É um passeio pelo amor, uma lembrança da vida, um retrato da morte. Em “Letra M”, o M é Margarida, a falecida amada do lavrador, mas também pode ser a ceifeira que decidiu aniquilar tamanha paixão. E não só. Tal como escreve, a propósito da peça, o director artístico do Teatro Nacional S. João (TNSJ), Nuno Carinhas, “à letra M soma-se a letra V – à letra da morte somam-se as letras da vida de Vieira”.

Em cena de 5 a 13 de Fevereiro, no Mosteiro de São Bento da Vitória, “Letra M”, encenada por Fernando Mora Ramos, é uma co-produção do Teatro da Rainha e do TNSJ. Baseada no texto “O Lavrador da Boémia”, escrito, em 1401, por Johannes von Saaz, representa a última criação cenográfica do pintor João Vieira, falecido em Setembro, que se ocupou também dos figurinos e das quatro pinturas que ornamentam o cenário.

Um texto “movido pela paixão”

Numa espécie de “circo romano”, o Lavrador (Paulo Calatré), ou antes “gladiador”, usa o “único poder que lhe foi conferido – o da palavra” – para confrontar a Morte (António Durães), aqui encarada como uma figura da realeza que, num plano hierarquicamente superior, avalia e julga o desespero do camponês que perdeu a sua mulher.

“Quanto mais amor te derem, maior será o teu desgosto. Se tivesses amado menos, menor seria o teu desgosto”, vocifera, neste mosteiro que, diz Mora Ramos, se transforma numa autêntica “fábrica da Morte”.

Para o encenador, este é um texto “movido pela paixão” e escrito “por razões passionais”, já que o próprio Saaz passou por uma situação semelhante ao perder a sua amada. Profundamente crente, o autor quatrocentista não culpa o divino pelas amarguras da sua vida, tal como o lavrador só atribui responsabilidades à foice, um “instrumento de Deus” que “ceifa com Justiça”, profere a Morte, logo ao início da peça.