A memória foi o mote para o 6º Simpósio da Fundação Bial, a decorrer na Casa do Médico, no Porto, desde 29 de Março.

“Memória e sugestibilidade em crianças vítimas de maus tratos” foi o tema trazido hoje por Mitchell Eisen, professor de Psicologia na Universidade do Estado da Califórnia.

O consultor do Ministério Público do Estado da Califórnia para assuntos relacionados com a memória de testemunhas oculares, pós-trauma e efeitos de abusos em crianças apresentou os mais recentes estudos científicos sobre os efeitos de sugestibilidade e formação de falsas memórias em crianças, dando particular atenção a entrevistas forenses realizadas a crianças maltratadas.

O professor falou na controvérsia à volta da veracidade das alegações de abusos de crianças nas últimas duas décadas.

Eisen referiu o efeito de dissociação na memória de crianças vítimas de abusos para se “esquecerem de experiências traumáticas”. O esquecimento tem uma função selectiva: “É um truque da memória”. “Evitam-se lembranças para manter acontecimentos traumáticos fora da consciência”, explica.

Mitchell Eisen refere que “os pormenores de experiências traumáticas ao longo do tempo vão-se desvanecendo”. “As crianças tendem a reprimir e a esquecer acontecimentos maus”, afirma.

O “poder de sugestão” nas crianças

A questão da sugestibilidade foi o tema central da intervenção do professor, que introduziu o conceito de “aceitação de informação pós-evento”.

“As crianças precisam de ajuda para organizar a memória e os seus esquemas de memória, e são mais sugestionáveis que os adultos”, explica.

Em interrogatórios feitos a crianças para apurar se estas são vítimas de abusos, recorre-se, com frequência, a perguntas “sugestivas”, condicionando as respostas a serem dadas. Mitchell Eisen chama a atenção para o perigo deste comportamento por parte dos profissionais da área jurídica. Interrogar crianças de um modo repetido e repetitivo origina um “ensaio da memória”, afirmou o professor. E refere: “É possível ‘implantar’ memórias: criação de memórias de acontecimentos que não existiram”.

O especialista exemplificou com estudos em que, após conversar com os pais, o investigador entrevista a criança e introduz falsos eventos alegando que os pais lhe tinham contado. A criança começa por negar, mas depois admite lembrar-se e inclusive dá pormenores dos eventos.

“A criança acredita na veracidade dos acontecimentos porque também confia na fonte – os seus pais”, acrescenta o professor.

Mitchell Eisen trata ainda o efeito a que chama de “inflação da imaginação”. Ao longo do tempo há pormenores que se perdem e as recordações dão lugar à imaginação. “Numa testemunha ocular a confiança não é um elemento fiável para indicar a veracidade do depoimento e do acontecimento que descreve. Muitas vezes, as testemunhas mentem inconscientemente”, sustenta.

Eisen defende a existência de uma “pseudo-memória”: a imaginação começa a competir com a memória verdadeira do acontecimento.

O professor alertou para o cuidado especial a ter no interrogatório a crianças vítimas de abusos. Chamou ainda a atenção para o facto de muitas vezes as crianças responderem de acordo com aquilo que é esperado, com aquilo que acham ser “a resposta certa”. Há que ter em conta o tipo de perguntas a fazer: questões abertas em vez de questões fechadas, sem estar implícita uma resposta.

Eisen concluiu que não existe maneira de identificar as diferenças entre as memórias verdadeiras e as falsas, dado que as pessoas revelam o mesmo grau de confiança em ambas, pois acreditam na veracidade das suas recordações.

Memórias “relâmpago” “são fiáveis”

A veracidade das memórias “relâmpago” e sua ligação aos depoimentos espontâneos de testemunhas foi outro dos temas abordados hoje durante o simpósio por Lia Kvavilashvili, professora de Psicologia Cognitiva, na Universidade de Hertfordshire, em Inglaterra.

Lia Kvavilashvili apresentou estudos sobre as memórias “relâmpago” em torno da morte da princesa Diana e dos atentados de 11 de Setembro de 2001 que revelam que este tipo de memórias tem um elevado grau de fiabilidade.

Gina Macedo
Foto: DR