O debate entre os partidos com assento parlamentar tornou clara a divisão dos blocos de esquerda e de direita no entendimento de governabilidade, soluções para a saúde e economia. Frente a frente estiveram Pedro Nuno Santos, Luís Montenegro, André Ventura, Rui Rocha, Mariana Mortágua, Paulo Raimundo, Inês Sousa Real e Rui Tavares.

Os líderes dos oito partidos com assento parlamentar debateram, esta sexta-feira à noite, durante quase duas horas. Um debate morno, sem novidades, no qual regressaram aos temas da justiça, da saúde e da economia, que já tinham sido debatidos nos encontros a pares. A habitação, desta vez, ficou de fora, por falta de tempo.

O único debate televisivo com todos os candidatos – esta segunda-feira repete-se a dose, mas na rádio (10h00, transmissão simultânea Antena 1/TSF/Renascença e Rádio Observador) – ficou ainda marcado, na sua fase inicial, por um incidente: um elemento do grupo ativista Climáximo invadiu o estúdio para chamar atenção para as alterações climáticas.

O “tabu” de Montenegro continua

A abrir o debate esteve o cenário de governabilidade pós-eleitoral, lançado a reboque dos resultados da nova sondagem da Universidade Católica para a RTP, Antena 1 e Público, apresentada uma hora antes do início do debate. 

A sondagem mostra a Aliança Democrática (AD) na frente, com 35% nas projeções de voto, registando um aumento de três pontos percentuais face ao último estudo. O PS fica-se pelos 29%, já com a distribuição dos 17% de indecisos. O Chega, em terceiro, apresenta 17%. Seguem-se a IL (6%), BE (4%), Livre (3%), ultrapassando a CDU (2%) e PAN (1%). 

O primeiro a ser instado a pronunciar-se foi Pedro Nuno Santos (PS) que reafirmou o que disse no frente a frente com Luís Montenegro – posição que sofreu algumas correções ao longo da semana. O novo secretário-geral do PS sublinhou que a posição do partido é “clara” e que governará se ganhar com maioria absoluta ou relativa. “Se não conseguir apresentar uma maioria alternativa, não irá apresentar nem viabilizar uma moção de rejeição”, garantiu, deixando claro que só bloqueia uma solução à direita se houver uma solução à esquerda. 

O líder socialista acusou o PSD de se esconder atrás de “um biombo com medo de dizer aquilo que vai fazer” no que toca aos cenários de governabilidade. Já André Ventura (CH) afirma que, de acordo com as sondagens, “não haveria nenhuma maioria à direita sem o Chega”. Desta forma, exigiu a Montenegro que esclarecesse as suas intenções.

“Andámos há oito anos a dizer que a habitação está mal, que o país está a cair, como podemos ter um líder que quer ser primeiro-ministro que não converge à direita para afastar o PS”, referiu também, concluindo que  Montenegro ou deixa o PS governar, ou “junta-se à direita” ou, por fim, contribui para a ingovernabilidade.

Em resposta, Luís Montenegro manteve o ‘tabu’ e disse: “Estou menos preocupado em falar para a minha frente, estou mais preocupado em falar para quem está lá em casa”. Afirma que só assumirá o cargo de primeiro-ministro “se ganhar as eleições”, destacando que os “portugueses sabem” qual é a sua “política de alianças”.

Mais tarde, Pedro Nuno Santos aproveitou para criticar Montenegro por preferir “continuar a não ser transparente”. O social-democrata defendeu-se e atirou: “transparência como a minha não há, confusão como a sua também não há”, uma vez mais sem fazer referência a cenários concretos. 

Rui Rocha (IL) criticou a falta de respostas diretas dos outros partidos – PS, AD e Chega – e afirma que “a IL não  viabiliza um governo minoritário do PS, é absolutamente claro”. Segundo o liberal, a solução passa pela IL e pelo PSD e defende que é “fundamental” interromper o ciclo de governação à esquerda. “Com a IL não há silêncios, somos muito claros, inclusive sobre exigências e condições para que Portugal comece a mudar”, acrescentou.

Para Paulo Raimundo (CDU) apontou que “a estabilidade não advém da geometria, mas das soluções para as pessoas” e que estará “na primeira linha de combate” para impedir o PSD, CH e IL de voltar “aos tempos da troika”, todavia, também quer evitar a experiência dos dois últimos anos, marcados pela maioria absoluta e queda do governo.

Também Mariana Mortágua acompanha esta linha de esquerda e defende que a solução governativa estável é entre os partidos à esquerda, pois “a direita não se entende”. “A única solução de estabilidade é uma maioria à esquerda”, justifica, referindo que os problemas atuais nos campos da habitação, saúde e educação são fruto da maioria absoluta socialista.

Inês Sousa Real (PAN) atacou o Bloco de Esquerda, afirmando que “a esquerda nos trouxe para a instabilidade que hoje vivemos” com chumbo do Orçamento do Estado em 2021. A líder do PAN voltou a não excluir uma aliança à direita. 

Rui Tavares (Livre) argumentou que o panorama delineado pelas sondagens apontam para “ingovernabilidade”, devido ao processo de “canibalização interna” da direita. Sob esta perspectiva, a esquerda demonstra um “alinhamento programático”, que garante estabilidade, na visão do líder do Livre.  

