“Não era um chefe, não era um patrão, não era um diretor, era um líder”. É desta forma que Pedro Cruz, jornalista da SIC, recorda Emídio Rangel, que desempenhou os cargos de diretor de informação e comunicação daquele órgão de comunicação, entre 1992 e 2001.

Mas a verdade é que não foi lá que Pedro Cruz se deparou com a “personalidade forte” de Rangel. Foi, curiosamente, na TSF, rádio que o jornalista tinha ajudado a fundar, nos anos 80. “Quando eu lá cheguei ele já não estava, mas estava a marca que ele deixou. Na TSF perguntava-se sempre, por causa dele: ‘Como é que podemos fazer diferente? Como é que podemos fazer de um ângulo que ainda ninguém fez?’. E ainda me diziam mais: ‘Não há limite. O limite é a tua imaginação’. Este foi o legado que ele deixou”, conta.

A partir de agora recorda-se isso. O legado. Emídio Arnaldo Freitas Rangel faleceu nesta quarta-feira de manhã, com 66 anos, devido a um cancro na bexiga. Era a segunda vez que lutava contra a doença, depois de, por uma vez, a ter ultrapassado. Nasceu em Angola e desde cedo fez sucesso na Rádio Club de Huíla, como locutor. Em 1975 chegou a Portugal e, poucos anos depois, é contado no número dos fundadores da TSF – Cooperativa de Profissionais de Rádio.

Teimosia positiva

Pedro Cruz, que, a certa altura, representava os colegas de redação da SIC nas reuniões com a direção, conta ao JPN uma das situações que demonstram a perseverança e determinação de Emídio Rangel: “As nossas reuniões duravam seis, sete, oito horas! E ele vencia-nos pelo cansaço. Entrávamos na reunião às 14h e às 22h já não tínhamos posição para estar sentados. Ao fim daquelas horas só queríamos que a reunião acabasse e, portanto, o que quer que ele dissesse já estava bem, já éramos capazes de chegar a qualquer acordo. Era um um teimoso, no bom sentido da palavra. Ele lutava pelas ideias em que acreditava”.

“Ele teve um papel absolutamente decisivo naquilo que foi a TSF histórica”, diz Adelino Gomes, jornalista e um dos fundadores da rádio, juntamente com Rangel. “Ele tornou-se, rapidamente, pela sua personalidade, pelas suas qualidades, um dos motores daquilo. Nesses primeiros anos houve algumas divergências, alguns confrontos. Eu próprio me afastei. Mas ele foi o homem que levou para a frente uma ideia de TSF que se veio a revelar marcante na história da rádio em Portugal”, conta ao JPN.

Rangel teve os seus “ódios de estimação”

“Era um mobilizador. Um concretizador. Aquilo que os americanos chamam de ‘do it‘”, completa Adelino Gomes. “Lutava pelas suas ideias até à exaustão”, refere Pedro Cruz (ver caixa). Assim foi na TSF. “Na altura, as rádios eram monótonas, eram chatas. Ela transformou o meio, pondo-o em direto, permanentemente, com noticiários de meia em meia hora”. João Fernando Ramos, jornalista da RTP que conviveu e trabalhou com Emídio Rangel, concorda: “Ele deixou a sua marca com a lógica de que se deve fazer um reinício da informação e a verdade é que se preocupava sempre em dar um colorido a essas notícias”.

A transição para o desafio seguinte, a SIC, terá representado, também ela, certamente, uma das passagens mais coloridas da vida de Emídio Rangel. Foi lá que, durante quase dez anos, o jornalista assumiu cargos de direção que tornaram o canal uma força sem par no setor. “Com ele, a SIC rasgou todos os cânones que existiam na televisão. Hoje em dia, damos como adquirido o facto de um jornalista ou um repórter ter liberdade criativa, mas essa possibilidade devemos muito a ele”, revela Pedro Cruz. “O Emídio Rangel e a SIC são sinónimos”, conclui.

A “elegância” de Rangel

“Numa determinada altura fui chamado a votar uma resolução que condenava a linha editorial que Emídio Rangel estava a seguir na RTP e que viabilizaria a saída dele, que, mais tarde, veio a acontecer. Lembro-me de ele chamar-me à parte e, com grande arte, explicar-me o caminho que a RTP estava a seguir. Recordo a elegância dele de nem sequer me ter pedido para votar contra aquela resolução. Partilho vários dos princípios que o Rangel tinha”, confessa João Fernando Ramos.

Depois de revolucionar a estação, o jornalista aceitou abraçar outro desafio. O meio manteve-se, o canal mudou. Em 2001, Emídio Rangel assume o cargo de diretor geral da RTP, que viria a desempenhar até 2002. Pouco tempo, mas o suficiente para deixar marca. “Foi o primeiro diretor da RTP que, com o poder que tinha, ousou querer mudar a informação, tornando-a mais ativa, com capacidade para concorrer com os privados. Deixou escola”, afirma João Fernando Ramos.

“Claro que não foi uma pessoa pacífica. Tem os seus ódios de estimação”, revela o jornalista da estação pública. “Tenho uma pena imensa que ele não estivesse no ativo até agora, mas este é um país de invejas, um país onde o sucesso é sempre olhado com alguma desconfiança e onde alguma mediocridade consegue afastar pessoas com o valor do Emídio Rangel”, diz ao JPN João Fernando Ramos. “Génios como o Rangel não gostam de cinzentos nem de medíocres. Gostam de gente boa, que saiba ousar, e isso não convém a muita gente e fez alguns estragos, com o seu feitio impulsivo, certamente com muitos erros, mas com muito mais virtudes do que com erros”.