Jorge Cruz, vocalista e compositor dos Diabo na Cruz, confessa ao JPN que o concerto dado na noite de quinta-feira no Coliseu do Porto – inserido no FestFWD – marca o fim de um ciclo da banda. O plano agora é parar para descansar, refrescar ideias e voltar com algo novo, sem nunca esquecer que o que é para fazer é para ser bem feito.

Da influência da “vida de estrada” no processo criativo à importância do público e de “Dona Ligeirinha” na carreira da banda, uma coisa é certa: Diabo na Cruz não fica por aqui.

JPN: Este é o último concerto de 2016 de Diabo na Cruz. Após de dois anos de estrada, o que é que representa para vocês?

JC: Dois anos de estrada muito intensos, mas para ser sincero acaba por ser quase três anos e meio de ciclo. O “Vida de Estrada” abriu um bocado esta nova fase e saiu em fevereiro de 2014, por isso ainda fizemos o ano inteiro de 2014 e o ano de 2015 mais agora o ano de 2016… Acaba por ser três anos. Primeiro é bom acabar no Coliseu do Porto, parece-me uma sala fixe para acabar.

Uma grande sala de espetáculos…

JC: Sim, uma grande sala de espetáculos, um coliseu e o Coliseu do Porto, que ainda é maior que o de Lisboa. Um lugar caro no coração para muitos de nós, eu vi aqui já grandes concertos. Mas enquanto ciclo de banda, é um sentimento de gratidão muito grande pelo que atravessámos, pelo público, pela relação que temos criado com ele recentemente nos últimos anos. Mas também um sentimento de dever cumprido e de que está na hora de passarmos para uma fase nova, e claramente precisamos de parar para compor e fazer coisas novas.

Estamos em outubro praticamente, faltam três meses para acabar o ano… Isto para vocês vai ser um período de descanso, de pausa, ou começam já a pensar num álbum novo?

JC: Sabemos que para quem comprou e acompanhou o disco desde o início, já lá vai algum tempo, portanto há-de haver quem espere que apareça um disco muito em breve. Eu acho que isso não vai acontecer. O nosso processo é longo, primeiro é preciso ter muitas ideias, só depois é que começam a ser concretizadas. Até as coisas chegarem à banda e experimentarmos coisas em banda, ainda passa algum tempo. E até ao ponto de fazermos uma seleção de músicas e as podermos gravar, isso costuma demorar algum tempo. Queremos fazer um bom disco, por isso vamos levar o nosso tempo. Inicialmente vamos precisar de descansar um bocadinho… Desta vida, mas também um bocadinho uns dos outros, para estarmos frescos quando tivermos de trabalhar outra vez e as ideias estarem na cabeça a fervilhar, já a começar a namorar ideias basicamente.

Durante este período de espetáculos ao vivo, falamos em cerca de 50 concertos em 2015, neste ano também um número elevado de concertos… Cansados?

JC: Sim. Trinta este ano, mais 20 e tal no ano anterior…por isso é um ciclo quase de 100 concertos… Nós gostamos das músicas mas temos estado a tocar as mesmas músicas e não sei, é como tudo na vida, dá vontade de agora refrescar e fazer algo novo.

Foi um período bastante longo de estrada. Que tipo de influência tem no processo criativo, sendo o Jorge compositor, não só dos Diabo na Cruz? 

JC: A estrada em si… É bom sentir o país, é bom tocar um pouco por todo o lado e sentir as pequenas diferenças que às vezes em termos de aparência são muito grandes, mas na verdade depois acabamos por ter todos algo em comum. Mas há coisas muito específicas e muito interessantes no nosso povo. E manter uma relação próxima com o público, o mais anónimo, e não são os meios de comunicação, não é a ideia que se faz de Portugal, centralizada… é um bocado uma ideia com rostos e com histórias para contar e isso é importante para quem escreve. Acaba sempre por ter uma influência, mesmo que não seja direta. Não sabemos bem qual é a influência, mas tem de certeza.

Voltando ao concerto de hoje. O EP Saias foi lançado este ano, o que alterou o alinhamento dos concertos. Hoje [quinta-feira], por ser o último do ano e anteceder um período de descanso, podemos esperar alguma coisa diferente ou vai manter-se? 

JC: Nós temos pouco tempo para tocar, cerca de uma hora. O concerto que vamos fazer aqui vai ser semelhante a dois concertos que fizemos de uma hora recentemente [Festa do Avante e Festival F]. Portanto vai ser Faro, Lisboa e Porto, vamos fazer o mesmo concerto, é um concerto de “Best Of” de Diabo na Cruz, digamos.

Não é um pouco estranho acabarem este ciclo com um concerto mais curto e com estas características, inserido num evento que conta com outros artistas? 

