O programa para o consumo assistido de drogas vai ser votado na próxima reunião de Executivo da Câmara Municipal do Porto (CMP), marcada para a próxima segunda-feira (6). Ao JPN, o presidente da Espaço T – Associação para Apoio à Integração Social e Comunitária, Jorge Oliveira, evidencia a importância que a criação daqueles equipamentos tem na promoção não só da saúde e higiene dos consumidores, mas também de saúde pública.

Jorge Oliveira lembra ainda que “há uma altura em que o tratamento já não é tratar, mas sim fazer com que ele [o consumidor] tenha melhor qualidade de vida a consumir e é para isso que existem estes espaços“. “Apesar de ser polémico, é uma das coisas que considero que se deveria fazer, porque para algumas pessoas a melhor solução é a redução de riscos, que é muito importante em alguns casos, uma vez que são pessoas que já estão no fim de linha e que não querem largar os consumos“, explica o atual presidente da Espaço T, que trabalhou durante 25 anos no extinto Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT), no Porto.

“Os toxicodependentes têm uma vida marginal, mas muito cansativa, porque a passam a lutar por consumir. Todo aquele ritual à volta do consumo – o ter que arranjar dinheiro para a seringa e para a droga – é o que os motiva, mas também lhes dá muito cansaço” e, por isso, o responsável associativo acredita na importância das também chamadas “salas de chuto“, capazes de dar aos consumidores uma maior qualidade de vida e alguma segurança.

A avançar, o projeto implica a “criação, numa primeira fase, de uma unidade amovível para consumo vigiado e, numa segunda fase, a disponibilização de uma unidade móvel, com um veículo adaptado”, conforme se lê num artigo no site de notícias da CMP. Para Jorge Oliveira, “se este projeto for único” não vai “resolver o problema, mas é um contributo”.

Desde o desmantelamento das últimas torres do Bairro do Aleixo, em maio do ano passado, que o tráfico e consumo de drogas se tornou mais visível no Porto, o chegou a levar o presidente da autarquia, Rui Moreira, a pedir, em várias ocasiões, um policiamento mais intenso no Porto e que em alguns locais o consumo ao ar livre fosse criminalizado. “O policiamento é necessário, mas não vai reduzir os consumos, porque quem consome faz tudo para consumir e os traficantes e toxicodependentes estão sempre em processo de deslocalização. Se a polícia está no sítio A, eles vão para o sítio B”, exemplifica Jorge Oliveira.

Legalização de algumas drogas como solução

O presidente da Espaço T vai mais longe a apresenta outras soluções para a mitigação dos efeitos nocivos associados ao consumo e ao tráfico de droga que passariam, por um lado, pela legalização de algumas delas. “Poderia ser uma opção polémica, mas que poderia reduzir em grande parte os consumos e o impacto na sociedade”, justifica.

Nesse sentido, a legalização funcionaria, diz, como que um tratamento a uma doença, tendo, por isso, prescrição médica com venda em farmácia. “No fundo, o consumo neste momento é um perigo, um risco, e isso acaba por estimular o consumo, o facto de ser desafiante lutar contra uma coisa que é proibida. Se ela deixar de ser proibida e começar a ser aceite como um problema social e que é vendido em farmácias e que até há sítios para consumir, eu acho que se calhar vamos legalizar uma coisa e vamos tê-la muito mais organizada e controlada”, sustenta.

Por outro lado, Jorge Oliveira apresenta a sensibilização e prevenção desde tenra idade, “ainda no primeiro ciclo de escolaridade”, como uma outra solução. Além disso, diz ser também importante “tentar dar um apoio aos que consomem que tenha em vista a sua abstinência e, naqueles em que já não há essa hipótese, tem que se fazer uma legalização e proporcionar um consumo assistido”, considera. “Não se trata de promover o consumo, mas sim de controlá-lo“, remata.

Além da componente mais direta de consumo assistido, estes espaços disponibilizam muitas vezes apoio a outros níveis, como por exemplo, psicológico ou de enfermagem. “O consumo de drogas num espaço assistido não é liberalizar a droga, e até acaba por ser uma terapia junto de pessoas que precisam de mudar comportamentos e de ter uma vida com mais qualidade”.

Programa será coordenado pelo Ministério da Saúde

Uma vez aprovado em reunião do executivo camarário, o projeto, que terá a duração de três anos, pressupõe um investimento da autarquia de 550 mil euros, 150 mil para adquirir a estrutura móvel e veículo e 400 mil para a implementação do projecto, que será coordenado pelo Ministério da Saúde, através da Administração Regional de Saúde (ARS) do Norte.

“Na primeira fase do programa para o consumo vigiado, a sua execução e gestão caberão à entidade particular cuja finalidade estatutária inclua a luta contra a toxicodependência, desde que autorizada pelo SICAD [Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e Dependências]. Na segunda fase, desde que a avaliação técnica da fase experimental seja favorável, proceder-se-á à abertura de um procedimento concursal promovido pelo SICAD, para o funcionamento do programa, ampliado com uma unidade móvel de consumo vigiado”, lê-se no artigo da CMP. 

Ainda não foram indicadas datas para o arranque do programa, mas ainda este ano serão alocados ao projecto 220 mil euros, com mais 90 mil disponíveis para os dois anos seguintes. 

As salas de consumo vigiado foram aprovadas há cerca de um ano no Porto. Em Lisboa foi já adotado o formato móvel do consumo assistido, que começou por abranger a freguesia do Beato e foi posteriormente alargado a Arroios, desde abril de 2019.

Artigo editado por Filipa Silva.