Montenegro admite que “talvez tivesse uma decisão diferente” de Miguel Albuquerque

A justiça voltou a ter destaque – coisa rara por comparação com anteriores campanhas eleitorais – a reboque das investigações do Ministério Público que levaram à queda de dois governos – com a demissão de António Costa e a demissão de Miguel Albuquerque, na Madeira. 

Luís Montenegro foi confrontado com declarações anteriores defendendo que um político envolvido num caso judicial deve “por princípio” renunciar. Agora, para o líder do PSD “por princípio, não faz sentido” e deve-se avaliar “a situação concreta que possa envolver quem está na atividade política”. Sobre o caso da Madeira, Luís Montenegro admitiu que “talvez tivesse uma decisão diferente” de Miguel Albuquerque, que manifestou intenção de se recandidatar à liderança do PSD/Madeira, apesar de ser arguido num processo de alegada corrupção no arquipélago.

Sobre o funcionamento da justiça, Pedro Nuno Santos defendeu a clarificação do poder hierárquico interno do Ministério Público, de forma a que não se faça “de conta que não caíram dois governos”. 

André Ventura fez acusações aos dois líderes dos principais partidos – PS e PSD. Acusou Montenegro de contrassenso pelas posições diferentes entre Costa e Albuquerque, uma vez que “não há boa corrupção e má corrupção”. Para mais, considera a proposto do PS, no que toca ao Ministério Público, uma “tentativa de silenciar a justiça”. 

A IL, “neste momento, não tem nenhuma condição para apoiar qualquer tipo de solução baseada em Miguel Albuquerque” no arquipélago. Da mesma maneira, Rui Tavares, do Livre, disse que “na Madeira, há décadas que há excesso de familiaridade entre o poder político e o económico, que até já asfixiou o poder mediático”.

Paulo Raimundo (CDU) optou por focar a sua intervenção nos problemas de justiça mais comuns das pessoas, como casos de despejo, heranças ou conflitos que envolvem menores.

Os restantes partidos foram mais incisivos no debate e reforçaram as suas propostas de atuação na área da justiça e mega processos. Mariana Mortágua, coordenadora do BE, destacou a importância de o Ministério Público esclarecer as suas ações “quando elas têm consequências políticas”, enfatizando o desejo de “uma justiça livre”. Aponta que é preciso pensar em regras da economia para não permitir “offshores (paraísos fiscais), para evitar a concentração da justiça em processos de lavagem de dinheiro.  

Por sua vez, Inês Sousa Real (PAN) referiu o problema da “morosidade dos processos judiciais” e, novamente, a falta de recurso e “custa judiciais”, como entrave ao acesso a todos os cidadãos.

“Choque fiscal” e “choque salarial” divide direita e esquerda

No que diz respeito à economia portuguesa, o líder da AD criticou o PS por prever um crescimento máximo de 2% nos próximos quatro anos e reforça a promessa de fazer crescer o país na ordem dos 3% ao ano, “atacando os grandes constrangimentos hoje da economia portuguesa”. Além disso, afirmou que confia “na capacidade produtiva portuguesa”, porém, “a fiscalidade é um constrangimento e um bloqueio” para atrair investimento. 

Nesta parte do debate, o clima aqueceu e ficou evidente a divisão dos quadrantes políticos entre os que defendem um “choque salarial” e um “choque fiscal”. Para Pedro Nuno Santos (PS), “o choque fiscal que a direita toda junta propõe é ineficaz”.Em contrapartida, é a favor de um “choque salarial”, argumentando que resultará em maior produtividade, apoiado por outros partidos à esquerda. 

Na visão do secretário-geral do PS, o seu partido apresenta um projeto mais ambicioso do que a AD “que projeta para 2030 chegar a um salário médio de 1.750 euros, quando hoje está no acordo de rendimentos assinado com os parceiros sociais atingir os 1.750 em 2027″. Num aparte, Montenegro serviu-se da ironia e disse: “Vocês a escrever são bons e a fazer powerpoints também”.

Ventura argumentou que o país já está sujeito a um “choque fiscal do PS”, reforçando que enfrenta “a nona maior carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho”. Pedro Nuno Santos interrompeu a intervenção para argumentar que o montante dos impostos pagos em Portugal está abaixo da média europeia.

Ainda sobre carga fiscal, a IL defende a redução do IRS e aponta como meta os 4% de crescimento no final da próxima legislatura. 

A líder do PAN quer apostar na “revisão dos escalões do IRS à taxa de inflação”, na extensão do IRS jovem por mais dois anos do que o que está atualmente previsto, no aumento do salário mínimo para os 1.100 euros e na exploração das oportunidades da “economia verde”. 

À esquerda, Mortágua (BE) usa a expressão “logro da direita” para criticar a redução do IRC como meio de impulsionar o crescimento económico.“A única coisa que a direita é capaz de propor é baixar o IRC para concentrar a riqueza e não produzir mais riqueza”, acrescentou.

Raimundo (CDU) considera que em Portugal “não há um problema de falta de riqueza no país, o problema central é como é que essa riqueza é distribuída por quem a produz”.

Para o Livre, também “não se sai desta crise com um choque fiscal”, lamentando “a armadilha dos salários baixos em Portugal”.

Em discussão esteve ainda a saúde. Sem surpresas, os partidos de direita defenderam maior presença dos privados, já a esquerda o reforço do Serviço Nacional de Saúde (SNS).

A duas semanas das eleições, este foi o último debate televisivo e o único que contou com a presença de todos os partidos com assento parlamentar. A campanha eleitoral começou oficialmente este domingo (25)

Editado por Filipa Silva