paulo Monteiro esclarece que SAD e clube, em termos jurídicos, continuarão a ser entidades distintas. Porém, estão agora unidas uma vez que os membros da direção do clube são os mesmos que dirigem a SAD

Para Paulo Moreira, os interesses das Sociedades Anónimas Desportivas (SAD) e os dos clubes, por vezes, divergem. “O investidor não tem a paixão do clube. Tem a paixão do número. Nós estamos aqui, temos a paixão pelo clube, o jogo a jogo, o golo. O frenesim que nós sentimos pelo golo, o investidor sente pela conta bancária e pelos números que aparecem no final de cada ano”, comentou. “Era bom que houvesse mais SAD que privilegiassem mais a paixão do que a parte comercial”, conclui Monteiro, que espera que mais clubes possam seguir o exemplo do Trofense.

O dirigente não esquece, contudo, que o futebol não resiste sem dinheiro: “Os clubes só existem se houver esta paixão e se tiver adeptos. Os adeptos gostam de golos, os golos obrigam a ter bons espetáculos de futebol e os bons espetáculos de futebol, como tudo na vida, custam dinheiro. Por isso, são duas coisas que tem que andar a par, tem que haver um equilíbrio.”

“Regresso do Trofense aos Trofenses”

Ao assumir a direção da SAD, o Clube Desportivo Trofense abraçou um projeto que envolve não só o clube, como também a cidade. O regresso das gentes da terra à liderança do futebol profissional resultou no crescimento da massa adepta no estádio. O capitão Diogo Viana destacou a importância do apoio dos trofenses e o facto de isso dar à equipa “outro tipo de força para encarar os jogos”. “Mesmo quando nós estávamos em dificuldades”, recorda, “a cidade e a claque, sempre se mostraram muito solidárias com os jogadores que estavam a passar dificuldades”, enalteceu o jogador.

“Neste momento, o clube precisa mesmo de sentir, principalmente a equipa, de sentir que as pessoas, os trofenses estão connosco e a presença deles no estádio é que vai dar esse sinal e fazer a diferença”, completou Paulo Monteiro.

Para “chamar os adeptos” de volta a casa, a direção tem apostado em diversas ações, entre elas uma política de baixos preços para os associados que, hoje, podem adquirir os bilhetes para a maioria dos jogos sem qualquer custo, desde que tenham as cotas em dia. Procurando inovar, o clube vai promete avançar, no início deste ano, com a renumeração dos sócios, algo que nunca foi feito na história do Trofense. 

Paulo Monteiro destacou o trabalho do departamento de comunicação do clube e as parcerias assumidas com instituições da comunidade envolvente, de que são exemplo a ASAS (Associação de Solidariedade e Ação Social de Santo Tirso) e o Leo Clube da Trofa. 

Regresso aos campeonatos profissionais e aposta na formação

Apesar dos três pontos perdidos no campeonato por infrações salariais, o Clube Desportivo Trofense estava na oitava posição da série A da Liga 3 depois de concluída a 14.ª jornada, com 17 pontos. Após um início de época atribulado, na qual não ganhava desde 26 de agosto, o emblema da Trofa tem melhorado desde novembro, registando duas vitórias – uma delas ao líder Felgueiras – e um empate nos últimos quatro jogos.

Diogo Viana demonstrou confiança quando questionado acerca dos objetivos para o resto da época: “No fim, vamos fazer as contas e esperemos que estejamos lá em cima”.

O objetivo de todos os clubes é competir nos campeonatos profissionais e o CD Trofense não é exceção. Tendo sido relegado para a Liga 3 após duas épocas na segunda liga portuguesa, o Trofense espera, na época 2024/25, lutar pelo regresso ao segundo escalão. “Este ano, o objetivo é mantermo-nos na Liga 3, mas para o ano gostávamos de subir e fazer uma equipa para tentarmos chegar à Liga 2”, afirmou Paulo Monteiro.

A construção de um plantel capaz de competir ao mais alto nível pode passar pela formação do Clube Desportivo Trofense, sendo que o clube, na presente temporada, já conta com jogadores provenientes dos escalões de formação, entre eles Simão Santos e Emanuel Ferreira.

O complexo desportivo de Paradela, lugar onde treinam as camadas jovens do CD Trofense, foi recentemente renovado tendo em vista o objetivo de dar melhores condições de trabalho aos atletas que por ali passam e que, em diversos escalões, lutam para alcançar os campeonatos nacionais e integrarem os principais emblemas portugueses.

“É esse o nosso objetivo principal: estabilizar o clube e termos condições na formação, trazer gente para a formação que possa alimentar a nossa equipa sénior”, finalizou Paulo Monteiro na entrevista ao JPN.

Editado por Filipa Silva