Doutorado em Ciência Politica, o professor Milan Rados é especialista em Relações Internacionais. Docente na Licenciatura em Jornalismo e Ciências da Comunicação da Universidade do Porto, o professor de origem jugoslava aceitou conversar sobre a actual relação entre a Turquia e a União Europeia. Salientando que este processo será longo, Milan Rados é da opinião de que o estado turco trará mais problemas do que benefícios à União Europeia.
Ao longo da conversa, ficou igualmente claro que, para este especialista, a entrada da Turquia só acabará por prejudicar Portugal. Milan Rados aponta ainda os principais problemas que o processo pode encontrar e salienta que, se há alguém verdadeiramente interessado na adesão turca, esse alguém é Washington.

JornalismoPortoNetProfessor Milan Rados, a Turquia está há mais de 40 anos às portas da União Europeia. Acredita que é desta que os Vinte Cinco vão finalmente deixar Ancara entrar?

Milan Rados – Se compararmos com o que aconteceu com situações anteriores, vemos que todos os que foram admitidos no processo de negociação entraram na União Europeia. Portugal pediu a adesão pela primeira vez em 1961 e foi rejeitado. Fez um segundo pedido seis anos depois, que também foi rejeitado. Só depois do 25 de Abril e da instalação de um regime democrático que satisfizesse as condições da CEE, é que Portugal foi finalmente admitido como candidato oficial. Isto em 1977, e só foi admitido como membro nove anos depois. A Turquia, na situação em que está agora, necessita de mais tempo do que Portugal para entrar. Mas repito, todos aqueles com quem se iniciaram negociações foram admitidos. Isso quer dizer que o primeiro passo importante já está dado.

“Uma Turquia “taliban” seria bastante perigoso para a segurança da Europa”

Há quem diga que a Turquia vai trazer grandes vantagens à UE. Mas há igualmente quem diga que não, que a Turquia e a Europa devem manter o que eles chamam de uma “parceria privilegiada”. Afinal, a Turquia vai trazer ou não algo de importante para a Europa?

Isso é uma questão que deve ser analisada a vários níveis. A nível político, neste momento a Europa não precisa da Turquia para nada. A Europa está a crescer a um ritmo acelerado, admitiu estes países de leste e vai ter de se preocupar primeiro com a sua integração no espaço europeu. A Turquia sempre foi um aliado fiel durante a Guerra Fria, mas a União Soviética já não existe e por isso essa aliança já não é necessária. Neste sentido, a Turquia não é importante neste momento para a Europa. O que é importante de facto é ajudar a Turquia a tornar-se um país democrático no sentido de afastar a Turquia de possíveis tendências fundamentalistas do mundo islâmico. Nesse sentido sim, vale a pena ter como aliado uma Turquia democrática, pró-ocidental, do que ter um vizinho como a Turquia com um governo do tipo “taliban”. Isso seria bastante perigoso para a segurança da Europa. No nível económico a Turquia só pode trazer desvantagens e problemas para a economia europeia. Segundo o sistema de distribuição de fundos da UE, significaria que a maior parte dos fundos do quadro comunitário iria para a Turquia. Portugal e os pequenos e médios países da Europa iriam perder muito deste apoio. Por outro lado, o mercado da Turquia, que é grande, podia ser interessante, mas a Alemanha já controla economicamente este mercado. Assim, no nível económico, para a União Europeia, a Turquia significava apenas esvaziar os fundos de ajuda todos para Ancara, em detrimento dos outros estados-membros.

A Turquia tem uma inflação na ordem dos 30%. Como é que seria possível existir convergência entre a economia turca e o Pacto de Estabilidade europeu?

Bom, a Turquia pode entrar na União Europeia, mas isso não quer dizer que entre na zona Euro. Isso só vai acontecer quando tiver condições o que só deve acontecer daqui a muito tempo. Por exemplo, nenhum dos novos estados membros pertence ainda à zona Euro e se a Eslovénia, Chipre e República Checa podem eventualmente entrar já no próximo ano, isso vai demorar muito mais tempo a acontecer com os restantes sete novos membros.

“A União Europeia deve ajudar a Turquia a caminhar para valores democráticos”

Seria um grande triunfo para a Europa conseguir pela via diplomática o que os Estados Unidos não estão a conseguir pelo uso da força, ou seja, pegar num país de tendência islâmica e incutir-lhe valores democráticos, trazendo-o assim para o seio da Europa?

Essa seria a única razão válida para a Turquia entrar na União Europeia. A única verdadeira razão para a Europa fazer um esforço económico e social deste nível. É uma razão muito importante, porque, se a Turquia não receber este apoio, se não crescer economicamente, vai provavelmente virar-se para o fundamentalismo islâmico.

O professor então não acredita, como diz o governo britânico, que a entrada da Turquia na União significava mais uma grande vitória na luta contra o terrorismo?

Primeiro, é preciso saber o que é o terrorismo. A ONU ainda não conseguiu encontrar uma definição precisa de terrorismo por isso não se sabe bem o que é terrorismo. É também por isso que há actos que uns catalogam como terrorismo e outros dizem que não se trata de um acto terrorista. Depois, é preciso ver que há duas formas de encarar a luta contra o terrorismo. A maneira da administração Bush, pela força, e o método europeu, que privilegia as relações diplomáticas, contribuindo para um desenvolvimento civilizacional, económico e político dos países árabes. Se a luta contra o terrorismo – e a União Europeia – ajudar a encaminhar a Turquia para os valores democráticos, então podemos dizer que sim, que isso é de facto o caminho a seguir.

A Turquia é hoje em dia o maior exército da NATO, logo atrás dos Estados Unidos. A Europa pode encontrar na Turquia o pretexto para a construção do “tal” exército europeu de que tanto se fala e pouco se faz?

A Turquia pôde ter um exército numeroso porque havia razão para ele existir. Durante anos, houve uma guerra com a população curda que exigia que Ancara tivesse um forte dispositivo militar pronto a entrar rapidamente em acção. Agora, qual é a qualidade desse exército? Se esse exército pode defender o sul da Europa, contra qualquer tipo de ameaça, isso já é mais duvidoso. Não se sabe se este exército está equipado com armas modernas ou não, se está bem treinado ou não. É mais importante ter armamento moderno do que ter muitos soldados. Só assim se está pronto para encarnar as guerras dos dias de hoje. É sempre bom ter um aliado naquele canto do mundo.

Miguel Lourenço Pereira