No âmbito do Dia Internacional da Criança com Cancro, o JPN visitou a Acreditar, associação formada por pais de crianças e jovens que têm ou tiveram a doença. A instituição presta agora apoio a famílias que enfrentam o cancro, sendo na casa Acreditar que encontram abrigo e tentam refazer o seu quotidiano.

É na sala dedicada aos pais da Casa Acreditar que Arina Valla, de 38 anos, aguarda pelo JPN para falar da sua experiência com a instituição. Veio de Moçambique e, através do médico do filho, chegou à associação já há dois anos e recebeu o alojamento de que necessitava. A criança sofre de uma doença hematológica, talassemia major, e teve de fazer um transplante há um ano. O dador foi o próprio irmão, que se encontra também a viver na casa: “Tivemos a sorte de vir eu, o pai dos meninos e virem os meninos. Faltam-nos algumas peças como [a minha] mãe, irmãs, primos, mas, no essencial, estamos cá todos, na Acreditar”.

Na Acreditar, a véspera de Carnaval não passa ao lado. Às 14h30, há um ateliê de máscaras e o entusiasmo é grande, também para o filho de Arina: “Ele está a vestir-se agora, como hoje tem uma atividade. Está a escolher a melhor roupa e tudo, estão todos ansiosos para a festa de máscaras”.

Quando questionada sobre o papel da instituição na sua vida, expressa gratidão: “A Acreditar é a nossa casa. Sentimo-nos muito bem acolhidos, temos tudo o que precisamos”.

Quanto ao ambiente na casa e as relações entre as famílias, a mãe acredita haver uma forte base de suporte: “Acabamos por ser uma grande família, na verdade. Somos pessoas diferentes, várias culturas, mas acabamos por nos entender, porque todos estamos cá pelo mesmo motivo e somos todos acolhidos da mesma forma. Acabamos por viver de perto o problema dos outros e isso faz com que percebamos que não estamos sozinhos e não vivemos sozinhos, porque não é fácil”.

Com emoção, Arina confessa que estar na Acreditar  “é uma benção”: “É um apoio muito grande. Não só pelo alojamento, por tudo, porque a Acreditar está em cada milímetro da nossa vida, é uma benção.”

É ao lado do Hospital de São João e do Instituto Português de Oncologia do Porto que se localiza a Acreditar, associação fundada em 1994 por pais de crianças e jovens que têm ou tiveram cancro. 

Quem abre a porta da instituição é Susana Soares, gestora da Casa Acreditar no Porto. Numa sala em que o que salta à vista são os desenhos infantis emoldurados com a palavra “Acreditar” em destaque, a responsável explica os tipos de apoio prestado pela instituição, com enfoque no alojamento.

As casas Acreditar estão presentes no Porto, Coimbra e Lisboa, “porque nestas cidades é onde existe um hospital de referência para tratamento do cancro pediátrico”, esclarece a gestora da casa. Construídas com o objetivo de albergar famílias residentes em locais afastados dos polos hospitalares, as habitações permitem a reconstrução das suas rotinas enquanto for necessário receber acompanhamento clínico.

No Porto, a casa conta com 16 quartos. Apenas dois estão vagos: “Tem estado sempre lotada a casa”, destaca a Susana Soares. A cada família acolhida pela casa Acreditar corresponde um quarto. Há depois zonas comuns como a cozinha, a lavandaria e os espaços de lazer.

Para além de providenciar alojamento gratuito, a associação constitui uma base de apoio a outros níveis, acompanhando as famílias no momento do diagnóstico, tratamento, pós-tratamento e luto. Acresce à lista o apoio financeiro e alimentar aos agregados mais carenciados, o apoio psicológico, o apoio escolar e de reintegração, através do “Aprender Mais”, com atribuição de bolsas de estudo para estudantes do ensino secundário e universitário, o apoio jurídico para esclarecimento de dúvidas, o voluntariado nos hospitais e os Barnabés, grupo de “capacitação, formação e atividade” formado por jovens com diagnóstico até aos 25 anos.

É no contexto da defesa dos direitos das famílias que Susana Soares enfatiza as grandes conquistas da Acreditar: em 2022, alcançaram o “direito ao esquecimento”, permitindo aos sobreviventes de cancro pediátrico não terem de declarar a doença em contratos de crédito ou seguros. No mesmo ano, conseguiram também que os dias de luto para os pais que perderam um filho por cancro passasse de cinco dias úteis para 20.

