Um estudo realizado pela RunRepeat, em parceria com a Associação de Futebolistas Profissionais Ingleses (PFA, na sigla inglesa), revela que há preconceito nos comentários sobre jogadores de futebol, em função da cor da pele. Classificar um jogador como mais inteligente, de melhor qualidade ou como sendo mais trabalhador são elogios que recaem com muito mais frequência sobre jogadores com um tom de pele mais claro, do que sobre os que têm pele de tons mais escuros.

Divulgado pela PFA esta terça-feira, o estudo mostra ainda que os jogadores com tom de pele mais escuro são significativamente mais propensos a serem reduzidos às suas características físicas ou habilidades atléticas, como o ritmo e a potência, do que jogadores com tons de pele mais claros.

Estas são as principais conclusões de um estudo realizado a cerca de duas mil declarações de jornalistas e comentadores de meios de comunicação do Reino Unido, EUA e Canadá.

Foram analisados 643 jogadores de vários tons de pele, sendo destes, 433 classificados como jogadores com tom de pele mais claro e 210 classificados como jogadores com tom de pele mais escuro. Foram selecionados um total de 80 jogos de quatro das principais ligas da Europa (20 cada uma) – Serie A italiana, La Liga espanhola, Ligue 1 francesa e Premier League inglesa – da presente temporada 2019/20.

Como se verifica o enviesamento?

O estudo aponta ainda que em comentários puramente factuais, relacionados com eventos no jogo, ambos os grupos receberam a mesma proporção de comentários e foram elogiados ou criticados na mesma medida.

No entanto, a distribuição e a divisão de elogios e críticas não é uniforme quando se passa de factos para a opinião.

Ao falar sobre a inteligência, versatilidade ou qualidade, os comentários mais elogiosos recaíam em jogadores com tom de pele mais claro e as críticas nos jogadores com tom de pele mais escuro.

Fonte: runrepeat.com

Quando os jornalistas e/ou comentadores se referiam à inteligência de um determinado jogador, 62,60% dos elogios foram direcionados a jogadores com um tom de pele mais claro, enquanto que 63,33% das críticas foram dirigidas a jogadores com um tom de pele mais escuro.

Os jogadores com um tom de pele mais escuro receberam 6,59 comentários quando o tema era o poder físico por cada comentário de igual teor feito sobre um jogador de pele mais clara. Quando o tema é velocidade, a mesma coisa: um jogador com pele mais escura é alvo de 3,38 comentários por cada comentário dirigido a um jogador com um tom de pele mais claro.

Fonte: runrepeat.com

Os comentários dos profissionais dos media analisados revelam ainda que 60,40% dos elogios foram direcionados a jogadores com um tom de pele mais claro, quando se referiam ao seu esforço e empenho, aquilo que os ingleses chamam de work ethic.

Fonte: runrepeat.com

O “estudo” e os movimentos sociais

O estudo é revelado numa altura em que o conflito racial se mostra mais vivo que nunca. Depois da morte do cidadão norte-americano George Floyd, o movimento “Black Lives Matter” tem-se espalhado por vários pontos do mundo, entre eles, o Reino Unido.

A Premier League, o principal campeonato inglês, tem apoiado a causa pela igualdade racial com várias iniciativas, desde a substituição dos nomes dos jogadores nas camisolas pela inscrição “Black Lives Matter“, nos 12 primeiros jogos da temporada, até à colocação de um logótipo do mesmo movimento nas camisolas até ao fim da temporada, juntamente com o apoio da Liga aos jogadores que “se ajoelham” antes ou durante as partidas, com todos os intervientes nos jogos a dobrarem um joelho no início de cada jogo.

O que dizem os jogadores?

Para a PFA, apesar de os jogadores das competições inglesas ainda em disputa se terem “unido no seu apoio ao movimento Black Lives Matter”, o estudo apresentado sobre o preconceito racial nos comentários de futebol mostra ainda uma estrutura competitiva “sistemicamente racista”.

Jason Lee, executivo para a igualdade da PFA, adverte a comunidade do futebol, media incluídos, que chegou a altura de “coletivamente, começarmos a abordar estereótipos raciais profundamente enraizados”.

O antigo jogador do Nottingham Forest da década de 90 entende que “não existe um propósito em alargar os estereótipos raciais”, no entanto este tipo de comentários revelam “a narrativa do valor primário dos negros”, baseada na “sua fisicalidade e não na sua inteligência”. Para Jason Lee é preciso “erradicar da sociedade moderna” este tipo de “preconceito racial inconsciente”, que continua um “legado de dor e tem consequências sociais de longo alcance”.

Para Lee, “os comentadores ajudam a moldar a perceção que temos de cada jogador, aprofundando qualquer viés racial já mantido pelo espectador” e afentando a carreira destes mesmo depois de deixarem os relvados.

O antigo futebolista considera que é mais difícil para um jogador de uma minoria ter aspirações a tornar-se treinador ou diretor desportivo, ainda mais quando é dada uma “vantagem injusta aos jogadores a que os comentadores se referem regularmente como inteligentes e diligentes”, sublinha Jason Lee.

A Premier League, pela sua parte, respondeu ao desafio e juntamente com a PFA e a Liga de Futebol Inglesa (EFL) lançou um novo esquema de colocação de treinadores, com o objetivo de aumentar o número de antigos jogadores negros, asiáticos e de minorias étnicas (BAME, na sigla inglesa) em cargos de treinador de forma integral a nível profissional.

O esquema jogador-treinador, financiado em conjunto pela Premier League e pela PFA, deve permitir que até seis treinadores BAME por temporada sejam colocados a trabalhar de forma intensiva durante 23 meses nos clubes da EFL.

É a primeira vez que um estudo deste tipo é realizado, para compreender melhor se existe um enviesamento na forma como os media falam sobre os jogadores de futebol com diferentes tons de pele.

Artigo editado por Filipa Silva