“Em Serralves não há, nem nunca houve, nem nunca sobre a nossa responsabilidade haverá censura”, reforçou esta quarta-feira Ana Pinho, presidente do Conselho de Administração (CA) da Fundação de Serralves, no início de uma conferência de imprensa no Museu. “Mas também não haverá complacência com a falta de verdade nem fuga às responsabilidades”, avisou, acompanhada da restante administração composta por Manuel Ferreira da Silva, Isabel Pires de Lima, Manuel Cavaleiro Brandão e José Pacheco Pereira.

Na sequência das acusações que apontavam para uma ingerência, por parte da Administração, “no trabalho de programação e curadoria da exposição de Robert Mapplethorpe, a presidente da instituição lamentou o que diz tratar-se de “informações falsas” e negou que a Fundação tenha requerido a retirada das 20 obras que não constam da exposição: “O Conselho de Administração não mandou retirar quaisquer obras”.

Conselho de Administração na conferência de imprensa desta quarta-feira.

Conselho de Administração na conferência de imprensa desta quarta-feira. Foto: Pedro Soares Botelho

Ana Pinho garantiu, ainda, que foi o próprio ex-Diretor Artístico do Museu e curador da exposição, João Ribas, quem escolheu as fotografias. O que significa que as 20 obras não expostas foram “iniciativa do curador e não justificam qualquer situação de censura”. Aliás, assegurou Ana Pinho, “as obras retiradas estão aqui (em depósito), o seu transporte, molduras e seguro foram pagos, tal como as expostas”.

A entrevista que “levantou um problema”

Numa entrevista dada suplemento Ipsílon do jornal ‘Público’ uma semana antes de apresentar a sua demissão, João Ribas assegurara que, na retrospetiva dedicada ao fotógrafo norte-americano Robert Mapplethorpe, não haveria “censura, obras tapadas, salas especiais ou qualquer tipo de restrição a visitantes de acordo com a faixa etária”. Uma afirmação que apanhou Ana Pinho e os restantes administradores da Fundação de surpresa: “Isso foi o nosso espanto. É só isso que posso dizer”. Afinal, segundo o CA, foi Ribas quem sugeriu a criação de um espaço reservado para as “obras mais sensíveis”, uma prática “seguida por imensos museus no mundo”.

“Desde o início se considerou que a exposição de Mapplethorpe deveria ter uma área reservada, proposto, aliás, por ele [João Ribas]. Na entrevista que deu, ele negou aquilo que tinha acordado. E, portanto, levantou-nos um problema, na medida em que, na maioria dos museus em que estão expostas obras de Mapplethorpe, das duas uma: ou não são expostas as que aqui estão expostas, ou são expostas com o mesmo tipo de prevenções. Optámos pela segunda”, referiu José Pacheco Pereira, historiador e administrador não executivo da Fundação. E concluiu: “De um ponto de vista formal, se o curador tinha objeções à forma final da exposição, não deveria ter aceite apresentá-la à imprensa da forma que fez, com a assinatura dele próprio sobre o resultado final da exposição”.

A questão do texto na sinalética

Na semana passada, à entrada de uma das quatro salas da exposição, o visitante podia ler o seguinte aviso: “Alertamos para a dimensão provocatória e o carácter eventualmente chocante da sexualidade contida em algumas obras expostas. A admissão nesta sala está reservada a maiores de 18 anos”. Contudo, esta segunda-feira, a advertência era já outra: “Dado o carácter sexualmente explícito das obras expostas nesta área, o acesso à mesma é reservado a maiores de 18 anos e a menores acompanhados dos respetivos tutores legais”.

“O aviso que inicialmente foi colocado foi feito por similitude com a legislação sobre espetáculos, e que se considerou que podia ser usada. Depois, verificámos que seria mais adequado retirar o aviso, por não se tratar de uma legislação especifíca a este caso, mas que poderia ser usada de forma análoga. Decidimos colocá-lo da forma mais livre possível, mas acautelando a responsabilidade da Fundação”, respondeu Ana Pinho quando confrontada com a alteração dos alertas ao público.

Os auto-retratos do artista são dos seus trabalhos mais conhecidos.

Os auto-retratos do artista são dos seus trabalhos mais conhecidos. Foto: Joana Novo

Responsabilidade, foi, aliás, uma palavra referida inúmeras vezes no decorrer da conferência de imprensa. A presidente do CA já tinha referido a exigência e responsabilidade que se “estendem aos milhares de crianças e às centenas de escolas” que visitam Serralves anualmente.

“Não podemos correr o risco de pais e professores processarem Serralves pela apresentação de obras que eles consideram explícitas. E esse risco existe”, disse Pacheco Pereira. “Em Serralves não houve censura. Houve a combinação de responsabilidade, principalmente em relação às crianças”, concluiu.

O regresso à normalidade

“Lamento que estas polémicas se gerem, porque têm sempre consequências, obviamente. As dificuldades que surgem, tentamos resolvê-las de forma a não afetar a imagem de Serralves. Esperamos, dentro de pouco tempo, regressar à normalidade”, rematou Ana Pinho.

Sobre os rumores que dão conta de um alegado clima conturbado no seio do Museu, o CA escusou-se a responder a quaisquer questões que não estivessem ligadas à questão Mapplethorpe. Porém, no final da conferência de imprensa, Pacheco Pereira foi categórico quando acorreu em defesa de Ana Pinho: “Nunca vi ninguém na administração defender melhor os interesses de Serralves do que ela”.

Ribas reage em comunicado

No dia em que o CA da Fundação de Serralves convocou os jornalistas para prestar declarações, João Ribas também quebrou o silêncio que manteve durante cinco dias. Fê-lo através de um comunicado que intitulou de “Verdade e Liberdade”. Nele não refere censura mas afirma que não  teve “alternativa” senão apresentar a demissão perante a “violação continuada” da sua “autonomia técnica e artística e do livre exercício” das suas funções.

O diretor demissionário do Museu de Serralves, e curador da exibição de Mapplethorpe, assegura a existência de “restrições e intervenções” que lhe terão sido impostas na qualidade de diretor e no contexto da exposição.

Há 170 fotografias na exposição. Foto;: Joana Novo

“Tais restrições interferiram de modo grave com a conceptualização expositiva, nomeadamente na semana de montagem, que me obrigaram a sucessivas reorganizações da mesma. As interferências na exibição de determinadas obras e na localização de outras que ocorreram durante a semana de montagem, contribuíram para uma descontextualização profunda, obrigando-me, enquanto curador, a alterar a seleção dos trabalhos para que a exposição fosse um todo coerente e para que, assim, se promovesse de modo adequado o conhecimento e o diálogo social protagonizados por Robert Mapplethorpe”, explicou ainda João Ribas.

O curador da exposição refere ainda que “a exposição deveria conter 179 obras, como estava previsto”. “No entanto, as referidas interferências e restrições levaram a uma redução para 161” e vai mais longe denunciando que “no dia da inauguração, a curadoria foi mais uma vez intimada a retirar duas obras que já se encontravam expostas”.

A exposição Robert Mapelthorpe: Pictures foi inaugurada na passada quinta-feira e recebeu seis mil visitantes em apenas quatro dias, de acordo com informação prestada por fonte da instituição à Agência Lusa. A mostra fica no Porto até 6 de janeiro de 2019.

Artigo editado por Filipa Silva