Apesar das vitórias atingidas, ainda há um longo caminho a percorrer no campo dos direitos. Atualmente, a Acreditar defende que o progenitor que abandona o trabalho para acompanhar a doença do filho deve manter o rendimento na sua totalidade, ao invés dos 65% do salário a que têm direito quando entram de baixa: “A vida muda, portanto, são menos rendimentos e mais despesas”, comenta Susana Soares.

Da mesma forma, defendem a possibilidade de ambos os cuidadores poderem presenciar, em simultâneo, determinados momentos do processo, como no “diagnóstico”, nas “recaídas” ou nos “transplantes”.

É à saída da sala que o JPN se depara com a parte administrativa da associação, onde Amanda Costa, responsável pela gestão de voluntariado nos hospitais, “quase 200”, segundo afirma. Os voluntários são uma parte essencial da Acreditar, fazendo companhia às crianças nos centros hospitalares, enquanto os pais vão “apanhar ar, tomar um café”, de forma a combater os momentos de tensão “com tranquilidade, porque sabem que o filho está a ser acompanhado”, conta Amanda Costa.

Do piso 0 subimos até ao 3, onde Susana nos guia e mostra um dos quartos livres da associação, “o espaço mais privado” que as famílias podem experimentar. Um espaço luminoso, com cores claras, que transmitem tranquilidade. Os quartos são constituídos por duas camas, e “mais uma, porque o gavetão sai”, uma secretária, televisão e acesso à internet.

É neste momento que a responsável nos revela que a Casa Acreditar no Porto, inaugurada em 2017, faz sete anos no dia 15 de fevereiro, coincidindo o aniversário com o Dia Internacional da Criança com Cancro, que se celebra esta quinta-feira: “Tem sido um percurso muito bonito de se fazer, porque retirámos lições de vida, retirámos vitórias. É muito bom ter aqui uma resposta e saber que damos qualidade de vida a estas crianças, a estes jovens, aos pais.”

Segue-se uma visita a uma sala dedicada a adolescentes, uma divisão ampla marcada por tons de azul, com estantes preenchidas por jogos e livros, onde, à mesa, uma jovem ucraniana passa o seu tempo livre. “Nós distinguimos dois espaços, um para adolescentes e outro para os mais pequeninos, porque estas meninas, já não têm idade para estar com as brincadeiras dos mais pequeninos e bonecadas. Então, está aqui na tranquilidade a fazer as coisinhas”, descreve Susana Soares. Para além de ser um espaço dedicado aos jovens, a sala também abriga a escola, onde uma professora destacada promove “um ensino domiciliário”.

Mais abaixo, o piso 2 conta com mais oito quartos e uma sala de bem-estar, onde se destaca uma passadeira elétrica, uma marquesa de massagens e uma bola de ginástica. É aqui que ocorrem “massagens, reflexologia podal, cabeleireiro”, assim como sessões de reiki e ioga, que trazem alguma paz à vida das mães. Na sala reina o silêncio, fazendo quem entra nela duvidar do facto de o edifício se localizar à beira da movimentada Estrada da Circunvalação.

No piso 1, encontram-se as zonas comuns, nomeadamente, a lavandaria, preenchida com diversas máquinas de lavar, estendal e tábua de passar a ferro. Ao lado, de frente uma para a outra, localizam-se a sala dos pais e a sala das crianças. “Assim os pais conseguem estar aqui e deitar o olho nas brincadeiras das crianças”, explica a gestora da casa.

Finalmente, na cozinha, onde um casal trata do seu almoço, vemos vários frigoríficos e cinco ilhas divididos pelas famílias, onde podem cozinhar livremente as refeições e levá-las para a sala ao lado, destinada às refeições. Está a ser limpa por uma mãe e o seu filho ucranianos, acolhidos pela Acreditar.

A Casa Acreditar é mais do que um conjunto de divisões, é o lar de uma grande família, cujas paredes contam as histórias de uma luta em comum, sempre marcada pela esperança: a batalha contra o cancro pediátrico.

Editado por Filipa Silva