Na comemoração do 10.º aniversário, o projeto Cardo lança um novo disco dedicado à flora, tem concertos marcados e desenha novos passos. Com o objetivo de espalhar e resgatar a música tradicional, envolvem a comunidade em diferentes iniciativas como oficinas, festivais, coros e outras misturas de arte. O JPN esteve presente na conferência de imprensa que se realizou na quarta-feira (10), para ouvir os fundadores do projeto.

O projeto Cardo-Roxo foi fundado pelos músicos Carmina Repas e Antony Fernandes em 2014. Foto: Carlota Nery/ JPN. Foto: Carlota Nery/ JPN.

O Projeto Cardo nasceu do “gosto pela música tradicional portuguesa”. Carmina Repas, que toca violão de gamba, e Antony Fernandes, que toca gaita de foles, partilham a paixão pela música barroca. Sem saber muito bem para onde iam, criaram o projeto Cardo empurrados apenas pela paixão. Este ano, o projeto celebra o décimo aniversário.

No início, faziam uma série de edições discográficas e agenciamento de concertos. A partir daí, o projeto ramificou-se. Como explicou Carmina Repas, “isto é música que nasce das pessoas” e, por isso, sentiram a necessidade de ter uma “ligação com a comunidade, com o ensino, as crianças, com a ligação multigeracional”.

Esta vontade levou a diferentes formas de ressuscitar a música tradicional, sempre com a preocupação maior de manter uma “ligação humana muito forte”. Criaram escolas, participaram e intervieram noutras, sempre através da musica. “Festa na Aldeia” foi o primeiro projeto que construíram nas aldeias de Portugal, onde se formaram coros com pessoas locais que até hoje continuam a animar. Desde festivais de música do mundo até eventos de canto em igrejas ancestrais, projetos audiovisuais, coros online com 130 pessoas e filmes documentais, que juntam a comunidade e a arte, assim se faz o programa dos Cardo. No ano em que se celebram os dez anos de existência, vão realizar concertos, discos e novos projetos.

Reinventar a música e as comunidades

O Projeto Cardo tem como objetivo o resgate de músicas que “estão mais escondidas, não estão à superfície, as que não sobreviveram ao passar do tempo”. “Tentamos trazê-las de volta, um bocadinho mais à superfície para que as pessoas possam contactar com elas”, explicou Carmina Repas. Os Cardo existem com toda a sua “beleza, resistência e dureza” e, assim como a planta, nascem em “todo o lado, quer seja nas dunas, nos canos, nas valetas”, diz a co-fundadora do projeto.

Com seis discos lançados com comunidades e artistas, esperam preservar o tradicional e modernizá-lo – acrescentar o que os tempos exigem e retirar o que já não faz sentido – para que não fique estagnado. É o caso da adaptação que fizeram de músicas e cantos ligados à família e às crianças: “Sempre aquela coisa de menina bonita, casadoira, prendada. Estas coisas com sentido sexista ou muitas vezes racista. Tem um lado muito obscuro e ultrapassado. Então, escolhemos as que não tinham e as que tinham alteramos”, explicou Antony Fernandes.

O último disco, intitulado de “Bravio“, é todo ele dedicado à flora. “Vamos criar um disco dedicado às plantas”, pensaram. Foram a 18 concelhos de Lousada “pedir às pessoas que recuperassem da sua memória música de tradição oral sobre a flora”. Depois de recolherem as sugestões, fizeram arranjos e deram-lhe uma nova vida. A isso juntaram-se ainda as oficinas de dança, música e artes plásticas com as comunidades escolares de Lousada. O projeto culminou em dois espetáculos.

O filme documental “Escolha da Água”, desenvolvido no ano passado em Santo Tirso, foi um dos grandes destaques. Neste projeto, trabalharam diretamente com a comunidade sobre a indústria têxtil. Carmina Repas explica ao JPN, à margem da sessão de apresentação das atividades para 2024, que se realizou, na quarta-feira (10), na Casa das Artes do Porto, que foi um processo de investigação, que passou por “entrevistar pessoas sobre o que acontecia nas fábricas, o que é que estas significavam nas suas vidas, o que é que elas tinham mudado na vida das pessoas”, e disto resultou um filme dividido em quatro partes e sem falas. O filme, que vai passar na RTP2 ainda este ano, é “uma mistura de várias artes“.

Outro dos projetos é o “Ciclo de Música”, que tem como objetivo trazer músicos de diversas origens, desde a Estónia até ao Brasil. Os fundadores consideram que o projeto é “muito importante”, não apenas pela diversidade musical que proporciona, mas também pela oportunidade de intercâmbio cultural e de conhecimento.

concerto integrado no “Ciclos de Música” em 2023. Foto: Carlota Nery/ JPN.

O trabalho dos Cardo é feito tanto nas zonas rurais como urbanas. O que os distingue, segundo Carmina Repas, é que, no primeiro, as pessoas “não reconhecem o seu próprio valor, nem que são capazes de o fazer” e, no segundo, “vivem demasiado desenraizadas” das suas origens e “desligadas uns dos outros”. E, por isso, a música intervém como um “canal” para que elas se sintam mais conectadas.

Os fundadores consideram-se “causadores de encontros multidirecionais e multiculturais”. O objetivo é misturar pessoas, das mais variadas proveniências, de várias idades. Antony Fernandes reconhece a importância de olhar para o que é português. No entanto, para os fundadores preservar não é sinónimo de intocável. As coisas transformam-se “e está tudo bem com isso”, só é preciso que não desapareçam. “Só assim é que música tradicional se deve manter viva”, trazendo as “formações e vivências” individuais juntamente com bagagens pessoais, acrescentou Antony Fernandes. 

Contam com apoios e parcerias, como é o caso da Rota do Romano, a Direção Regional da Cultura Norte, a Escola Superior de Música e de diferentes municípios como Esposende ou Miranda do Douro.

Para onde caminha o Cardo?

Em junho e julho deste ano, vão realizar espetáculos, residências e gravações. Neste momento, estão a gravar um álbum com jovens do Conservatório de Guimarães e do Conservatório de Música Calouste Gulbenkian de Braga. “Constelações” pretende traduzir o olhar dos jovens de hoje, com os seus medos e anseios através da adaptação musical dos seus poemas escritos. Carmina Repas revela que o sentimento mais destacado é a solidão, acrescentando que “os jovens estão com muito medo, medo de serem abandonados”.

Em setembro, vão lançar o disco, um livro de partituras, bem como fazer a projeção do making of do projeto “Bravio”, realizado em Lousada. Neste tratamento da música tradicional, os fundadores reconhecem temas transversais como a religião e o amor. “Tu sentes a alegria. Mas também se sente muito o sofrimento das pessoas, a pobreza que se vivia em Portugal até há 50 anos atrás”, disse Carmina Repas. E por isso destacam este lado muito político também, de quem viveu o Estado Novo. Como afirma Carmina, “a música [tradicional portuguesa] e a política sofreram um abandono. As pessoas abandonaram, libertaram-se. Mas ja não querem mais saber”.

À medida que olham para o futuro, o Cardo continua a evoluir, incorporando novas perspetivas e colaborações. Com uma programação diversificada e uma abordagem inclusiva, prosseguem a missão de tentar reinventar a música tradicional. Em junho, vão organizar concertos com a presença da Orquestra Bamba Social e da artista Telli Turnalar; em setembro, com Efren Lopez e Kelly Thomas; e, em novembro, com o Quarteto Abagar

Editado por Inês Pinto Pereira