Na tarde desta quinta-feira (11), a família de Orenthal James Simpson, mais conhecido como O.J. Simpson, anunciou a morte do antigo jogador nas redes sociais. Tinha 76 anos e morreu vítima de cancro da próstata. “No dia 10 de abril, o nosso pai, Orenthal James Simpson, sucumbiu à sua batalha contra o cancro. Ele partiu rodeado por seus filhos e netos. Durante este tempo de transição, a nossa família pede para que, por favor, respeitem o nosso desejo de privacidade e luto”, lê-se na mensagem publicada na rede X/Twitter.

Nascido em São Francisco, em 1947, O.J. Simpson foi um dos maiores jogadores de futebol americano da sua geração. Começou nos Trojans, da Universidade do Sul da Califórnia, no futebol americano universitário e fez depois a sua carreira profissional ao serviço dos Buffalo Bills, clube da cidade de Buffalo, estado de Nova Iorque. É considerado um dos melhores running-backs de todos os tempos, tendo sido o primeiro jogador da história da NFL a correr mais de 2000 jardas numa temporada, em 1973, ano que terminou com o prémio de MVP (most valuable player, melhor jogador) da NFL. O antigo atleta, que se tornou numa celebridade, aposentou-se em 1979, ao serviço dos San Francisco 49ers.

O.J. também tentou a carreira de ator e conquistou fama com filmes como “Onde Pára a Polícia”. Até 1994, foi comentador desportivo na NBC.

Mas a notoriedade de Simpson fez-se muito para lá do campo e do grande ecrã dado o seu envolvimento em diversos escândalos criminais, que foram da evasão fiscal até ser acusado de assassinato. Os casos mais emblemáticos foram os do duplo assassinato da sua ex-mulher Nicole Brown e do seu amigo Ron Goldman, em 1994, e um roubo à mão armada em Las Vegas em 2007.

O caminho até o Hall of Fame

O.J. Simpson foi escolhido pelos Buffalo Bills como o primeiro do draft de 1969 no ano seguinte à sua vitória do prémio Heisman, atribuído ao melhor jogador de futebol americano universitário. Na altura, O.J. Simpson exigiu o maior contrato da história do desporto nos Estados Unidos (650 mil dólares ao longo de cinco anos) e, relutantemente, o dono do Buffalo Bills aceitou a condição.

O running-back teve dificuldades nos três primeiros anos, tendo uma média de apenas 622 jardas por temporada. Com a entrada de um novo treinador em 1971, O.J. virou o foco do ataque dos Buffalo Bills e conseguiu ultrapassar as 1000 jardas e, em 1973, tornou-se o primeiro jogador da história da NFL a conquistar mais de 2000 jardas. Até hoje, apenas sete jogadores conseguiram este marco na história da competição e, entre os sete, O.J. Simpson tem a melhor média de jardas percorridas por jogo (as temporadas passaram a ter dois jogos a mais a partir de 1977). Ainda na temporada de 1973, Simpson ganhou o prémio de MVP da NFL pela sua performance. Três anos depois, O.J. bateu o recorde de jardas corridas num só jogo contra os Detroit Lions. Hoje, o recorde é de 296 jardas e pertence a Adrian Peterson.

O.J. Simpson aposentou-se em 1979 como o segundo jogador com mais jardas percorridas na história da NFL e foi introduzido no Hall of Fame da competição em 1985. Até hoje é considerado como um dos melhores jogadores da sua geração e um dos maiores running-backs da história da competição.

O caso do assassinato de Nicole Brown e histórico criminal

No dia 12 de junho de 1994, os corpos de Nicole Brown e Ron Goldman foram encontrados próximos do condomínio em que Brown morava em Los Angeles, sem vida e com múltiplas facadas. Simpson foi considerado o principal suspeito do crime, dados os seus antecedentes. O antigo jogador já tinha sido julgado em 1989 por violência doméstica, num julgamento que terminou com uma aceitação da pena sem discutir a culpa (nolo contendere, figura jurídica que não existe em Portugal).

