Paulo Vasconcelos considera que o método de Hondt apresenta algumas desvantagens que estão, sobretudo, relacionadas com os partidos e círculos mais pequenos e a representatividade dos círculos eleitorais. Ao JPN, o professor da Faculdade de Economia do Porto disse ainda que há "um desligar completo entre os deputados que são eleitos e os votos que receberam".

No dia 10 de março decorrem as eleições Legislativas

As eleições legislativas acontecem a 10 de março Foto: Element5 Digital/Unsplash

Desde que há democracia em Portugal que o sistema eleitoral está associado ao método de representação proporcional de Hondt. Embora uma alteração de sistema possa revelar-se complicada por existir uma “aversão à mudança”, ela é “importantíssima”, segundo Paulo Vasconcelos, professor da Faculdade de Economia do Porto (FEP), cuja investigação se centra em temáticas como o sistema eleitoral português e o método de Hondt.

Apesar de o modelo de Hondt, um modelo matemático que faz a conversão de votos para mandatos, ser o método mais utilizado no mundo, apresenta algumas desvantagens. A primeira das quais e a mais evidente está relacionada com os partidos e círculos mais pequenos; a segunda com a representatividade dos círculos eleitorais.

Segundo Paulo Vasconcelos, este é um modelo “proporcional, mas não é uma proporcionalidade”, completando que “o voto não tem proporcionalidade direta na representação”. Quer isto dizer que ao valor total dos votos, existe depois uma divisão por números inteiros: 1, 2, 3, 4, e assim sucessivamente. “Os quocientes que resultam destas divisões ordenados de forma decrescente, em grandeza, converte-se numa série que vai ter tantos termos quanto os mandatos a atribuir no círculo eleitoral”, remata o professor da Faculdade de Economia.

Em Portugal, existem 22 círculos eleitorais base (correspondem aos 18 distritos de Portugal continental, às Regiões Autónomas, um para portugueses residentes na Europa e outro para não residentes na Europa). A partir destes círculos, são eleitos os 230 deputados da Assembleia da República. Os mandatos que cada círculo eleitoral elege estão expressos no mapa que se segue.

Número de mandatos nas Legislativas de 2022 Maria Rego JPN

Paulo Vasconcelos acredita que a forma como esta divisão é feita acaba por gerar um desfasamento. “Círculos com menos eleitores vão ter menos possibilidade de ter mandatos por esse círculo, em detrimento de círculos maiores”, realçando que o caso português é muito enviesado para o litoral, o que faz com que os círculos eleitorais no interior coloquem “muito poucos deputados” na Assembleia da República. Este enviesamento advém, segundo o professor, que também pertence ao Observatório de Economia e Gestão de Fraude, do facto de Portugal não estar regionalizado.

De acordo com Paulo Vasconcelos, a regionalização consta na Constituição da República Portuguesa desde 1976, contudo não é colocada em prática.

Aliando o método de Hondt a esta divisão por círculos eleitorais, existem, tal como referido acima, alguns problemas ao nível da distribuição dos eleitores. “Há sempre perda de votos, tirando o partido que consegue eleger. Há sempre sobras nestes quocientes e isso significa que há casos muito dramáticos”, explica.

O professor da Faculdade de Economia relembra o caso do CDS-PP que, em 2022, teve cerca de 90 mil votos e não conseguiu assento parlamentar, enquanto que, para eleger o primeiro deputado do Partido Socialista, foram precisos apenas 19 mil votos. “Os tais 90 mil votos do CDS, se estivessem num só círculo, iriam ter quociente a ser aplicado. Estando dispersos no país, nunca conseguiram ser dos maiores quocientes entre os números de eleitores a atribuir”, esclarece.

Sistema aplicado nos Açores é mais “preocupado com a representatividade”

Paulo Vasconcelos acredita que existem soluções que poderiam resolver alguns dos problemas causados pelo método de Hondt, nomeadamente o modelo instituído nos Açores. “Nos Açores, temos um sistema eleitoral que já está muito mais inteligente e mais preocupado com a representatividade. Cada ilha elege, pelo menos, dois deputados e depois aplica-se o método de Hondt, sendo cada ilha um círculo […], mas faz-se algo que é muito relevante e que também se tem estudado, que é reservar uma percentagem de lugares no Parlamento que resultaria de um chamado círculo nacional”, refere.

Quando questionado se o modelo açoriano resultaria no continente, o professor da Faculdade de Economia não hesitou em responder que sim. “O resultado é realmente mais diversidade e dar hipótese a que haja menos votos desperdiçados […] A existência de um círculo nacional onde se voltaria a incorporar os votos de todos no país e depois se retiraria os que já foram eleitos mitigava um pouco o efeito dessa dispersão”. Contudo, assume que a alteração de sistema acaba por ser complicada por existir uma “aversão à mudança, embora a mudança seja importantíssima”. 

Para além deste fator, existe ainda um interesse dos partidos maiores, que têm uma vantagem sobre os mais pequenos. “Se tiverem um sistema em que vão ratear um pouco mais os votos e que dê hipótese a que partidos mais pequenos também apareçam, vai significar que vão perder representação, vão perder deputados”. Paulo Vasconcelos acredita que a solução passa por haver uma “preocupação mais global e menos pensada na circunstância de cada partido”. 

Conhecimento dos eleitores do círculo eleitoral

O sistema eleitoral atual apresenta ainda uma falha que, segundo o professor da Faculdade de Economia, se resume ao facto de existir “um desligar completo entre os deputados que são eleitos e os votos que receberam”. Ou seja, há não só um desconhecimento por parte de quem vota nos deputados do seu círculo eleitoral, mas também um desfasamento do trabalho que um deputado realiza numa certa localidade e o local onde se apresenta como cabeça de lista. “Pode haver uma pessoa que até é bastante conhecida e até fez um trabalho muito interessante em Faro e de repente aparece como cabeça de lista pelo partido em Aveiro. Isso realmente desindexa completamente os eleitores no círculo pelo qual concorreram”, salienta Paulo Vasconcelos.

Para o professor da Faculdade de Economia, é um problema que condiciona a escolha dos eleitores, uma vez que “as pessoas até podem querer votar naquela pessoa e não pelo partido em que está” e acrescenta ainda que os debates acabam por se tornar “só partidários e muito pouco personalizados”, algo que não se verificaria no caso de um país regionalizado. Paulo Vasconcelos assume por fim que os cidadãos deveriam “ter conhecimento” e informarem-se mais acerca dos candidatos, visto que “de certa forma, representam a si e a sua região”.

Editado por Inês Pinto Pereira