Um influenciador digital dita modas e comportamentos, mas trabalhar com as redes sociais não é apenas publicar uma fotografia bonita. O trabalho implica investimento de tempo, às vezes dependência, quase sempre desgaste emocional.

Adriana Lima, de 23 anos, conta com mais de 120 mil seguidores no Instagram, e vê essa plataforma como uma ferramenta de trabalho.

O trabalho de influencer valeu-lhe a independência, mas viver somente do lucro das redes ainda é complicado, sobretudo se dependesse de marcas portuguesas. “Portugal não acredita em nós, o que é uma pena”, disse na entrevista que deu ao JPN.

Quando explica o funcionamento do seu trabalho, como é que acha que as outras pessoas o percecionam?

Quando comecei, ainda não havia aquele boom do digital influencer, então, as pessoas riam-se muito quando me apanhavam a tirar fotografias na rua. Gozavam muito comigo.

Nós ganhamos alguma credibilidade a partir do momento em que nos começam a ver em mais sítios sem ser no Instagram. Quando as marcas publicam a nossa imagem, por exemplo. Eu acho que me começaram a levar mais a sério quando eu fiz a produção da Maria Vaidosa e outras produções para a “Caras”. Foi aí que viram que aquilo se estava a tornar real.

As pessoas não têm noção do trabalho que está por trás. Não é só receber roupa bonita. É mesmo muito trabalho, e é um desgaste emocional muito grande, porque sem nós querermos estamos muito dependentes de números. Num momento podemos estar muito bem e, no dia seguinte, perder os fiéis seguidores.  E depois quem é que vai apostar em nós se não temos público?

Mas sim, é muito difícil explicar este trabalho às pessoas. Eu tento explicar assim: de segunda a sexta, para além de estudar e estagiar, tenho de responder a emails, organizar tudo, ver como é que vou combinar isto ou aquilo. Costumo tirar fotos ao sábado, com a minha mãe, quando vou a casa; é também quando recebo as encomendas e ponho tudo em ordem. Isto tudo ao sábado, porque quero reservar o domingo para estar com a família e com os amigos.  Este trabalho deu para desenvolver algumas capacidades de organização e responsabilidade. Ajudou-me a crescer muito. E tornei-me independente graças a isto. Há pessoas que acham que pode ser esporádico. Talvez sim, mas foi aquilo que me abriu portas para o futuro.

A partir de que momento é que se começa a ver uma rede social como uma ferramenta de trabalho? 

No Facebook, por exemplo, sou capaz de publicar coisas mais privadas e não aceito qualquer pessoa. É o meu cantinho especial. Quando temos um perfil que se torna comercial, é diferente. No que toca a saídas à noite, por exemplo, eu não faço questão de publicar no Instagram. Como lá a minha vida é tão exposta, tento reservar esses momentos só para mim. Tiro fotos com eles, mas quase nunca publico. Costumo guardar para mim porque são momentos especiais que não precisam de ser vistos por 120 mil pessoas. Devemos sempre manter uma linha para salvaguardar as pessoas que estão connosco. O Instagram é, sem dúvida, para mim, uma ferramenta de trabalho.

O Instagram pode ser uma ferramenta de trabalho remunerado. É possível ter sustentabilidade apenas com as redes sociais? 

É possível. Há quem aposte bastante nisto. Eu conheço várias pessoas que largaram empregos em cargos importantes para se dedicarem a isto. Mas, para ser sincera, para mim é um salto no vazio. Eu não era capaz, neste momento. Dá para viver, para eu sustentar os meus pequenos prazeres, mas para levar uma vida, acho que é bastante complicado.

Se bem que acho que o problema é mesmo estarmos cá, em Portugal… é muito complicado. Portugal não acredita em nós, o que é uma pena. Nós temos muito potencial no nosso país, mas são as marcas estrangeiras que nos vão “buscar” e acabamos por promover negócios estrangeiros e não os nacionais. E, assim, pelo menos eu, neste momento, não conseguiria viver só deste trabalho. Mas acredito que seja possível, e há provas vivas disso.

As pessoas estão a tornar-se milionárias graças a isto e temos influencers do Instagram a estarem presentes na front row em desfiles da Channel. Por isso, isto tem tudo para dar certo, mas é preciso que as pessoas acreditem em nós. Espero que acreditem em mim.

Trabalha com produtos nacionais e estrangeiros, nomeadamente de Espanha e do Reino Unido. Disse que Portugal não “acredita em vocês”. Com isto quer dizer que se não fossem as marcas estrangeiras, não tirava tanto partido desta plataforma?

