Após vencer pela segunda vez (e de forma consecutiva) o galardão de melhor selecionador do mundo atribuído pela "Futsal Planet", o JPN esteve à conversa com Jorge Braz, o técnico da seleção portuguesa e antigo aluno da Universidade do Porto.
Aos 47 anos, Jorge Gomes Braz igualou o espanhol Javier Lozano no segundo lugar dos selecionadores com mais distinções para melhor do mundo da “Futsal Planet”. Foram ambos eleitos por duas vezes e os únicos a serem escolhidos de forma consecutiva. Apenas outro espanhol, Venancio Lopez, tem mais distinções – no caso, cinco.
Em entrevista ao JPN, num momento tão difícil a nível mundial, o técnico nacional não tem dúvidas de que preferia ver a situação provocada pelo novo coronavírus resolvida em vez de ter ganho outro troféu individual.
Sobre a modalidade, o técnico, que está desde 2010 à frente da seleção nacional – foi campeão europeu em 2018 – e que se formou na Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, sublinha a grande evolução, materializada na expansão ao nível do futsal feminino e de formação. Por isso está confiante que “mais ano menos ano” o futsal chegue aos Jogos Olímpicos de Verão.
JPN: Agora que venceu pela segunda vez e de forma consecutiva o prémio de selecionador do ano da “Futsal Planet”, procura igualar o recorde de Venancio Lopez, que ganhou cinco troféus?
Jorge Braz: Não. Não fazia a mínima ideia disso.
Já agora, a título de curiosidade, é o segundo a ganhar de forma consecutiva. Javier Lozano também tem dois e também ganhou-os consecutivamente.
Também não sabia. Claro que é importante, mas o foco não é esse. Quantas vezes foi considerado o melhor do mundo este ou aquele selecionador… não é esse o meu lema de trabalho. Claro que é algo fantástico e que enche-me de orgulho, mas nem sabia dessas estatísticas. Agora, quantas vezes fomos campeões do mundo, campeões da Europa, aí é que nós temos de ficar atentos.
De que modo está a situação provocada pelo novo coronavírus a afetar a preparação dos jogadores? Como um treinador consegue motivar os jogadores nesta altura?
Vivemos um momento extremamente complicado. Eu trocava, sem dúvida nenhuma, este prémio, olhe, por uma vacina que resolvesse a pandemia ou que minimizasse isto. Trocava claramente, porque neste momento a preocupação é esta.
Claro que nos preocupa [a competição parada], mas o mais importante neste momento é resolvermos esta questão. Temos que nos adaptar a uma epidemia. Neste momento, sou um civil e tenho de cumprir com as minhas funções, proteger-me, estar em casa, não provocar mais contágio. Em termos de trabalho, é aproveitar para reorganizar uma série de documentos. Reunião e discussão e reflexão acima de tudo entre toda a equipa técnica e mesmo com outros elementos da Federação. Temos tempo para fazer agora uma série de tarefas que quando andamos naquele ritmo [normal de trabalho] às vezes nos impede de parar e refletir um bocadinho. E com os jogadores, é ir acompanhando, apoiando. Parece-me que todos os clubes se organizaram muito bem em termos de acompanhamento, de dar indicações aos seus jogadores para que mantenham minimamente a forma desportiva, para quando regressarem à competição. A nós, cabe-nos ir acompanhando, conversando e percebendo do que é que necessitam da nossa parte. No fundo, é adaptarmo-nos a estas circunstâncias complexas e difíceis, mas se há coisa que os portugueses são bons é a adaptarem-se às dificuldades e parece-me que até o estamos a fazer de forma muito positiva.
A própria FIFA definiu que até ao final de abril tomará uma decisão [sobre o mundial]. Temos mais algumas semanas para ver como evolui a situação.
Então, adiar o mundial, previsto para arrancar a 12 de setembro, é praticamente uma inevitabilidade?
Há demasiada incerteza. Eu percebo que hoje toda a gente esteja preocupada já com as decisões e soluções, inclusive alguns parece que já têm soluções milagrosas. Como é que nós temos soluções quando a incerteza é tão grande? Quando não sabemos se termina daqui a 15 dias, se ainda temos de estar mais um mês, dois? Temos que conseguir perceber qual é a função neste momento de cada um de nós.
Claro que isto não vai poder parar o mundo, o país, mas, temos de encontrar um equilíbrio nisto. Esperar pelos timings certos para tomar determinadas decisões é fundamental. Neste momento, com esta incerteza toda e com a indefinição das competições nacionais de cada país e sendo o mundial uma prova de tanta importância para o futsal, para os jogadores, para toda a gente, neste momento, começa a pairar no ar a questão de adiar, não é? Aliás, a própria FIFA definiu que até ao final de abril tomará uma decisão.
