Em Sheffield, o dia era de jogo. Em disputa estava uma presença na final da Taça de Inglaterra. Liverpool FC e Nottingham Forest discutiam o acesso à final da competição mais antiga do mundo do futebol, e a associação de futebol inglês – FA – tinha selecionado o Estádio de Hillsborough, casa do Sheffield Wednesday, para receber o jogo entre os dois históricos (na altura, as meias finais da Taça eram disputadas em campo neutro).

O jogo da meia-final estava, então, agendado para 15 de abril. Como é procedimento normal nos estádios, os adeptos das duas equipas ficariam separados, em bancadas distintas. Para os adeptos do Liverpool estava reservada a “Leppings Lane” e o problema começou à entrada para a bancada. O único meio de entrar para a “Leppings Lane” era por um corredor com poucos torniquetes, e começou a juntar-se uma multidão nas imediações do recinto, poucos minutos antes do jogo começar.

Com os ânimos a exaltarem-se fora do estádio, o responsável de segurança David Duckenfield ordenou que uma das portas de saída fosse aberta, de maneira a aliviar a pressão no exterior e a apressar o processo de entrada dos adeptos. Essa porta dava diretamente para dois setores que já estavam lotados. O fluxo humano que entrava constantemente pelo portão recém aberto conduziu ao esmagamento dos adeptos que tinham entrado horas antes para o estádio. Em desespero, alguns começaram a subir as vedações e a ir para o relvado, para fugir à asfixia geral.

O “Desastre de Heysel”

Já antes do “Desastre de Hillsborough”, outro incidente tinha ocorrido com adeptos do Liverpool. Em 1985, na final da Taça dos Campeões Europeus entre os “reds” e a Juventus, 39 pessoas morreram, no Estádio Heysel, em Bruxelas. A culpa foi atribuída a um grupo de adeptos ingleses, que forçou a entrada numa bancada repleta de adeptos italianos. Por isso, e ao contrário de Hillsborough, este incidente ficou para sempre ligado ao movimento hooligan.

O maior problema surgiu quando uma barreira de segurança colapsou e uns adeptos começaram a cair em cima dos outros. O jogo foi interrompido seis minutos após o apito inicial. Os serviços de emergência foram chamados de imediato, mas já não chegaram a tempo de evitar a morte de 96 adeptos do Liverpool, crianças, homens e mulheres. Registaram-se 766 feridos, alguns deles transportados em painéis publicitários do relvado, que serviram de macas.

O chefe de segurança Duckenfield alegou que o incidente tinha sido causado por adeptos que tinham arrombado a porta de saída, afirmações que foram mais tarde desmentidas. A conclusões finais determinaram que a principal causa do incidente foi “falha do controlo policial”. As outras razões apontadas prenderam-se com a falta de condições do estádio e respetivos acessos. Mais tarde, após uma investigação concluída em 2012, ficou a saber-se que 41 das 96 mortes registadas no estádio do Sheff. Wednesday podiam ter sido evitadas se tivesse sido prestado tratamento médico imediato. Assim, foram apontadas “múltiplas falhas”, que, no conjunto, originaram o desfecho conhecido. O futebol inglês nunca mais foi o mesmo e o Liverpool FC, também não.

25 anos depois, Liverpool presta homenagem vitoriosa?

São muitos os especialistas do desporto rei que apontam o “Desastre de Hillsborough” como o ponto de viragem do percurso do Liverpool FC. Antes do início da década de 90, os reds dominavam o futebol inglês com pulso de ferro, mas o último campeonato que conquistaram data da já longínqua época de 1989/90. Entretanto, venceram uma Taça UEFA, uma Liga dos Campeões (depois de vencerem o Milan na mítica final de Istambul, em 2005) e duas Supertaças europeias, mas, a nível interno, a “travessia no deserto” continua.

No entanto, 2014 pode marcar o fim dessa travessia. Nos últimos 24 anos, o Liverpool nunca esteve tão perto de se sagrar campeão inglês como nesta temporada. Depois de, no fim de semana, ter vencido, por 3-2, o Manchester City, concorrente direto na luta pela Premier League, a equipa comandada por Brendan Rodgers cimentou o primeiro lugar da tabela e assumiu-se como o principal candidato ao título.

Tragédia nunca esquecida

Ao longo dos últimos 25 anos têm sido muitas as homenagens ao “Desastre de Hillsborough”. Na jornada passada da Premier League, todos os jogos começaram sete minutos depois da hora agendada, “gesto” relativo ao minuto de jogo em que ocorreu o incidente. Não é incomum ver os adeptos do Liverpool com faixas e camisolas que dizem “Justice for the 96”, algo que se prende com a justiça que querem ver feita em relação a todos que perderam a vida a 15 de abril de 1989. Estes são apenas dois exemplos entre muitas outras formas de homenagem que são prestadas regularmente.

A verdade é que o Liverpool conta, este ano, com um plantel que supera os de épocas anteriores em termos qualitativos. Além do capitão Steven Gerrard, a equipa de Anfield conta com o uruguaio Luis Suárez em topo de forma, assim como com um meio campo composto por jovens talentos, como Coutinho, Henderson e Sterling, que, apesar da tenra idade, já apresentam uma maturidade acima da média.

Aos olhos dos jogadores do clube, a vitória final na liga seria o melhor modo de homenagear os 96 adeptos que faleceram em Hillsborough. Gerrard já afirmou diversas vezes que “preferia conquistar a Premier ao invés da Liga dos Campeões”. O seu primo, Jon-Paul Gilhooley, foi um dos 96 que perdeu a vida em 1989 e o capitão do Liverpool não consegue pensar em melhor modo de lhe prestar homenagem do que oferecer aos adeptos o 19.º título inglês do historial red.

Depois de 1989 ter representado um abalo sem precedentes nos alicerces do Liverpool, 2014 pode ser sinónimo de ressurreição. Em Anfield, não conquistar o título seria equivalente a um “soco no estômago” de todos os afetos ao clube. A oportunidade é única e há muito aguardada, e será, quiçá, a melhor maneira simbólica de se fazer “justice for the 96”.