Está há vários anos envolvida na área da divulgação de ciência. Quais os principais momentos que destaca a nível de comunicação de ciência na sua carreira? Qual o balanço que faz?

Tirei o curso de biologia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto para dar aulas, fiz estágio e percebi realmente que não era por ali que queria ir. O primeiro emprego que tive foi na gestão de projetos de Educação Ambiental e vi que realmente era na realização de projetos na área das ciências que queria trabalhar. A empresa que tenho surgiu por acaso, com pessoas que faziam parte do mesmo grupo na faculdade. A colaboração com a Fundação de Serralves, uma das instituições parceiras a nível de atividades, foi um dos marcos mais importantes para mim, porque evoluí lá. Permitira-me criar e tem sido um verdadeiro laboratório de experiências.

Em termos pessoais não conseguiria fazer outra coisa. O mais difícil é continuar a investir em termos académicos no meio de um ritmo tão acelerado em termos profissionais [aos 36 anos encontra-se a fazer um doutoramento em divulgação da ciência na Universidade do Porto].

Trabalha com diferentes públicos, sobretudo com o infantil. Nota diferenças na forma como a atenção à ciência tem vindo a evoluir, do modo como as pessoas, especialmente as crianças, veem a ciência?

Sem dúvida que têm havido diferenças. Se no início era desbravar terreno, como se costuma dizer, porque a ciência era muito fechada na faculdade e era apenas para alguns, agora nota-se que, se entrarmos por exemplo numa livraria, existe uma grande quantidade de livros de ciência. As crianças agora não têm problemas nenhuns de falar de ciência, gostam, falam e os pais também têm uma outra postura. As pessoas vão para as atividades já com imensas perguntas, referem ter visto na televisão uma determinada informação sobre o tema e já sabem ao que vão.

“Só se aprende no que se mexe”

Quais são os maiores desafios inerentes a este trabalho de divulgação de ciência?

O desafio maior é conseguir transmitir conceitos que às vezes não são simples de forma a que qualquer tipo de público entenda. Passar uma mensagem clara e que toda a gente compreenda, com as suas diferenças iniciais, mas que todos saiam a perceber o que se quer transmitir. E não só. Perceber também a interrelação entre os temas, como é que determinado tema se liga com a vida das pessoas. É muito importante. Uma outra é colocar os participantes a pôr as mãos na massa. Só se aprende no que se mexe e isso também um desafio. As pessoas aprenderem pela prática. É assim que o público também capta e memoriza a informação e fica com a afetividade necessária para guardar a experiência.

No contexto em que estamos, há (ainda) mercado para este tipo de empresas de divulgação de eventos científicos em Portugal?

Não é fácil. Mas acho que é extremamente necessário. As faculdades começam agora a ter os seus núcleos de divulgação de ciência, só que acho que, como investigadora da faculdade, ou bem que a pessoa investiga ou bem que a pessoa realiza atividades. Há uma certa margem de manobra para, por exemplo, realizar a Noite Europeia dos Investigadores. Estes eventos vão continuar sempre a existir. Mas acho que há atividades que têm de ser mesmo a tempo inteiro porque é muita coisa e é preciso saber fazer divulgação. Devia haver uma profissão como divulgador de ciência, daí a importância dos programas doutorais nesta área porque é preciso saber fazer as coisas. Qualquer pessoa pode fazer, mas não quer dizer que seja bem feito. É preciso ter noção que a divulgação de ciência implica perceber de estratégias de comunicação, implica perceber da área de ciência.

“Quem faz divulgação científica tem de ser escolhido a dedo”

Quando já se passam vários anos e há atividades e temas que se repetem, como se consegue manter o interesse do público e conseguir “sobreviver” no mercado?

Embora o tema seja o mesmo, no caso das atividades na Fundação de Serralves, as atividades nunca são repetidas e isso é que é uma dor de cabeça. Temos o mesmo público praticamente desde o início. Sabemos sempre que temos as mesmas crianças. Se temos uma atividade sobre morcegos sabemos que temos de explorar várias facetas dos morcegos. Temos sempre eventos para massas em que temos de fazer um apanhado porque o público é heterógeneo, pois não sabemos quem vai visitar. Tentamos ter opções. Se no início, com os animais, nos concentrávamos a explorar o que existe, agora estamos a perceber como é que evoluiu. Está a iniciar agora um programa de citizen science em que as pessoas já são convidadas a monitorizar a biodiversidade.