Temos mais algumas semanas para ver como evolui todo o processo e depois de certeza que já haverá outros indicadores para, pelo menos, ter decisões mais robustas. Andamos todos um bocadinho agitados a querer soluções milagrosas dentro destes momentos tão complicados, tão incertos, que me parece que nos obrigam a refletir muito bem. A ter calma e paciência e acima de tudo a cada um cumprir a tarefa que tem de cumprir neste momento, com as recomendações que existem, que essas sim são óbvias para todos.
A FIFA tem ajudado as equipas a perceberem o que se vai passar ou há uma falta de informação, falta de apoio às seleções nacionais?
Não. Só posso falar pelo futsal e em relação ao mundial já se pronunciaram a dizer que irão esperar até ao final de abril. No final de abril, haverá informação sobre o adiamento: manter, não manter. Vamos ver o que é que acontece nessa altura.
Tem o sonho de ver o futsal tornar-se um desporto olímpico?
Isso depende de nós. Já fomos dando enormes passos. Já houve um primeiro europeu feminino, por exemplo, que só aconteceu o ano passado. O primeiro europeu sub-19, de seleções jovens, só aconteceu no ano passado. Os sul-americanos já têm, na Ásia também já têm, ou seja, todas as confederações tem de se organizar e querer realmente que o futsal tenha outro impacto social e tenha oferta competitiva para ser considerado modalidade olímpica.
O futsal tem crescido, temos dado esses passos de forma, parece-me, bastante acertada. Foi incluído nos Jogos Olímpicos da Juventude, parece-me ser inevitável que, a continuar assim, mais ano menos ano, possa ser incluído no programa olímpico.
Agora, depende de nós, depende de cada país, de cada federação, criar condições para que o futsal reúna as condições e os pré-requisitos para ser modalidade olímpica. Não vale a penar andar aqui sempre com o “ai eu acho que devia ser isto”. Não é uma questão de achar, nem de não achar. Isto é uma questão de desenvolver a modalidade e ter requisitos para ser olímpica e, neste momento, se o Comité Olímpico Internacional incluiu o futsal nos Jogos Olímpicos da Juventude, ao menos reconhece já que existe impacto social, que existe oferta competitiva mundial em ambos os géneros e em escalões de formação que permita que o futsal seja uma modalidade olímpica. Vamos ver o futuro.
E nos Jogos Olímpicos da Juventude Portugal venceu o torneio feminino.
Nós não participamos no masculino, porque não podíamos, só podíamos ir num género, participámos no feminino. E ganharam a medalha de ouro. A forma como decorreu e o nível competitivo apresentado pelas jovens sub-19 acho que foi demonstrativo do patamar em que está a modalidade. Podem confiar em espetáculos de enorme relevância caso seja incluído nos Jogos Olímpicos.
Sendo um ex-aluno da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, desde o tempo em que se licenciou e tirou mestrado até agora, o futsal já evoluiu muito. Foi uma evolução totalmente positiva ou também trouxe aspetos negativos?
Eu gosto de olhar sempre para o lado positivo. Dificuldades, adversidades acontecem em todas as modalidades. Mas cresceu, naturalmente. Está-me a ligar porque fui reconhecido como o melhor selecionador do mundo, mas também estavam [nomeados para os Futsal Awards] o Nuno Dias, o Joel Rocha, a Ana Catarina e a Fifó, o Sporting como equipa e a seleção nacional como seleção, o [Hugo] Neves como jovem jogador… Tantos nomeados, tanta gente reconhecida. Isto é um indicador de que a visão estratégica que houve foi no sentido minimamente correto. Se não, não estávamos aqui a conversar.
Essa evolução aconteceu, claramente. Tem evoluído e temos chegado a patamares extremamente interessantes: vice-campeãs femininas [da Europa], campeonato da europa de sub-19, campeãs olímpicas, medalhas nos mundiais universitários, europeus universitários, ou seja, a relevância social do futsal como modalidade parece-me que tem cada vez maior impacto, não é? E esse é um dos grandes objetivos de há uns anos. Com esta nova direção da Federação Portuguesa de Futebol já havia muita gente que trabalhou e que foi extremamente importante quando ainda estava na faculdade, quando eu ainda jogava – grandes referências, grandes cubes, dirigentes muito bons, treinadores que foram referência para mim.
Somos um país que tem um passado extremamente importante e com resultados. Agora, alterou-se ligeiramente o caminho do desenvolvimento e novas oportunidades competitivas surgiram. Desde que saí da faculdade a evolução foi grande, com grandes contributos do passado, com decisões acertadas e ainda temos muito mais a fazer, como é evidente.
O Benfica e o Sporting foram por um caminho de enorme profissionalização. São duas das melhores equipas do mundo.
Mas nestes últimos anos temos visto que o campeão nacional ou é o Benfica ou é o Sporting, isto já de há uns anos para cá. Mas se recuarmos, por exemplo, até à década de 90, vemos que por exemplo uma equipa do Correio da Manhã ou o Miramar já ganharam o campeonato. Por isso, a evolução tornou os maiores ainda maiores e os pequenos perderam um pouco de terreno?