De volta ao crime de 1994, Simpson combinou com o seu advogado, Robert Shapiro, que se entregaria à polícia no dia 17 de junho, mas quando Shapiro e a polícia foram à sua casa, descobriram que o antigo jogador tinha fugido. Simpson deixou para trás uma carta que soava a despedida e que no final dizia: “Não tenhas pena de mim. Tive uma vida ótima, grandes amigos. Por favor, pensem no verdadeiro O. J. e não nesta pessoa perdida. Obrigado por tornarem a minha vida especial. Espero ter ajudado a vossa. Paz e amor, O. J.”.

O ex-atleta fugiu num Ford Bronco branco que pertencia ao seu amigo, A.C. Cowlings. Ao passar por Orange County, a quase 50 quilómetros de Los Angeles, foi identificado enquanto passava por uma autoestrada. A polícia foi informada e começou uma das perseguições mais emblemáticas da história dos Estados Unidos, a qual durou 45 minutos. Alguns canais pararam de transmitir as finais da NBA para transmitir a perseguição, e estima-se que 95 milhões de americanos assistiram à perseguição em direto.

Após ser alcançado pela polícia, Simpson foi detido e mantido em prisão preventiva. Começou então um longo julgamento, que, de vários momentos importantes, teve dois verdadeiramente notáveis: o momento em que O.J. coloca as luvas alegadamente usadas no crime e estas não lhe servem, e o momento em que foi julgado inocente quanto ao assassinato da ex-esposa e do amigo no dia 3 de outubro de 1995. Quanto ao primeiro momento, foi mais tarde revelado num documentário, “O.J.: Made in America”, que Simpson havia parado de tomar a medicação para a artrite, facto que terá causado inchaço nas articulações das mãos, o que poderia justificar que as luvas tenham parecido pequenas em tribunal. Já o segundo momento, foi um dos mais assistidos em direto pela população norte-americana: mais de 100 milhões de pessoas assistiram ao veredito.

Ainda há enorme controvérsia quanto ao caso por conta do volume de provas apresentado contra O.J. Simpson. Há, por exemplo, a chamada telefónica de Nicole Brown para a polícia, na qual implora por socorro por violência doméstica. Simpson alegou que estava a gritar com a esposa no contexto de uma discussão familiar. Também foram encontradas fibras e traços de DNA de O.J. na cena do crime.

A equipa de advogados que defendeu O.J. Simpson, que incluía Robert Shapiro, Johnnie Cochran, Carl Douglas, Shawn Chapman Holley, Gerald Uelmen, Robert Kardashian, Alan Dershowitz, F. Lee Bailey, Barry Scheck, Peter Neufeld, Robert Blasier, e William Thompson, ficou conhecida como o Dream Team (a “equipa de sonho”), baseou a estratégia de defesa em acusações de racismo, antissemitismo e perjúrio por parte da acusação.

Num encontro reservado, um dia antes do funeral de Nicole Brown, a mãe da vítima relatou que O.J. beijou Nicole e disse “perdoa-me Nicole, perdoa-me”. Simpson ainda prometeu que passaria o resto da sua vida procurando os assassinos da ex-mulher. Contudo, não levou muito a sério a situação em diversos momentos, tendo feito piadas quanto ao caso em programas de televisão, e mais recentemente até mesmo no TikTok.

Em 1996, familiares de Brown e Goldman abriram um processo civil contra O.J. Simpson por homicídio por negligência. Desta vez, o julgamento não foi transmitido pela televisão. Simpson foi considerado responsável pelas mortes e foi condenado a pagar 33,5 milhões de dólares às famílias das vítimas. O antigo jogador declarou falência e mudou-se para a Flórida, onde havia leis fiscais menos estritas, para proteger a sua pensão. A família de Goldman afirmou, em 2006, que Simpson não havia pago sequer 10% dos 33,5 milhões.

