Trinta anos depois do primeiro concerto organizado pelos Xutos e Pontapés, que representou os primeiros passos de uma banda que pretendia conquistar um lugar na música portuguesa, Zé Pedro, guitarrista no grupo, faz o balanço da carreira dos “Rolling Stones portugueses”.

JPN: Perante uma história de 30 anos, o melhor mesmo será começar pelo início. Apesar de terem obtido reconhecimento pela sonoridade rock, foi com uma postura provocatória, bem ao estilo punk, que a banda começou por se distinguir. Porquê?

Zé Pedro: Porque eu fundei a banda um pouco à base disso. Tinha estado num festival de punk lá fora em 1977.E quando cheguei a Lisboa , tinha a ideia fixa de criar uma banda . E aconteceu no final de 1978, para 1979.

Qual o papel dos media na vossa divulgação enquanto banda? Consta que as rádios eram vossas “amigas”…

Havia um programa de rádio que nós ouviamos sagradamente que era o Rotação do António Sérgio. Havia um na Rádio Renascença do Rui Pego , que era a Cor do Som. Tinha uma parte de música portuguesa , penso que eram três horas de música , sendo uma dedicada à música nacional , onde montes de gravações nossas foram lá parar, ou a gente enviava.E tinha um top na altura , que as pessoas votavam, onde o nosso nome era muito bem votado.Ganhávamos sempre boas posições lá. O Rock em Stock do Luis Filipe Barros na Rádio Comercial era também um programa muito importante, mas não tão ligado à música portuguesa. Por isso , tenho a impressão que só quando garvamos o primeiro álbum, é que fomos passados no Rock em Stock.

Perfil

Os Xutos & Pontapés reuniram-se em ensaio no final de 1978, com o primeiro concerto a ter lugar a13 de Janeiro de 1979, ainda com Zé Leonel na voz, na sala Alunos de Apolo . Para além de Tim, Zé Pedro, João Cabeleira e Kalú, fizeram ainda parte da banda, Francis (guitarrista) e Gui (saxofonista). Influenciados pela atitude punk, iniciada pelos Sex Pistols, o grupo editou o primeiro single, “Sémen/Quero Mais”, em 1981, ao qual se seguiu “Toca E Foge/Papá Deixa Lá”, em 1982. Ambos os singles foram editados pela editora independente Rotação.O primeiro album do grupo, “78/82”, apresentava um estilo arrojado não só na sonoridade, como nos textos. Em 1983, o guitarrista Francis deixou o grupo, sendo substituído por João Cabeleira, em Novembro do mesmo ano. Em 1984, surgiu o terceiro single, “Remar, Remar/Longa Se Torna A Espera” e entrou para o grupo o saxofonista Gui. O ano de 1987 marcou a massificação do sucesso do grupo, com a edição de Circo de Feras. Para além do tema-título, este trabalho reuniu êxitos como “Contentores”, “N’ América”, “Não Sou O Único” e “Sai P’rá Rua”. Em 1990, o grupo assume a actual composição – após a saída saxofonista Gui – iniciando um percurso com passos surpreendentes, como o concerto acústico gravado, em 1995, na Antena 3. O ano de 1999 foi marcado pelo vigésimo aniversário do grupo, do qual resultou o álbum tributo “XX Anos, XX Bandas”. Dez anos depois, a banda regressa com novo álbum de originais.

Em 2000,os Xutos editaram um título especialmente dedicado aos fãs incondicionais, registando momentos da actuação ao vivo no festival Rock Rendez-Vous, a 1 de Agosto de 1986. As sucessivas passagens pelo Rock Rendez Vous foram marcantes?

Esta sala de espectáculos era sem dúvida a mais importante do país. Até ficou na memória hoje em dia como uma sala importantíssima em Lisboa. Lá cabiam umas 500,700 pessoas, havia esse aparato todo. E nós, no Rendez Vous fomos a banda que mais tocamos ao longo da existencia deste concurso. Portanto, eramos quase uma banda da casa. Claro que para nós foi importantíssima esta ligação ao Rock Rendez Vous. Tanto que o nosso albúm , o Cerco, acaba de ser garvado pela Dansa do Som que era a editora que pertencia ao Rock Rendez Vous.

Para além dos vossos álbuns, é comum ver elementos dos Xutos envolvidos em projectos distintos. O caso da presença do vocalista Tim no grupo Resistência é um exemplo. De que forma é que essas experiências enriqueceram o vosso trabalho como banda?

Hoje em dia é importante trabalharmos com outros músicos. Não só alargamos os nossos horizontes. São novas formas de trabalho.E podemos abordar a música fora do contexto dos Xutos e Pontapés. Portanto, isso é tudo muito enriquecedor para cada um de nós individualmente.Gravei com o Jorge Palma por exemplo[Projecto Palma´s Gang] , com o Paulo Gonzo. Tenho participações aqui e ali, sempre que posso. O Tim, se calhar é de todos nós o que está mais virado para essa experiência. Tem uma raiz popular muito forte. Tem alguns albuns a solo. Participou no projecto dos Rio Grande, dos Cabeças no Ar e dos Resistência. Portanto ele tem uma parte acústica muito forte dentro dele. Ele gosta muito de tocar guitarra acústica. Nós somos muito solidários com a carreira dele fora dos Xutos e Pontapés.

