Incentivo ao terrorismo? Publicidade ao anarquismo? Mera tentativa de ressuscitar um sucesso antigo? São muitas as questões que rodeiam a intenção de James McTeigue e os Irmãos Wachowski quando realizaram “V de Vingança”. Se a isso se juntar a desistência do autor da banda desenhada, na qual o filme se baseia, a meio do projecto, o filme gera mais controvérsia não pela história, mas pelo ambiente que a rodeia.

A estreia do filme foi circundada de muita polémica. Muitos críticos de cinema acusaram os Irmãos Wachowski de aproveitarem a novela gráfica de Alan Moore para criticar o governo Bush e apoiar o terrorismo islâmico. Outros consideraram isso algo positivo, visto os responsáveis de “Matrix” terem resistido à necessidade de tornar a película um blockbuster que rendesse algum dinheiro e realizado um filme com forte carga política e demasiado intimista para uma mera longa-metragem de super-heróis.

“V de Vingança” é um filme baseado na banda desenhada de Alan Moore escrita na década de 80, altura em que a Grã-Bretanha era governada pela Dama de Ferro, Margaret Thatcher. A obra é uma metáfora do governo britânico de então, mas também pode ser visto como um novo “1984”, de George Orwell, devido à ditadura, à tirania e à opressão.

Na história, Evey é uma rapariga normal, com uma vida como todas as outras, empregada do “sistema”. Isto até o destino a cruzar com “V”, um vigilante mascarado sem nome ou identidade que quer lançar a anarquia no governo vigente. À primeira vista, o vigilante dá a entender que os seus intuitos são puramente revolucionários e políticos. Mas ao longo do filme, o espectador apercebe-se que o que “V” quer é vingança. Vingança por causa de algo que lhe fizeram a ele, aos pais de Evey e a muitas outras pessoas, opositoras do sistema ditatorial.

Apesar da qualidade subjacente ao facto de não ser um “blockbuster” no verdadeiro sentido do termo, nota-se uma tentativa frustrada dos Irmãos Wachowski em ressuscitar o sucesso “Matrix”. É clara a intenção de fazer de Evey um Neo em versão feminina e “V” é Morpheus, o mentor disposto a sacrificar-se pela “causa”. A única diferença é que não há um protagonista central. O vigilante mascarado e a sua discípula têm igual importância e o filme não sobrevive sem um deles presente.

Os efeitos especiais e as cenas de combate também são fotocópias da trilogia “Matrix”. A necessidade de inserir artes marciais numa cena de luta é levada ao extremo, com o britânico vigilante a ser especialista em kung-fu do dia para a noite.

Quanto ao desempenho das personagens, o espectador pode agradecer a voz de Hugo Weaving. A sua personagem mascarada dá a tonalidade pesada a todo o filme e talvez a película não teria a mesma carga se o vigilante mostrasse a face. Assim permanece incógnito e aquilo que lhe aconteceu fica à mercê da imaginação de quem vê o filme.

Quanto a Natalie Portman, não consegue ser Neo, mas também não faz um mau papel. Muito pelo contrário. Melhor que as suas “rivais” em filmes de acção (Scarlett Johansson em “A Ilha” ou Charlize Theron em “Aeon Flux”), a israelita mostra muita competência para uma actriz de 24 anos. E muita coragem teve para rapar a cabeça e deixar o corpo submeter-se a alguns sacrifícios para ficar com a aparência de prisioneira na solitária.

Polémicas à parte, fica a ideia que a ambição do filme ficou condicionada pelo facto dos realizadores tentarem fazer dele aquilo que ele não era: a história de Neo e das máquinas, de Zion e da Nebuchaneddzar. Se “V de Vingança” fosse pensado apenas como o filme que é, talvez McTeigue e os irmãos Wachowski conseguissem apresentar um filme mais arrojado, que faria esquecer as referências ao terrorismo e à anarquia que, verdade seja dita, podiam ser mais leves.

Foto: DR