Não, não acho que os maiores estejam maiores, porque a estrutura de um Benfica ou de um Sporting na forma como se organizam, o orçamento que têm… Na altura havia grandes referências, o Miramar, a Fundação [Jorge Antunes], o Instituto [D. João V], o Freixieiro… Muito antes, o Correio da Manhã, o Sporting já andava, o Atlético, havia uma série de equipas que eram referências e que ajudaram muito. Foram surgindo outras, foram surgindo alguns clubes de futebol [a apostar na modalidade], como o Benfica. Entretanto, o Benfica e o Sporting foram por um caminho de enorme profissionalização, conseguem neste momento que alguns dos melhores jogadores do mundo queiram vir para Portugal. O que faz com que estejam num patamar altíssimo, são duas das melhores equipas do mundo. Agora, comparar o Modicus, o Fundão… temos uma série de equipas que, diria assim, não são das melhores do mundo mas… Ainda há pouco tempo, o Braga jogou numa Champions e chegou à fase seguinte, não é? Jogou com o Inter e jogou com campeões de outros países e conseguiu vencer.
Ou seja, é difícil comparar momentos, épocas e estruturas que não são comparáveis. Claro, Benfica e Sporting estão num patamar muito muito grande, mas parece-me que, por exemplo, nesta época desportiva – já o disse várias vezes -, é comum ouvir-se outros treinadores dizerem que é preciso jogar os 40 minutos. Mesmo Benfica e Sporting se não forem bons nos 40 minutos, arriscam-se a perder pontos. E os jogos têm sido extremamente competitivos e equilibrados. Temos de continuar neste desenvolvimento e nesta aproximação entre outros clubes e outros projetos de formação e no feminino, que são extremamente importantes.
O futsal universitário é um espaço de excelência para o futsal.
O que acha então que é preciso ainda fazer ao nível do futsal português para subir um pouco mais?
É continuar o caminho que temos feitos até agora. Não há grandes dúvidas. Qual é a oferta competitiva que existe, qual é o número de competições que temos em termos nacionais em ambos os géneros e nos vários escalões? Qual é o número de selecções distritais que temos? Qual é o número de seleções nacionais que temos? Agora, como qualificamos este processo, como qualificamos os nossos treinadores, os nossos dirigentes e estruturalmente como os clubes podem crescer? São uma série de preocupações, uma série de fatores de desenvolvimento que têm sido melhorados nos últimos anos, que temos de continuar a melhorar. Continuar este caminho, parece-me. Isso parece-me óbvio.
E o futsal universitário, quão importante pode ser neste processo?
O futsal universitário é um espaço de excelência para o futsal. É das modalidades mais praticadas, ou a mais praticada. Também diz-me muito, é evidente, porque comecei no futsal universitário, mas, ainda hoje, não é? Há uns anos, quando comecei, ainda não havia a EUSA e os europeus universitários e, neste momento, temos europeus universitários com as faculdades. Temos os mundiais universitários, não é? Já lá vão, só eu já participei em 14 ou 15 mundiais, já perdi a conta. A quantidade de jogadores que passaram por aí e tiveram essa oportunidade. Para muitos deles, há umas épocas atrás, foi a primeira experiência internacional. E agora cada vez mais são importantes para os jovens jogadores, para os que estão nos sub-19, sub-21, ou seja, servem como um espaço competitivo importante. Por isso é que nós integramos, este ano, as nossas seleções sub-21, por decisão interna da Federação: são seleções nacionais sub-21/universidades. Já tivemos um estágio com a seleção nacional de sub-21 feminina em que das 15 atletas só uma não era universitária. Isto diz muito da oportunidade que é e da nossa visão de coordenação e integração e de perceber que é um espaço por excelência para complementar [a formação].
Portanto, o futsal fazendo parte de um plano curricular seria excelente nos cursos de Desporto?
Sim, isto existe em algumas universidades. Eu agora já nem sei bem como é, que estes novos planos de estudo, é muito esquisito, como muitas opcionais, mas já existe uma série de instituições de ensino superior que vão tendo o futsal. E é uma questão de produção-conhecimento, de investigação, de melhorar o conhecimento que existe acerca da modalidade em todas as suas vertentes. Isto é fundamental. Quando eu estava na faculdade, a nossa faculdade por exemplo, não tinha futsal ainda na altura, uns anos mais tarde, a UTAD, o ISMAI – e era mais uma que tinha -, começaram a ter opções e começaram a integrar o futsal no seu campo de estudos, seguiram-se uma série de outras universidades. Agora algumas universidades já vão tendo essa preocupação, de ao menos ter alguma carga horária, isso é fundamental na produção do conhecimento acerca da modalidade e do seu desenvolvimento.
Artigo editado por Filipa Silva