A maioria do lucro que tenho vem de marcas estrangeiras. Possivelmente, 70% é estrangeiro, 30% de Portugal. O português, infelizmente, acredita muito no premeditar. Tem de estar tudo muito pensado para sair bem, e a naturalidade e a espontaneidade são algo em que não acredita. Também põe muitos entraves na exploração de um produto; tem de ser tudo à maneira deles. Não nos dão liberdade, e ninguém gosta de perder autonomia no seu próprio Instagram

Eu não queria dar esta ideia do meu país, mas também não vou mentir. Não vou dizer que são pessoas que me ajudaram a crescer imenso. Eu tenho de agradecer ao país vizinho. Em Portugal, só este ano é que souberam quem eu era. Acontece em todos os setores. É complicado. Mas acho que estamos de olhos mais abertos, o que é ótimo. Arrancando, vamos lá.

Há pessoas que, com dois posts, conseguem fazer isso: ganhar o valor de um ordenado

O Instagram não lhe paga um ordenado. Como é que recebe pelo trabalho que faz? 

O dinheiro provém de trabalhos com marcas. Primeiro, elas fazem uma aproximação, geralmente, por Instagram ou email. Depois, eu apresento o meu price kit, que foi feito por mim, sem ajuda.

No início, eu não tinha a noção dos valores do mercado. Eu não sabia quanto é que as outras pediam, e não se pode perguntar a uma Instagrammer quanto é que cobra pelo serviço. Portanto, tentei fazer por mim, e depois soube mais tarde o preço de pessoas, que eu acho que… fiquei um bocado em choque. A minha mãe é uma pessoa que ganha o ordenado mínimo e eu sei que há pessoas que, com dois posts, conseguem fazer isso: ganhar o valor de um ordenado. Eu sei que isto envolve muito trabalho, e fico contente por essas pessoas, porque é um grande marco na vida delas; mas também fico chocada. Até que ponto é que as pessoas estão dispostas a apostar no nosso trabalho?

Eu, pessoalmente, faço um pack, que apresento à empresa. Uma peça de roupa é dividida em três fotografias. Eu sei que quase ninguém faz isso. Geralmente põem uma fotografia ou duas. Eu acho que publicando uma de manhã, outra à tarde e outra à noite, apanho quase todos os seguidores. Uma pessoa está mais no Instagram de manhã enquanto outra está à tarde. Tem a ver com as estratégias de marketing.

Depois, existe o pack para fazer uma presença ou uma sessão fotográfica, e outro para um vídeo de unboxing [desembalar novos produtos], que está muito na moda. Assim, sou paga em dinheiro e em peças de roupa. Há marcas que não me dão a roupa, tenho de devolvê-la. Mas são marcas do Porto, por exemplo, porque tenho facilidade de ir entregar à loja. Mas de resto, oferecem a roupa e pagam à peça. Mas nem sempre foi assim; eu no início criei a minha loja, um projeto embrionário, porque não tinha lucro. Eu recebia roupa, mas não ganhava dinheiro.

Existe muita gente patrocinada que não admite que o é. Será por medo de perder a credibilidade?

As pessoas acabam por ganhar medo de que os seguidores achem que elas são pagas por tudo e por nada, e que tudo o que fazem é patrocinado. Mas eu acho que também devemos ser um bocado compreensivos com as marcas. Já que elas apostam em nós, temos de lhes dar evidência.

Devemos sempre pensar em todos os que estão envolvidos neste trabalho. Se não cuidarmos de quem está a apostar em nós, acabamos por perder o negócio. Além disso, também temos de perceber que não somos só nós quem importa, mas também a pessoa do outro lado do ecrã.

O número de influenciadores digitais tem aumentado cada vez mais. Como é que vê a concorrência?

As minhas amigas e a minha mãe estão sempre muito atentas a isso. Podes não acreditar, mas a mim passa-me completamente ao lado. Eu uso o Instagram mesmo só como uma ferramenta de trabalho. Raramente me inspiro num look de uma miúda ou outra que acompanho. Há pessoas que sigo e pronto, mas não estou muito atenta. Há muito talento e sei que tenho forte concorrência.

As pessoas deste ramo ou são alguém que faz coisas extraordinárias ou que investem muito na imagem, temos de ser sinceros. Geralmente as que aparecem ultimamente têm a sorte de estar nos sítios certos à hora certa, e a imagem delas começa a aparecer gradualmente e muito organicamente.

O digital é o futuro. Já não vamos voltar ao tradicional.

As marcas apostam cada vez mais na publicidade através das redes sociais em vez da publicidade tradicional. Porquê esta mudança?

Todos nós levamos um ritmo de vida muito corrido. Estamos sempre a fazer scroll no telemóvel… quando estamos nos transportes públicos, ou quando não temos nada para fazer. Isto é a publicidade mais barata que existe. Há influencers que, como estão ainda no início, não cobram rigorosamente nada; basta entregar o produto e elas fazem publicidade gratuita. Depois há aquelas pessoas que cobram, mas que sabem que depois as marcas vão ter um retorno incrível.

As empresas apostam nas influencers, porque são pessoas reais, e as pessoas têm tendência em acreditar mais no que parece mais real do que num ator a fazer publicidade. Já se sabe que aquilo é programado, tem maquilhagem por trás, um cenário… aqui não. Há interesse pela pessoa, pelo produto, pela história de vida. Isto é um encadeamento. O digital é o futuro. Já não vamos voltar ao tradicional.