JC: Pois, nós pensámos em fechar de uma forma mais conclusiva, criar um evento em que nós tocássemos em Lisboa e Porto. No início era isso que estava na mesa, mas isso ia fazer com que tivéssemos de produzir um evento agora e estar mais um ou dois meses só a pensar nisso, talvez fizéssemos isso em novembro. Decidimos que quanto mais rápido pararmos mais rápido vamos regressar, portanto demos prioridade ao regressar e deixar saudades.

Por falar em deixar saudades e em público, que já espera um novo álbum como disse há pouco, sentem que já têm um público fiel, que vos acompanha para todo o lado?  

JC: Temos tido um público muito muito devoto nestes últimos anos. Mas na verdade, para quem está no nosso lado há sempre uma dúvida muito grande: se nós pararmos um tempo, quantas dessas pessoas é que vão seguir com as suas vidas e não vão ter tempo para nos acompanhar a seguir… Portanto, há um lado de recomeçar que é sempre uma insegurança e vamos ter que recomeçar num “sítio” qualquer diferente de onde estamos agora. Mas ia ter sempre que ser assim… E às vezes os grupos tentam manter o “sítio” onde estão à custa de uma obra menos forte e nós isso não vamos fazer, nós vamos é certificar-nos que temos um grande disco da próxima vez.

Continuar a ser fortes ao vivo e a fazer boas músicas?

JC: A ser nós próprios,  ter algo para dizer… Não escrever músicas que não têm nada para dizer…

 Vocês o ano passado venceram o prémio de Melhor Atuação ao Vivo no Portugal Festival Awards. Esperam poder voltar a ganhar algo desse género?

JC: Os prémios… Bem, ninguém trabalha para os prémios, mas… têm um valor simbólico.

São como um extra.

JC: Sim, são um extra… Eu acho que foi super merecido, nós somos uma banda muito forte ao vivo. Temos uma relação forte com quem já nos conhece, mas há muita gente que não nos conhece que talvez precise de saber isso, que nós somos uma banda de concertos ao vivo. Às tantas veem os telediscos ou ouvem uma música na rádio e têm uma opinião sobre nós, mas nunca viram um concerto…e para nós é importante esse tipo de incentivo, porque trabalhámos muito e acabou por ser um prémio.

Há um blogue não oficial vosso, onde fizeram uma votação para melhor álbum, em que o “Roque Popular” foi o mais votado, a seguir “Diabo Na Cruz”, e depois o “Virou”. É da mesma opinião?

JC: Eu acho se fôssemos fazer uma sondagem mesmo a sério, com mais gente, a opinião seria muito diferente. Acho que o “Virou!” ficaria em primeiro, o último em segundo e o “Roque Popular” em último. Agora acontece que há um público, o público mais próximo, mais fervoroso de Diabo, que conhece mais de trás para a frente, talvez esteja à procura de coisas um bocadinho mais densas.

E a “Dona Ligeirinha”? Toda a gente conhece a música. Vocês ainda gostam de a tocar?

JC: Eu penso que “Dona Ligeirinha” já esteve mais em baixa no concerto. Houve alturas em que parecia um bocadinho a música que nós menos gostávamos de tocar, principalmente alguns da banda. E agora não sei, tem a ver com o “sítio” onde ela está. Às vezes, os alinhamentos também são muito importantes para uma música se destacar. Ela vem entre o “Saias” e o “Vida de Estrada”, que são músicas próximas na linguagem. Um bocadinho mais complexas que “Dona Ligeirinha”. O que acontece com “Dona Ligeirinha” é que é simples, é uma música muito “simplesinha” mas, se formos falar sobre a música, o que é que eu acho sobre ela, tenho imenso respeito, porque a música abriu tudo para nós. Sem ela não tínhamos tido a projeção que tivemos logo no início entre as pessoas.

E… Uma música que o público peça sempre para tocar? 

JC: Das que nós não tocamos, a “Pioneiros”. Já é mais pedida porque também, lá está, os fãs mais próximos sabem que é uma raridade e vão ter que esperar. Esse público que nós sabemos que vai esperar, sabe que vai ouvir essa música um dia. Se calhar só mais daqui a dois ou três anos. E vão estar lá à espera. Agora, haverá um público que talvez não esteja à espera de “Diabo na Cruz” nessa altura. Com isto não quero dizer que o nosso próximo disco vai demorar dois ou três anos a acontecer. Nós adorávamos tê-lo pronto amanhã. Amanhã não, porque primeiro é preciso descansar um bocadinho. Depois não há força para fazer como deve ser um novo ciclo cheio de vontade, mas gostaríamos de tê-lo pronto muito rápido. A verdade é que o “Roque Popular”, a única razão pela qual até se queixam de que nós passamos uma mensagem que não achamos o “Roque Popular” um disco tão conseguido na nossa obra, é porque nós o tivemos que fazer demasiado rápido. Não tem nada a ver com o disco que é e com as músicas que foram feitas. É que não houve tempo para deixar amadurecer.

Artigo editado por Filipa Silva