Mas os Xutos também já adoptaram esse registo acústico num concerto ao vivo na Antena 3…

Eu acho que foi muito importante essa gravação na antena 3. Nós quando fizemos esse concerto, não estavamos a contar com a gravação de nenhum disco.Mas passou-se numa fase de mudança. Nós vinhamos de um período em que praticamente nos tinhamos separado e estavamos numa fase de mudança de editora. Portanto, este disco, quer dizer, este concerto que demos posteriormente gravado, serve como ponte de ligação de uma fase para outra. Esse concerto na Antena 3, por ter sido uma nova forma de abordagem na nossa música, e principalmente por termos gravado a versão acústica do “Homem do Leme”, deu uma nova projecção à banda que muita gente pensava que já tinha acabado.

Tanto não acabaram como até houve já quem vos chamasse os Rolling Stones portugueses depois de, em 2003, o próprio Zé Pedro ter realizado o sonho de abrir um concerto desta banda.

Por mim, fico muito gratificado. Foi um ponto muito alto da minha vida ter pisado o palco onde pisaram o Rolling Stones , e ter feito a primeira parte que é uma coisa dificil. Agora ao equipararem-nos aos Rolling Stones , talvez porque tivemos uma vida paralela dentro do nosso universo nacional , eles no internacional. Temos realmente alguns pontos em comum, nomeadamente os anos todos que nos aguentamos.

Ao longo destes anos, sentiram que evoluiram a nível musical?

Muito, muito.De ano para ano evoluímos. Nós tocamos muito ao longo destes anos. Isso dá-nos uma rodagem muito boa. E uma ligação entre nós como músicos muito saudável. Tudo isso se trana«smite no profissionalismo que temos hoje em dia.

Nos 20 anos dos Xutos fizeram uma serie de iniciativas da qual se destaca o” XX anos, XX Bandas”. O que é que os fãs podem esperar para os 30 anos?

Este é um dos anos mais ricos da história dos Xutos e Pontapés. Elaborámos o melhor albúm da banda na minha opinião até ao momento.Vamos lançar toda a nossa discografia não só em CD como em vinil. Depois temos a nossa tourneé que vai terminar no estádio do Restelo no dia 26 de Setembro. Não conseguimos igualar os U2, mas posso adiantar que quem vai desenhar e montar o palco é a mesma companhia que está a trabalhar com esta banda. Os GNR fizeram no estádio em Lisboa. Desde aí , nunca mais ninguém fez .E este ano os Xutos vão arriscar e vão elevar a fasquia da produção nacional de espectáculos.

Então este concerto é o presente que vocês concedem aos vossos fãs?

Exactamente. Nós, nos 25 anos, fizemos dois pavilhões Atlântico, e agora a nossa fasquia elevou para o Estádio do Restelo. Mas queremos a melhor produção que alguma banda tenha feito em Portugal.

Quais são as expectativas para o vosso novo álbum?

As expectativas para já são muito boas. Entramos directo para primeiro lugar do top. Na primeira semana vendemos 5000 discos. Não se previa que se vendesse tanto só na primeira semana. Nos tempos que correm é uma coisa muito boa. Não só nós , como a editora e até a própria indústria discográfica está interessada no nosso disco. É engraçado que a nossa editora é a Universal , mas todas as outras editoras mandam-nos os parabéns.

Após 30 anos na estrada , o que é que vocês acham que ainda trazem de novo para o panorama musical?

Eu acho que todas as tournées dos Xutos e Pontapés tornam-se maiores que as do ano anterior. E isso é uma mais valia para a música nacional de certeza absoluta. Acho que é um alento e um incentivo para todas as bandas em Portugal. Portanto, não é uma conquista pessoal dos Xutos e Pontapés.Aquilo que conseguimos conquistar tem o nosso mérito, tem o nosso suor. Mas de qualquer maneira, é porque existem bandas a trabalhar ao nosso lado, e todos nós puxamos para o mesmo sítio, que é elevar a qualidade da música em Portugal e a qualidade do mercado português. Nós como banda mais antiga, temos a possibilidade de arriscar mais do que as outras bandas a seguir a nós.

Acha que foi um risco terem regressado às vossas origens punk com uma música como “Sem eira nem Beira” ?

Eu acho que é uma renovação. Os Xutos e Pontapés nunca foram nostálgicos. Eu pessoalmente não gosto dessa equiparação ao passado. Como se no passado é que tivessem acontecido as coisas boas. Eu acho que no futuro é que vão acontecer as coisas boas. Portanto, é tudo uma renovação de coisas. Agora são tipos de música que caracterizam o nosso som, que têm sido difundidos e que nós achamos significativo editá-las. Mas não quer dizer que sejam retornos ao passado.

Já receberam um globo de ouro em 1999, foram agraciados com a Ordem Infante D. Henrique pelo Presidente da República Jorge Sampaio, já completaram 30 anos e ainda são considerados os “Rolling Stones portugueses”. Acham que já realizaram tudo , ou ainda querem alcançar mais objectivos?

Queremos alcançar muito mais objectivos [risos].Isto ainda não foi nada do que poderemos ainda alcançar. Enquanto tivermos saúde e pernas para andar, os Xutos e Pontapés nunca mais vão parar. Mas acima de tudo , acho que quando houver vontade para criar e de andar na estrada. Para nós acaba por ser um vício.Nós sabemos que alimentar um vício tem a ver com a criatividade e com o não nos deixarmos cair. E se alguma vez nos faltar essa criatividade, nós às vezes até falamos nisso, espero que sejamos os primeiros a perceber para não nos deixarmos arrastar por coisas que não nos interessam nada e que nada têm a ver connosco. Para sair , tem que ser pela porta grande para sair em alta. E isso tem a ver com o nosso espírito, criatividade e união. Enquanto isso se mantiver, nós vamos andar por cá [risos].