As marcas escolhem as suas parcerias pela qualidade do conteúdo ou pelo número de seguidores?

Neste momento, é pelo número de seguidores, sem dúvida. São raras as marcas que vêm ter comigo e elogiam o meu feed ou a forma como uso as peças. A maioria diz “sei que tens muita adesão”. Os números contam muito, infelizmente. Tem de se desmistificar tudo e ver o que é que vale a pena e o que é que não vale. As pessoas descredibilizam muito o Instagram, mas, para mim, é o que educa muita gente, porque ao passar tanto tempo agarrados ao telemóvel, o que é que eles vão aprender? O que veem nos ecrãs.

Por isso é que é muito importante ter um bocadinho de cuidado, quando as marcas investem em perfis sem conteúdo. Veem-se pessoas a fazerem coisas em massa, tudo pelo Instagram. Os seguidores contam muito. Os likes contam muito. Os números contam muito. E as empresas gostam de apostar no que parece que é massivo, mas depois vai-se a ver, e, se calhar, o retorno não é tão bom.

Adriana Gonçalves Alves Lima nasceu em Caminha. É licenciada em Línguas, Literaturas e Culturas, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Com apenas 23 anos, conta com mais de 120 mil seguidores no Instagram. Está a terminar o mestrado em Gestão e Marketing.

Os números são importantes, mas existem imensas formas de os aumentar. É cada vez maior a compra de likes e seguidores.

As pessoas não têm noção do perigo do growth hacking. Um utilizador ou uma empresa compram seguidores e likes, mas dá para perceber quando estes são nulos. Numa página que tem 50 mil seguidores e 55 likes, há uma discrepância muito grande. A internet é muito rápida, o que faz com que as marcas vejam o número de seguidores “por alto”, porque elas interessam-se por valores.

Não é por terem muitos seguidores que as páginas são eficazes. Tem de se ter em conta o engagement. O pior é que isto acaba por descredibilizar o nosso trabalho. As marcas vão começar a desconfiar e as pessoas que não fazem isso saem prejudicadas.

Nem tudo é um mar de rosas. Todos os trabalhos têm prós e contras. Qual é a parte “menos bonita” de trabalhar com as plataformas digitais?

A maior dificuldade é termos de estar em constante atualização. Não podemos cometer um erro, porque um erro crasso destrói-nos. Começamos a perder seguidores, e nisso nós não temos poder nem controlo. São vocês que decidem. Estamos muito à mercê do público, e precisamos de criar uma estrutura que nos proteja do mundo virtual, para não afetar a nossa vida pessoal.

É por isso que eu tento não ir muitas vezes ao Instagram para não ficar obcecada. O Instagram é a minha ferramenta de trabalho, e, como em qualquer emprego, as pessoas vão para casa e descansam. Eu acho que isso é que é importante: não ficarmos absorvidos pelo virtual. Não podemos deixar-nos afetar pelo que nos dizem; devemos sempre proteger-nos. E isto parece mesmo uma frase feita, mas é importante manter-se fiel. É verdade. Temos de manter a nossa linha, e não nos deixarmos influenciar pelo que o outro diz. Temos de estar atentos aos comentários, e eu leio tudo; depois, retiro o bom e o mau, aquilo que interessa e o que não interessa. Temos de ser seletivos.

Às vezes, estou mais chateada ou menos bem disposta, e as pessoas vêm-me na rua. Eu sei que algumas me reconhecem, e se me vêm maldisposta, já vão ter uma imagem negativa. E isso é mau. Também comentam tudo e mais alguma coisa: se uma pessoa ganhou ou perdeu mais uns quilos, se tem as unhas mal pintadas… tudo. Mas é o perigo que corremos. Vamos ouvir o bom e o mau. Nunca vamos agradar toda a gente.  O grande desafio da exposição social é provar àqueles que nos criticam que estão errados, e continuar a criar uma ligação com as pessoas que gostam de nós.

Daqui a 20 anos, achas que as redes sociais continuarão in? Ou é algo passageiro?

Nada é para sempre. Agora estamos a ter muito sucesso, mas o que é que vai acontecer? As pessoas vão cansar-se disto. E basta muita gente começar a fazer este trabalho de modo errado, para começarmos a ganhar uma descredibilização total. O que eu acho é que devemos aproveitar, já que temos este mundo para nos ajudar, e tirar o máximo de proveito e de contactos disto.

Enquanto puder, vou manter o Instagram. Mas eu sei que a partir do momento em que este deixar de existir, vou ter de procurar outra forma de explorar a criatividade. Eu adorava criar uma marca, por exemplo, e eu espero que este caminho me leve ao meu objetivo final.

Para ser sincera, eu adorava que as redes sociais permanecessem, porque são uma fonte de entretenimento brutal, a publicidade é engraçada e descobre-se muitas coisas com os influencers. Tenho medo que acabe, mas vão sempre existir coisas novas.

Artigo editado por Filipa Silva