Quais as maiores dificuldades inerentes a manter uma empresa de divulgação de ciência em Portugal?

Muito trabalho. Tem de se gostar imenso porque as dificuldades são imensas, como com qualquer outra empresa. Temos de estar permanentemente a pensar e não ter medo de trabalhar sem rede, com alguma insegurança, pois trabalha-se por projeto. Temos de o fazer com pessoas especializadas que saibam o que estão a fazer, por exemplo não podemos ter qualquer pessoa a fazer uma atividade com crianças do pré-escolar, pois esse é o público mais difícil de transmitir conceitos e é o público mais frontal e faz muitas perguntas. As pessoas têm de ser escolhidas a dedo e curiosamente o mais difícil é arranjar pessoas. Mais do que propriamente o trabalho, a dificuldade está em conseguir quem garanta que aquele trabalho tem qualidade e se tiver qualidade acho que há sempre espaço para existir.

Há poucas pessoas vocacionadas para esta área em Portugal. Antes esta era vista como a segunda opção quando a primeira não corria tão bem e havia também um preconceito que está a ser ultrapassado felizmente que é o de que qualquer pessoa faz divulgação de ciência e de se achar que é fácil. Não acho que seja fácil. Estamos a perceber que é uma área própria.

Como avalia a divulgação de conteúdos de ciência em Portugal, até enquanto profissão, em comparação com outros países?

O que estamos a passar agora, vários países já passaram há muito tempo. Provavelmente lá fora já se está numa outra etapa de esquemas de avaliação de atividades e de formação de pessoas qualificadas para fazerem divulgação. Estão na etapa à frente do que estamos já a começar. Em termos de qualidade é execional o que fazemos. Está a haver um boom de ofertas de divulgação de ciência, mas vamos ter que filtrar e avaliar atividades e programas. Tem de ser criado como uma área de formação, o que necessariamente é difícil porque é uma área interdisciplinar. Eu própria vejo isso no meu doutoramento porque envolve áreas que tradicionalmente eu não tive na minha formação de base.

“Se tivermos uma equipa de trabalho de bons comunicadores que trabalhem com investigadores isso é super poderoso”

Quais as atividades ligadas à divulgação científica que lhe dão mais prazer dinamizar?

Todas. Sem exeção. Conceber desde a primeira ideia que surge, o como se vai fazer, tudo isso envolve imensa pesquisa e um trabalho de equipa. A pessoa vai tendo gradualmente um envolvimento tão grande, na parte conceptual, pedagógica, que no fim só podemos gostar. Não consigo diferenciar. Adoro tudo.

O que falta fazer em Portugal na área da divulgação científica?

É preciso continuar a fazer. O que quer que se faça tem de ser consistente. Tem que se pensar o que é prioritário, e de se ter uma ligação muito grande com o meio académico, percebendo como é que as coisas estão a evoluir e como se consegue transmitir permanentemente tudo o que de fascinante está a acontecer no meio científico. A divulgação tem de estar a par da evolução da ciência. O braço direito da divulgação tem de ser a ciência e vice versa. O investigador não tem de ser um excelente comunicador, tem de ser um excelente investigador. E se tivermos uma equipa de trabalho com excelentes comunicadores que trabalhem com os investigadores isso seria super poderoso. Um comunicador também não tem de ser um especialista em ciência, mas tem de trabalhar em paralelo.

Que projetos tem para o futuro?

Pergunta difícil. Quero continuar com todo o trabalho que tenho feito. Quis fazer um programa que tivesse uma evolução ao longo do tempo e já passaram 10 anos. Queria aproveitar mais a área de divulgação de ciência com a realização de documentários, folhetos divulgativos, bases de dados, artigos científicos para dar feedback do trabalho que tem sido feito, entre outros. É uma nova etapa a investir.