O acordo político entre a maioria de coligação PSD/CDS-PP e o PS para fazer avançar a revisão da Constituição foi alcançado na passada quarta-feira, em reunião parlamentar. Atingir esse consenso foi fundamental para que a Constituição revista começasse a ser votada ontem.

O acordo entre os maiores partidos com assento parlamentar foi conseguido mesmo a tempo de a versão final da revisão constitucional poder ser aprovada ainda antes das comemorações do 25 de Abril, conforme tinha sido pedido pelo presidente da Assembleia da República (AR).

O que vai ser revisto na Constituição?

Os temas que estiveram em cima da mesa no debate de quarta-feira vão desde a limitação de mandatos de cargos executivos autárquicos à criação de uma nova entidade reguladora da Comunicação Social (com o objectivo de substituir a actual Alta Autoridade). Para além destes assuntos, foram ainda abordadas as questões da sobreposição da Constituição Europeia relativamente às normas constitucionais de Portugal e ainda as autonomias regionais. Estes foram os pontos fortes do debate, e eram estes essencialmente os assuntos em que era urgente o acordo entre os maiores partidos com assento parlamentar.

A questão das autonomias regionais foi a última a ser discutida, e revelou-se uma das mais difíceis. Em causa esteve uma proposta de aumento dos poderes dos órgãos políticos dos Açores e Madeira. Quanto a este assunto, o acordo só foi alcançado no final da tarde de quarta-feira, no Parlamento. Uma das alterações previstas refere-se à substituição do ministro da República nas regiões autónomas por um representante da República, a ser proposto e nomeado pelo Chefe de Estado. Na base do desacordo esteve a proposta do PS, que pretendia que a designação fosse a de “representante especial da República”. Mas o partido acabou por concordar com a ideia de abandonar o “especial”.

Críticas à questão das autonomias regionais

Em declarações ao JornalismoPortoNet (JPN), o constitucionalista Jorge Miranda refere que o nome adoptado para o ministro da República “é bastante infeliz”. No entanto, este especialista considera “positivo” o facto de esse representante ser nomeado pelo Presidente da República.

Ainda sobre as autonomias regionais, Jorge Miranda refere que “a autonomia legislativa das regiões autónomas é, em larga medida, um mito, porque hoje, com a integração europeia, a maior parte das normas que vigoram no ordenamento jurídico português acabam por ser normas comunitárias”.

Limitação dos mandatos: uma medida para ficar “no papel”?

A questão mais controversa diz respeito à limitação dos mandatos. Em declarações ao JornalismoPortoNet (JPN), Jorge Miranda, especialista em Direito Constitucional, mostrou-se favorável a esta medida. No entanto, a sua opinião é de que esta alteração “não impõe a obrigação de limitação dos mandatos”, na medida em que “apenas permite limitá-los”. Por isso, este especialista sustenta que, na prática, “a lei acabará por não limitar os mandatos e, como sucede com muitas leis portuguesas, ficará apenas no papel”.

“Eu estou de acordo com a norma, mas acho que ela não é suficiente”. Jorge Miranda defende assim que deveria haver a “obrigação de limitar os mandatos” de cargos políticos.

Ainda a propósito desta medida, Jorge Miranda defende que “o ideal era a Constituição dizer logo, como diz em relação ao Presidente da República, que ninguém pode exercer mais de dois ou três mandatos sucessivos”.

Também especialista em Direito Constitucional, Luísa Neto esclarece que aquilo que ficou previsto “foi apenas a regulação da situação quanto aos cargos executivos”. Esta professora de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Universidade do Porto (FDUP) explicou ao JPN que “a ideia de limitação decorre de um princípio geral de renovação e de exercício dos cargos em termos não vitalícios”.

“Um texto mais modesto”

Para Luísa Neto, “o texto que está pendente para aprovação já é bem mais modesto”, pois ficaram de fora questões como “a suposta criação do Senado, a proibição do aborto, a mexida nos limites materiais de revisão, os poderes do Presidente da República e o estatuto dos deputados”.

Para que se possa levar a cabo uma revisão da Lei Fundamental é necessário que pelo menos dois terços dos deputados com assento parlamentar vote a favor, daí que o acordo entre os maiores partidos com representação na Assembleia da República tenha sido fundamental.

Quantas revisões já sofreu a Constituição Portuguesa?

Em vigor desde 25 de Abril de 1976, a Constituição Portuguesa já foi revista em cinco alturas: 1982, 1989, 1992, 1997 e 2001. Esta é já a sexta revisão feita à Lei Fundamental.

Relativamente às revisões constitucionais, Luísa Neto explica que estas são uma forma de garantir a estabilidade da Constituição”.

As alterações à Constituição começaram a ser debatidas e votadas ontem em plenário da AR. A votação final das alterações constitucionais será feita ainda hoje.

Ana Correia Costa