Na noite do dia 13 de setembro de 2007, mais um capítulo negro na história criminal de O.J. Simpson. O antigo atleta entrou num quarto do hotel-casino Palace Station junto com outros homens e realizou um assalto à mão armada, tendo roubado artigos desportivos. Simpson afirmou que os itens lhe pertenciam e que só os estava a tomar de volta. Dois dias depois, Simpson foi preso pelos crimes de conspiração criminosa, sequestro, agressão e outros.

Os três homens que estavam com Simpson no assalto aceitaram fazer uma delação premiada contra O.J. e informaram que foi usada uma arma de fogo, algo que Simpson havia negado. O norte-americano foi julgado e condenado por agressão, além do crime de sequestro, um ano mais tarde. Em dezembro de 2008, Simpson foi condenado a um total de 33 anos de prisão, com a possibilidade de passar para o regime de liberdade condicional ao fim de nove anos. Foi, assim, solto a 1 de outubro de 2017, conseguindo liberdade total em dezembro de 2021 por bom comportamento no período em que esteve preso.

Impacto cultural

O.J. Simpson e a supermediatização de seu julgamento tiveram uma série de impactos na cultura norte-americana. Bell Hooks, autora conhecida por seus escritos sobre interseccionalidade, descreveu que o caso foi tratado como um “espetáculo” ao invés de um crime, e que foi amplamente utilizado para amplificar as dicotomias raciais e de género.

“A natureza magistral, o aspeto conservador deste espetáculo foi o facto de ter conseguido que as pessoas regressassem a posições muito unidimensionais de identidade, de política, de essencialismo racial ou sexual, porque não havia uma moldura no próprio espetáculo que permitisse uma explicação complexa do que estava a acontecer. Só agora, no rescaldo, é que podemos entrar nos destroços deste espetáculo e dizer: eis como o podemos explicar, mais profundamente”, disse Hooks no documentário “Bell Hooks – Crítica Cultural e Transformação”.

Quanto à televisão, o documentário “O.J.: Made in America reflete sobre como foi toda a dinâmica do julgamento e os impactos na sociedade norte-americana. Foram ainda criadas outras obras audiovisuais que ilustraram o julgamento, como Inside Look: The People v. O.J. Simpson – American Crime Story” e O.J. Simpson: The Lost Confession?”. O.J. ainda foi referenciado em diversas séries animadas de comédia, tendo servido de base à criação de personagens em “Os Simpsons e em “Family Guy”, além de um episódio de “The Boondocks” que faz uma paródia do seu julgamento ao colocar o rapper R. Kelly no tribunal pelo crime de abuso de menor (o que, de facto, aconteceu na vida real) e dividir a população negra e branca nas suas opiniões.

Reações à morte

No momento da morte de O.J. Simpson, o passado criminal da entiga estrela da NFL não foi esquecido. Fred Goldman, pai de Ron Goldman, disse à NBC que a morte de O.J. é “apenas mais um lembrete de que Ron está morto durante todos estes anos. Não é uma grande perda para o mundo. É apenas um lembrete da morte de Ron”. Gloria Allred, a advogada que representou a família de Nicole Brown durante o julgamento, também aproveitou para assinalar que “a morte de Simpson relembra-nos que o sistema legal [norte-americano], mesmo 30 anos depois, continua a falhar às mulheres espancadas”.

Já Jim Porter, presidente do Pro Football Hall of Fame, evidenciou os feitos do atleta na modalidade, “o primeiro a alcançar a marca que muitos achavam impossível de alcançar numa época de 14 jogos quando ultrapassou as 2000 jardas”. Os seus “contributos” serão preservados, afiançou. 

O.J. Simpson estava a fazer um tratamento para combater um cancro da próstata, mas não resistiu. O ex-jogador morreu sem cumprir a promessa de encontrar os assassinos de sua ex-mulher.

Editado por Filipa Silva